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Gilson está nervoso. Posso sentir a tensão emanar do seu corpo enquanto agarro sua camisa. Ele corre muito rápido e eu tenho medo de cair. GS tende a ser muito impulsivo quando algo lhe assusta. Por isso não digo nada por ele está em alta velocidade nessas ruelas pequenas e perigosas. Meu primo parece conhecer cada detalhe desse morro, porém.
Ele não demora a chegar no hospital, que nitidamente é um prédio precário sem muitos recursos, talvez o único do morro inteiro. Desço apressada e ajeito o cabelo após tirar o capacete.
– Não faz besteira! – Ele adverte.
– Onde você vai? Não vai ficar comigo? – Pergunto, percebendo que ele não desliga o motor.
– Preciso devolver a moto, mas vou voltar pra te pegar. Espera aqui!
– E o toque de recolher?
– Relaxa, fica dentro do hospital e só sai quando eu chegar.
Assinto e corro para a emergência. Dou sorte de encontrar o cara do carro que me ajudou. Ele está sentado nas cadeiras de recepção do lugar, sob a luz fraca. Sem toda aquela adrenalina do momento, percebo que ele é bem bonito. Reparo no seu brinco de cruz na orelha esquerda e em um corte na sua sobrancelha direita igual ao de PH, Bradoock e Mob, talvez isso seja tendência entre os homens, pelo que vejo. Também reparo em seu rosto com traços singulares, e essa particularidade torna muito mais atraente a sua beleza.
Mais cedo, ele ainda estava com sua roupa "arrumadinha", porém agora dobrou as mangas da camisa social até o antebraço e o primeiro botão da camisa está aberto.
O jovem executivo não parece nem um pingo preocupado.
– E aí, beleza? – Saúdo, cautelosa.
– Demorou, hein? – Ele fala se levantando, como se estivesse ansioso a muito tempo pela minha chegada – Toma aqui seu celular. Tenho compromissos, sabia?
– A culpa foi sua por não ter devolvido quando terminou a ligação.
Não controlo minha língua afiada. Ele parece surpreso com a minha reação e depois solta um sorriso malicioso. Tira do bolso meu celular velho e eu fico tímida. Ele nitidamente é rico, minha pobreza para ele não deve significar nada.
– Valeu. – Digo pegando o aparelho.
Assim, se inicia um silêncio entre nós. Ele me encara com olhos curiosos e parece se divertir com minha falta de jeito.
– Obrigada por ajudar com... – Volto a preencher o ar que cheira a hospital – Você sabe...
– Sem problemas. – Ele esconde as mãos nos bolsos da calça – Eu fiz porque pensei que se fosse eu, iria querer a mesma coisa.
Ele parece terrivelmente calmo e isso me assusta. Quem é esse que não se abala facilmente? Embora seu rosto pareça ter sido feito por mãos de anjo, ele demonstra que é impenetrável. Me lembro da forma como agiu na hora do acidente, centrado e cauteloso; conduziu bem a situação. Ele é o jovem mais... Diferente que conheci na vida, por assim dizer.
Então, percebo que preciso retribuir o favor, pois naquele momento de desespero eu não sei o que faria se ele não tivesse abaixado a janela. Se aquele homem acidentado tivesse morrido bem ali, eu me sentiria culpada para sempre.
– O que eu posso fazer para retribuir seu favor? – Pergunto encarando meu tênis.
– Não sei... Qual sua proposta? – Ele solta um sorriso maroto.
Que cara de pau! E por um momento achei que ele iria ter uma atitude altruísta e dizer que não precisa, mas, na primeira oportunidade, pede retribuição. As pessoas de hoje não sabem mais fazerem algo sem nenhuma intenção. Reviro os olhos. Penso em alguma resposta boa para dar a esse almofadinha, no entanto nada me vem à cabeça.
Um minuto se arrasta como lesma.
– Vamos fazer assim, te passo o meu cartão de visitas – ele remexe seu bolso – e quando você tiver alguma ideia, me liga.
Ele pisca para mim e joga um chiclete na boca, profano.
