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GS me deixa em casa pouco mais das dez da noite. Não há ninguém na rua, parece que estou em uma cidade fantasma. Acho isso bem surpreendente, não esperei que todos fossem cumprir mesmo esse toque de recolher.
Convido meu primo para dormir conosco, no entanto, pela primeira vez, ele diz que não quer. Resolvo não insistir, apenas me despeço e entro. Meus pais estão em casa, então já prevejo o que eles vão falar. Como sempre, preocupados comigo.
– Filha, o que aconteceu? Cadê o GS? Ouvi falar em um tal de toque de recolher. Por que chegaram tarde? Isso foi perigoso! – Minha mãe toma a frente.
– Calma mãe, estou bem. Não se preocupa. – Respondo, cansada.
– E não irá nos dizer o que aconteceu? – Meu pai interpela.
– É uma longa história...
– Não vamos a lugar nenhum. – Ele cruza os braços.
Explico tudo que aconteceu, desde o momento em que vimos o homem caído no chão até quando GS me trouxe de volta para casa. É claro que os meus país ficaram extremamente preocupados com isso. Eu gostaria de saber o motivo pelo qual todos estão fazendo tempestade em copo d'água, afinal, eu só parei para ajudar alguém ferido. É como aquele engomadinho disse no hospital: somente fiz aquilo que gostaria que tivessem feito por mim.
O engomadinho... Acabo me recordando. Olho para o seu número escrito no meu pulso; posso sentir o formigar do seu toque como se ele ainda estivesse aqui, me segurando.
– Mãe, pai, tá tudo bem. GS me ajudou. Não surta. – Digo, revirando os olhos.
Eles ainda falam mais algumas coisas que eu não presto atenção e me deixam ir para o quarto. A primeira coisa que faço antes de tomar um banho é anotar no meu celular o número do engomadinho. Não sei porque ele fez toda essa cena de puxar uma caneta – que notoriamente é mais cara que minha casa inteira – e rabiscar minha pele. Não era tão mais simples pedir para eu salvar o contato dele? Talvez o seu cartão de visita seja agir feito um babaca. Solto um risinho inconformado. Só porque é rico acha que pode sair bancando o galã por aí?
Jogo os chinelos para o lado e vou tomar um banho, pois essa noite foi bem tensa e preciso urgentemente relaxar meus músculos. Estou sem apetite, por isso decido não comer nada. Só quero agora cair na cama e acordar no outro dia. Quem sabe amanhã essa sensação pesada sobre as minhas costas passe. Talvez...
[...]
Já é de manhã e eu não consegui pregar os olhos. Passei a noite sendo atormentada pelas lembranças daquele homem: o sangue escorrendo no chão, ele agonizando ao ponto de parecer que iria morrer. Eu também não consigo parar de pensar na forma como GS agiu, ele nunca se alterou assim com alguma coisa. Ao me lembrar do jeito que ele desceu da moto e correu até mim, me abraçando muito forte, só consegui ver o desespero emanando dele. Parece até que era eu que estava no chão acidentada.
Depois de enrolar uns quinze minutos na cama eu acabo me levantando. É domingo e embora seja um dia de descanso, quero me preparar para o colégio amanhã. Tomo café com minha mãe. Meu pai ainda está dormindo, são só oito da manhã. É justificável ele querer dormir um pouco mais, já que passou a semana toda acordando cinco horas da manhã para ir trabalhar. Felizmente, meu pai já tinha conseguido um emprego no Rio antes de nos mudarmos para cá, na verdade, só nos mudamos quando ele teve a certeza de que foi contratado.
Volto para o meu quarto e pego meus livros "novos", que na verdade são de segunda mão, porque estudo em escola pública. Eu nunca me importei de não poder escrever nada no livro e ter que escrever tudo no caderno, afinal, eu amo escrever, tenho pilhas e mais pilhas de agendinhas e cadernetas. O problema é que eles são tão velhos, parecendo que foram achados no lixo. Por isso pedi para minha mãe comprar papel de encapar livros. Pelo menos uma capa bonitinha eles terão. Penso.
