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Consigo olhar meio de lado para o meu primo. Ele me encara com o próprio medo nos olhos. Não tenho ideia do que fazer, estou paralisada de nervosismo. O pessoal do PH está nos cercando, alguns com suas armas em posição de atirar.
– Eu sou o dono do morro, sua vadiazinha. – PH diz, como se tivesse com a boca cheia de um sorriso. – Você não sabe ainda?
Viro-me devagar para ele, com GS apoiado em mim.
– Seu priminho tá me devendo! – PH continua, gesticulando os braços – Ele sumiu com meus bagulho, mas disse que foi roubado. Como se eu acreditasse...
PH ri e todo o resto de sua turma o acompanha. Não posso acreditar no que estou ouvindo. Eu sabia que tinha algo errado com meu primo, só não imaginava que seria isso, estar envolvido com um traficante. Na verdade, eu até imaginava, mas não queria aceitar.
– O prazo pra ele me pagar está acabando... – Dessa vez ele fala olhando seu fuzil, como se estivesse analisando se tudo está no lugar – E você já deve imaginar o que eu vou fazer com ele se não me devolver o meu dinheiro.
GS está com vergonha, não consegue olhar para mim. Eu me sinto destruída. Meu primo está devendo o traficante-chefe do morro. Ele está perdido! Nunca ouvi falar que tudo se resolveu para alguém que está nessa situação, porque a conta vira uma bola de neve e no final, a pessoa não consegue pagar e eles te matam. Não quero perder meu primo, não quero!
– Isso é verdade, GS? – Pergunto, quase chorando.
– A gente conversa mais tarde. – Ele cochicha.
– Pode ir pra casa, GS. – PH fala, gozando da nossa cara – Acorda dessa ressaca. Mas antes que o sol apareça nessa porra de céu eu quero te ver na boca.
Não espero PH mudar de ideia, apenas conduzo meu primo para fora da festa.
Estamos ferrados.
[...]
Levo GS para minha casa, não quero que a tia Gorete veja ele nesse estado. Eu sei que é de madrugada, o horário mais perigoso para se andar pelo morro, mas ninguém vai machucar a gente, pelo menos é o que eu imagino. Se o GS trabalha para o PH, ele deve ser conhecido pelas gangues daqui. Me pergunto qual seja a função dele.
A medida que caminhamos, GS parece ir despertando do seu estado doidão. Ao chegar em casa, ele já está mais sóbrio.
– Quantos baseados tu fumou, hein? – Pergunto, ajudando-o a tirar os sapatos na entrada da casa.
– Alguns. – Ele diz, sério.
Minha ansiedade aumenta cada vez mais e eu só quero perguntar a ele sobre o que PH disse na festa da Thaiga. No entanto, ele precisa despertar mais que isso para termos essa conversa. No fundo, eu só quero que ele me diga que tudo isso não passa de mais uma de suas pegadinhas.
Levo-o ao único banheiro da minha casa e o obrigo a tomar banho, o cheiro de drogas impregnou nele.
– Não quero banhar Babi! – Ele reclama.
– Vai banhar e ponto final. – Digo, duramente.
– E o meu pé? Eu torci lembra?
– Banha sentado, se apoia nas paredes ou sei lá. Se vira, não vou dar banho em você, seu bebezão. – Eu não quero, mas acabo sorrindo do que eu mesma disse.
O deixo sozinho e vou procurar umas roupas do meu pai para ele usar. Felizmente, meus pais estão dormindo na casa da tia Gorete, pois GS havia dito, mais cedo, que não voltava para dormir em casa e eles não queriam deixá-la sozinha. Recebi uma mensagem, ainda na festa, da minha mãe avisando isso. Escolho uma camiseta branca e um short calção e deixo em cima da cama para GS se trocar.
Preparo um café bem forte enquanto vejo meu primo passar de toalha indo até meu quarto. Ele se troca e vem para sala. Deixa seu corpo cair no sofá. Entrego-lhe uma xícara com o líquido fumegante.
– E então? Vai me contar o que tá acontecendo? – Pergunto, sem enrolação.
GS suspira e pensa um pouco antes de começar a falar:
– Tudo bem Babi, vou te falar. Já não estava mais aguentando esconder isso de você.
– Pois diga.
Ele toma alguns goles do café preto. O silêncio na sala é tão agonizante. Fico inquieta no meu lugar. Porém sinto o cheiro de shampoo de menta vindo dele e isso me deixa mais calma, por hora.
– Quando meu pai estava doente, as coisas não andavam bem aqui em casa, você sabe.