Espero ele me entregar o tal cartão de visitas, mas nada faz. Apenas mastiga a goma como um galã esportista de série.
– E então, cadê seu número? – Pergunto arqueando a sobrancelha, meio impaciente com a audácia dele.
Ele não responde, pelo contrário, solta um risinho fajuto. Em seguida, alonga os braços olhando para o lado, pega uma caneta do colete preto que usa e se aproxima de mim, com um olhar misterioso. Ele alcança meu braço com cuidado e escreve, em uma caligrafia elegante, seu número no meu pulso. O seu toque atrevido provoca arrepios na minha pele e ele parece perceber, pois quando termina de escrever, antes de me soltar completamente, faz uma dezena de círculos no meu antebraço, me encarando sedutoramente.
Eu já estou envolvida com esse olhar e, de repente, a impaciência dá espaço para as borboletas no estômago. Esqueço que vim para o hospital buscar meu celular e saber mais sobre o homem ferido e apenas desfruto do momento com esse completo desconhecido. Infelizmente ele me solta e eu demoro um pouco para sair do "transe".
– Esse é o seu cartão de visitas? – Falo meio abobalhada – Eu achei que fosse um cartão mesmo. Você é tão rico, mas não compra cartões de visita.
Eu e minha mania absurda de falar demais quando estou nervosa, repito palavras sem perceber em um pequeno espaço de tempo e falo coisas antes de raciocinar se são apropriadas. Ele, porém, se diverte com meu showzinho de ansiedade.
– Ah é, já ia me esquecendo. – Ele diz, relaxado.
A mesma mão que ele usou para escrever o número, usa para segurar a minha mão esquerda e deixa ali um beijo demorado, à la Romeu.
É a situação mais estranha que já vivi, afinal, acabo de conhecer esse garoto – em um acidente de moto que não é meu – e ele já está flertando comigo. Ninguém em perfeito juízo pensa nisso quando está passando por tais circunstâncias.
– Qual foi? – Puxo minha mão de volta rapidamente. Ele ainda fica naquela posição curvada antes de ficar ereto.
– O cavalheirismo não é mais valorizado. – Ele ironiza.
Mais uma vez eu volto a ficar impaciente.
– Babi... – Ouço GS me chamar.
Giro nos calcanhares e corro até ele. Sinto uma sensação de ser pega em flagra fazendo algo errado, minhas bochechas estão quentes, talvez vermelhas como tomate.
– Pegou seu celular? – Ele fala entre dentes, mas não me encara, antes, sinto seu olhar queimar alguém às minhas costas.
– Peguei. – Respondo.
– Vambora!
Gilson me puxa, tirando-me do hospital com certa pressa e raiva misturadas. Eu não questiono, apenas vou com ele.
– Nunca mais vou deixar você sozinha. – Ele confessa, dessa vez demonstrando remorso.
– Mas por que, GS? – Pergunto confusa – Quem se acidentou foi aquele cara, eu não corri perigo nenhum. Eu só estava tentando ajudar!
Paro bruscamente e cruzo meus braços.
– Não inventa, Bárbara. Vamos logo pra casa, já começou o toque de recolher.
Bufo de raiva.
Volto a caminhar com GS, não entendendo porque ele ficou tão preocupado desse jeito. No caminho para casa, tento descobrir o motivo, mas ele permanece irredutível, não esclarece absolutamente nenhuma das minhas dúvidas.
Alguma coisa aconteceu. A situação é urgente demais para um acidente de um mero desconhecido. Algo me diz que o meu primo sabe bem do que se trata, caso contrário, qual seria o motivo do seu surto repentino em me ver no acidente? Em todo o caso, GS não me dirá nada, mesmo que isso o assuste. E eu vou ter que descobrir sozinha, de um jeito ou de outro.
[...]
A Babi é perfeita e não pouco!
Gostaram do capítulo? Acharam legal esse "cartão de visitas" do Coringa? 😏 Eu queria receber um desse. Deixe seu votinho ☆
Beijinhos, meus amores. Até o próximo capítulo!
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