Termino tudo até a hora do almoço. Meu pai já acordou, na verdade ele aparece na cozinha, com cara de quem quer dormir mais pouco, antes da minha mãe dizer que a comida está pronta. Estou sentada na banqueta do balcão de madeira, rindo do estado caótico do meu pai: roupas amassadas e o cabelo todo desgrenhado.
– Ainda não se acostumou com a rotina de acordar cinco da manhã né? – Mamãe brinca com ele.
– Eu não, lá em São Paulo eu não acordava cedo assim, não.
– Mas é porque você era o zelador da escola da Babi, que era bem pertinho de onde a gente morava.
– Verdade. Mas eu vou me acostumar. A Babi herdou de mim a capacidade de se adaptar com qualquer situação. – Meu pai me dá um beijo na testa e afaga meus cabelos.
– O que você quer dizer com isso, Osvaldo?
Quando minha mãe chama meu pai pelo nome, a coisa fica feia, eles começam a caçoar um do outro. Quem não conhece pensa que estão brigando, mas na verdade é só brincadeira. Meus pais são um exemplo de harmonia para mim. Penso se um dia encontrarei alguém assim também.
Depois da miniguerra de zoação entre os meus pais, limpo a cozinha e mato o tempo jogando no celular. Não demora muito e GS chega, mais calmo dessa vez, parecendo que esqueceu tudo que aconteceu ontem.
– E aí, Pinscher? – Ele diz se jogando ao meu lado no sofá.
– Por que você é tão irritante, GS? – Digo, revirando os olhos.
– Você me ama, Pãozinho! – Ele ri alto e faz cócegas em mim.
– Para, para!
Acabo não mantendo a pose de estressada e começo a rir também. GS é o melhor primo do mundo e eu nunca vou guardar raiva contra ele.
– Chega, GS... – Eu imploro com os olhos cheios de lágrimas de tanto rir.
Ele para com as cócegas e senta bem ao meu lado, passa o braço pelos meus ombros e apoia os grandes pés sobre o centro-de-mesa. Nós olhamos para a tv como se ela estivesse ligada, mas na verdade a tela está preta. É muito boa essa sensação de familiaridade.
No entanto, noto que GS tirou o plástico que outrora eu tinha visto envolta da sua panturrilha. A tatuagem agora está exposta e de onde estou, consigo ver somente metade dela. Reparo que é uma tatuagem exatamente igual a que vi na mão de PH, um lagarto enrodilhado com a língua vermelha para fora. Seria isso uma coincidência ou uma tendência?
– Babi, preciso te pedir uma coisa. – GS diz, depois de um tempo.
– Diga, antes que meu humor piore.
Ele soltou uma risadinha antes de continuar.
– Quero que você me ajude a comprar um presente pra alguém.
Eu desencosto do sofá e olho diretamente para o GS. Ele tira seu braço dos meus ombros. Algo dentro do meu cérebro estala. Meu primo não me pediria ajuda se fosse uma coisa qualquer. Ele quer impressionar alguém e se, minha dedução estiver correta, é uma menina.
– Tá apaixonado, GS? – Pergunto, brincalhona.
– Calma, Babi, não é bem assim. – Ele nitidamente está tímido.
Não acredito! Meu primo está mesmo apaixonado! Eu me acabo de rir de toda a sua timidez. GS não é nem um pingo tímido, mas quando se trata de garotas, ele é um tremendo medroso. Quem olha para ele e vê toda essa montanha de músculos não imagina a verdade.
Se ele vacilar, vai ficar pra titia. Eu nunca vi GS se apaixonar por ninguém, isso nem mesmo era uma pautada de conversa entre nós. Bom, até agora. E eu só consigo pensar que talvez a pessoa por quem GS está assim seja Thaiga. Ontem, na casa de Mob, vi o modo como ele a olhava quando ela não estava reparando. Senti algo entre eles.