Recordo-me que, realmente, tio Carlos, pai do GS, adoeceu de diabetes, perdeu 80% da visão e ficou prostrado. Foram meses difíceis. Nunca tinha visto meu primo sofrer tanto quanto naqueles dias. Ele morreu tem seis meses e tanto GS quanto tia Gorete parecem não ter superado ainda.
– Eu tinha que arrumar um jeito, Babi, a gente estava passando fome. – GS continua, com o desespero começando a surgir na voz – O dinheiro que a gente estava ganhando não dava nem pra comprar remédio pro meu pai. Ele morreu porque a gente era pobre, Babi! Eu não pude salvar meu pai porque eu não tinha dinheiro pra pagar a porra do tratamento!
Os olhos do meu primo estão cheios de lágrimas. Eu já estou chorando. Meu coração se parte ao ver GS assim.
– Não pensa isso, GS... – Digo fungando – A culpa não é sua.
– É sim. – ele diz nervoso – Eu tentei fazer alguma coisa. Pedi pro PH me arrumar um serviço e ele me arrumou de aviãozinho* dele. Eu sabia desde o início quem ele era mas era isso ou ver minha família passar fome. Mas aí, uma semana antes do meu pai morrer, eu fui fazer uma entrega e uns caras chegaram me abordando... Roubaram as drogas do PH. Quando ele soube, me deu uma surra e disse que eu tinha seis meses pra pagar todo o dinheiro que valia as drogas. O prazo acaba daqui uma semana e eu não paguei nem 50% da dívida trabalhando na boca pra ele.
– E quanto você ainda está devendo pra ele? - Pergunto enxugando as lágrimas. Eu estou chocada com tudo que estou ouvindo.
– Uns 100 mil reais.
– O QUÊ? – Grito dando um pulo no sofá.
– Nem se eu vendesse tudo que eu tenho ia conseguir pagar esse cara antes do prazo.
Meu cérebro entra em pane. O que eu faço? O que eu faço? Eu preciso fazer alguma coisa, mas não consigo pensar em nada. Meu primo não pode morrer porque um traficante está usando-o como fonte de renda. Eu duvido que essa merda de droga que roubaram do GS valia tudo isso. Se eu pudesse, matava esse cara.
– GS nós precisamos fazer alguma coisa! – Falo e GS desmorona em lágrimas.
– Vamos fazer o quê Babi? Não tem nada o que fazer! Se eu não pagar essa dívida ele me mata e ainda passa a dívida pra minha mãe.
Eu nunca vi meu primo tão desesperado; ele chora como uma criança. Abraço GS, compartilhando do seu choro. Por mais que eu tente, não consigo ver uma saída para tudo isso.
– Nós vamos dar um jeito, GS. – Aperto-o bem forte – Não vou deixar você morrer...
[...]
Não demora muito para GS e eu irmos dormir. Estou um caco, na minha cabeça, uma confusão. Agora eu tenho medo. Não sei ao certo o que o PH pode fazer com GS, porque bandido não perdoa. E se ele resolver matar o meu primo e todos que eles conhecem?
Mas é entre sonos cortados que acontece algo inesperado. Escuto um barulho do lado de fora da casa. Eu ainda estou meio sonolenta, consigo me apoiar nos cotovelos para olhar ao redor. GS está do meu lado, ele nem se moveu com o barulho, continua dormindo como pedra. Os baseados que ele fumou estão fazendo efeito, ele parece está desligado do mundo.
Outro barulho, dessa vez na porta da frente. Uma porrada muito forte. Outra vez e de novo. Quando consigo raciocinar, já é tarde demais. Arrombam a porta da minha casa em um estrondo.
Alguém quebra minha janela com pesadas e pula para dentro do quarto. Grito de medo!
É tudo muito rápido. Eles arrancam GS da cama e lhe jogam no chão, começam a chutar a barriga dele.
– Para, por favor! – Eu grito saindo da cama e tentando tirar os brutamontes de perto do GS, mas outro cara me agarra por trás e me leva para sala.
Eles me jogam no chão. Minha casa está toda revirada, papéis no chão, gaveta fora do lugar, roupa espalhada. Eles bagunçaram tudo! Quando olho para cima, vejo PH entrando pela porta da frente. Eu estou chorando descontroladamente. Eles vão matar o GS!
– Chega! – PH grita para os caras que estão espancando meu primo no quarto.
Estou desesperada, sem conseguir tirar os olhos dos homens que invadiram minha casa, mas ainda consigo perceber que o dia está amanhecendo. Esses cachorros filhos da mãe mal saíram da festa e já vieram para minha casa. Não tenho forças pra me levantar, continuo no chão, e só consigo pensar que tudo está perdido.