– Tá legal, Babi, não me zoa. – GS pede, todo vermelho – Tô afim de uma menina e isso não é crime.
Rio até minha barriga doer. Limpo uma lágrima que escapole. Essa realmente é uma situação inesperada para mim.
– Mesmo que fosse crime, o que eu tenho a ver com isso? – Pergunto cruzando os braços, com um sorriso brincalhão na boca.
Ele respira fundo antes de me responder:
– Essa semana é aniversário dela e eu não sei o que dar de presente. Preciso de sua opinião pra escolher um presente. Eu não sei direito o que posso dar, porque o estilo dela é bem diferente e único, na verdade eu nunca vi uma garota igual a ela.
– Ihhh, alá! Gado demais! – Brinco, caindo na risada.
– Para Babi, é sério. – GS já está ficando impaciente com a minha descrença nos sentimentos dele.
– Quem é a menina, GS?
– Não vou dizer, você é muito boca-aberta. Vai me dedurar sem nem perceber.
– Cala a boca, seu idiota! Boca-aberta é você! Pode me contar quem é! – Falo toda mandona.
– Não digo nada!
– Sem graça... – Bufo, frustrada.
Mesmo que ele não diga, eu sei quem é, mas quem não sabe que eu sei disso é o GS. Meu primo se esquece que as vezes o meu "sexto sentido" é duplamente aguçado.
Espreguiço no sofá e me encaixo de novo debaixo do braço de meu primo.
– Num sei não, GS, tu tá querendo minha ajuda? Logo a minha?
Eu não sou o melhor exemplo de garota romântica. Não chego nem mesmo a alcançar o nível dessas meninas fofinhas e meigas. Como o meu próprio primo sempre diz, eu sou muito bruta. Me admira ele me pedir conselhos amorosos. Passei minha adolescência toda concentrando minha atenção em jogos e futebol; quem precisa de ajuda para essas coisas sou eu. Solto um risinho.
– Por favor, Babi! – GS prolonga o "i" e me sacode, fazendo sua cara de cachorro pidão de sempre – Você é a única garota que eu tenho intimidade pra pedir ajuda.
– Mas, e a Mih e Voltan? Vocês não são amigos também? Pode pedir ajuda pra elas, uai! – Respondo de propósito, esperando-o cair na armadilha.
– Não sou tão próximo delas, Bárbara! – Ele cai feito patinho.
– Você percebe que acabou de me contar quem é sua crush, né? – jogo um sorriso maroto para ele.
– Ora, sua danada! – Ele vem tentar me fazer cócegas, mas eu consigo escapar – Vem cá, Pinscher! Eu vou te pegar e te passar no liquidificador!
Eu amo ver que ele sempre cai nas minhas armadilhas. Começo a correr pela casa toda, fugindo de um GS zangado e brincalhão ao mesmo tempo. No entanto, ele consegue me acompanhar e me derruba no chão, agarrando o meu pé, sabendo que é aí o único lugar do meu corpo que sinto cócegas. Sinto a barriga doer de tanto rir. Sou tão jovem para morrer, literalmente, de riso.
– Eu ajudo, eu ajudo! – Me rendo, entre risos e falta de fôlego.
GS dá um grito de vitória e me solta. Fico jogada no chão da sala, me recuperando da crise de gargalhadas enquanto ele senta no sofá velho. Tomo fôlego e, de barriga para cima, digo:
– Eu te ajudo, mas com uma condição.
– Qual? – GS pergunta.
– Me busca amanhã depois da escola pra gente comprar o presente e aí eu te digo.
– Assim não vale, Babi. – Olho para GS a tempo de vê-lo cruzar os braços, birrento.
– É pegar ou largar.
Ele torce o bico, inconformado. Fica por alguns minutos calado, talvez pensando nos prós e contras da minha proposta. Por fim, ele cede.
– Feito.
[...]
[...]
Quem será que roubou o coração do GS? Kkkk 😏 Deixem seu votinho!
Beijinhos, meus amores! Hasta la vista!
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