– Quanto tempo... – PH diz caminhando ao meu redor.
Ele se abaixa na minha frente e levanta meu queixo.
– Dormiu bem? – Pergunta PH, todo cínico.
– Vai se f****. – Respondo, com o puro ódio na boca.
PH dá um sorriso de lado, gargalha um pouco, olhando para alguém que está a sua direita, e então me dá um tapa na cara. Sinto o lugar onde ele bateu queimar como se tivesse colocado brasas vivas. Eu seguro o choro. Não vou dar o gosto para esse babaca me ver chorando.
– Você é mesmo corajosa, né? – Ele começa a falar ainda abaixado – Bom, eu preciso te dizer que essa coragem toda não serve pra porra nenhuma.
Ele se levanta e senta no meu sofá.
– Você sabe o que eu vim fazer aqui?
Enquanto ele fala, um de seus capangas me levanta com força e prende minhas mãos com um enforca-gato. Depois ele me força a ficar de joelho.
– Eu vim cobrar a minha dívida. – PH responde a sua própria pergunta.
– Mas o prazo é só daqui uma semana! – Falo, esbaforida.
Esse desgraçado não pode fazer isso! O GS não tem o dinheiro ainda, como vamos fazer?
– Eu posso fazer o que eu quiser, porque eu mando nessa merda toda. – Ele diz, com a cara fechada – E por causa dessa sua audácia comigo lá na festa, eu resolvi mudar um pouco as coisas. Tragam ele!
Os homens do PH trouxeram o GS e jogaram ele no chão bem na minha frente. Meu primo está todo machucado, com os olhos inchados e roxos, a boca cheia de sangue, a blusa branca que está vestindo toda rasgada e ensanguentada. Ele mal consegue abrir os olhos, apenas agoniza. Não, não, não!
– Já que você está querendo tanto salvar o merdinha do seu primo, você vai assumir a dívida dele agora. – PH diz, com a cara mais diabólica que eu já vi na vida – Vai me pagar cada centavo que falta e aliás, eu vou dobrar o valor da dívida!
– NÃO! – Grito, sendo incapaz de segurar o choro.
– Sim! – PH diz e todos na sala riem – Você tem três dias pra me pagar. Hoje nós só batemos no GS, mas se você não me pagar no prazo, nós vamos mandar ele pro saco.
Tudo está perdido. Eu só queria salvar meu primo e agora o condenei. Nós não vamos conseguir o dinheiro a tempo e o PH vai mata-lo. Quem sabe mais o que pode fazer comigo e a minha família, isto é, meus pais e a tia Gorete! Bandido não se contenta com nada e está sempre querendo se aproveitar das pessoas.
– Estamos entendido? – Ele pergunta se abaixando de novo na minha frente.
Eu não consigo responder, estou petrificada de medo. Ouço os gemidos de GS ao meu lado e meu choro molha cada vez mais o meu rosto
– Estamos entendido, vadia? – Ele repete, dessa vez puxando meu cabelo com força.
– S-sim! – Consigo dizer entre lágrimas.
– Ótimo! Então nós já acabamos por aqui. Fiquem na paz, família. – Ele diz isso com ar de gozação.
Sinto tanta vontade de matar esse cara, se eu tivesse uma arma agora estouraria a cara dele em segundos. Mas só o vejo sair pela porta da frente junto com seus homens armados.
Ainda em choque, me levanto e corro para a cozinha em busca de algo que possa cortar o enforca-gato. Depois de alguns minutos, me livro das amarras e massageio os meus pulsos marcados. Em seguida, vou até GS. Apoio sua cabeça, com cuidado, em uma almofada do sofá e busco no meu quarto o telefone para ligar para a ambulância. Eles demoram meia hora para vir, o que aumenta minha agonia.
Finalmente, levam meu primo para o hospital. Enquanto isso, vou em disparada à casa da tia Gorete avisar o que aconteceu.
No meu coração só tem raiva e vontade de matar. Mas eu sofro muito mais por pensar que aqueles que eu amo estão perigo. Tudo por minha causa...
[...]
Eu disse que iam ter fortes emoções no aniversário da Thaiga. E tá só começando...... 😏
Gostou do capítulo? Deixe seu votinho. Nós batemos a meta da semana e amanhã eu já vou soltar um capítulo extra. AMANHÃ TEM DOIS CAPÍTULOS GALERAAA ❤😉
Beijos e até mais!
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