Capítulo 9 - And I'm Here
O ar estava úmido naquela manhã. Alice teve uma noite agitada. Sonhou com a vida tranquila e feliz que tinha antes da doença de sua mãe. Até do cheiro de pão quentinho saindo do forno e da música que vinha do radio da cozinha, sua mãe tinha o hábito de cozinhar ouvindo música todas as manhãs.
– Pra começar o dia com muita energia. – Dizia ela.
Lúcia, sua mãe, sempre foi um exemplo de mulher, íntegra e trabalhadora. E, acima de tudo, honesta. Foi ela que ensinou Alice à importância de ter zelo pelo próprio nome.
– O seu nome, é o único bem que ninguém pode te tirar, Alice. – Disse ela, certa vez enquanto arrumavam os livros do setor de fantasia. – É ele que permanece na boca das pessoas, que ele seja lembrado pelas coisas boas que você fez e, jamais pelo que você fez de errado.
Lembrar dessas palavras, fez com que seu coração ficasse apertado. Sabia que sua mãe, provavelmente, estaria decepcionada, já que tanto o nome de Alice quanto o do Literachá não poderiam ser lembrados como Lúcia desejava. Alice devia tanto dinheiro aos bancos, que qualquer hora dessas perderia a propriedade em alguma das ações de cobranças que começavam a aparecer. Revirou-se na cama, estava inquieta e se sentindo cansada. O travesseiro estava tão desconfortável que parecia um monte de pedras envoltas em um pedaço de pano.
O relógio na parede do lado da cama marcava 9 horas da manhã. Mas ela não queria se levantar. Permaneceu olhando fixamente para o retrato na parede, observando vestido esvoaçante da mulher, que corria atrás de uma criança. Ele era vermelho com estampas de flores brancas, ambas corriam na areia da praia, a única viagem que fizeram na vida.
Agora pensando sobre isso, sentiu uma súbita vontade de sentir areia sob seus pés. Levantou e tocou o retrato de sua mãe, tomou um banho demorado, as lágrimas quentes se misturaram com a água que caía do chuveiro. Os vapores queimavam seus olhos e o grito permanecia em sua garganta, bem fundo. Ela queria que sua dor pudesse escorrer pelo ralo.
Depois de alguns minutos, pegou sua bolsa e saiu. Gabi viu quando ela passou pela porta, mas permaneceu em silêncio. Já havia visto o bastante para saber que aquele momento era apenas de Alice.
O tempo agora já estava nublado, o cinza do céu se mesclava com a escuridão de Alice, ela permanecia imóvel ao lado do túmulo de sua mãe. As lágrimas que havia derramado de manhã pareciam ter secado, mas a dor permanecia.
– Merda! – Xingou baixinho, odiando a si mesma por ser tão imbecil. Como era possível não conseguir chorar logo agora? Talvez estivesse muito concentrada em se culpar. Se ela tivesse chegado a tempo no hospital, teria conseguido falar com sua mãe uma última vez. Se não estivesse ocupada, chorando no banheiro da escola pelo bullying que sofria, estaria lá, quando Lucia entrou em estado crítico. Teria conseguido se despedir de sua mãe, antes que eu coma levasse todos os seus sentidos. Poderia ter dito o quanto a amava, o quanto sentia orgulho pela mulher guerreira que era.
Ela ainda ouve a voz da enfermeira lhe dizendo que sua mãe estava em coma. E, pior ainda, não se esquece, quando dois dias depois, os aparelhos dispararam e uma multidão de médicos e enfermeiros entrou correndo no quarto. Os olhares de piedade lhe atravessaram. Sua mãe havia partido.
Saiu correndo em desespero e dor. Ela queria correr o suficiente para mudar o espaço-tempo, foi quando de súbito, braços desconhecidos a envolveram. O mundo inteiro girou, e ali, nos braços de um desconhecido, ela chorou com suas feridas abertas, deixando todo o desespero aflorar. Segurando-se naqueles braços, ela soluçou até que dormiu e acordou em um leito do hospital, segurando apenas um lenço bordado com a letra S em duas pontas.
Agora anos depois, ouve o farfalhar de passos vindo em sua direção. Ela não precisa se virar para saber quem, mas empertiga-se.
– Você veio. – Disse, ainda sem se virar.
– Nunca te deixaria sozinha, Alice. – Desde aquele dia, você sabe.
– Achei que dessa vez você não viria. – Respondeu, virando-se para trás e fitando os olhos de Bruno.
– Posso até ser um crápula, mas cumpro com a minha palavra. – Ele deu um passo para frente, abaixando-se e depositando o ramalhete de flores brancas no tumulo de Lucia.
– Obrigada. – Ela respondeu com gratidão.
Um trovão rugiu no céu. O vento soprou gelado, fazendo os braços de Alice se arrepiar. Bruno retira o casaco e o coloca sobre os ombros dela.
Em silêncio, ele pega a mão dela e ambos fecham os olhos, em um ritual que apenas os dois conhecem. Uma oração silenciosa.
– Me desculpa mãe. – Ela sussurra. – Eu fui tão covarde. – Diz, sentindo a mão de Bruno apertar a sua.
– Não foi sua culpa, Alice. – Bruno a consola e ela abre os olhos.
– Foi minha culpa sim. – Ela se martiriza.
– Pelo amor de Deus, Alice. Não tinha como você impedir.
– Eu nem pude dizer adeus, Bruno. – Ela começa a gaguejar. – Eu só tinha que.., que... estar lá.
Ele a abraça forte, alisando o seu cabelo macio.
– Sua mãe sempre soube o quanto você a amava. É isso que importa.
O choro que estava preso dentro dela retorna e as lágrimas escorrem, molhando a camisa de Bruno.
– MÃE! – Ela grita e seu choro baixo se transforma em urros e soluços.
Bruno continua envolvendo-a com os seus braços. Ela soluça, dizendo palavras inteligíveis. Ele dá um passo para trás, na tentativa de se manter equilibrado, mas ela o puxa contra ela.
– Não me deixe. – Ela implora em meios aos soluços.
– Eu estou bem aqui. Não vou te deixar. – Responde, percebendo que ele também chora. Ele queria fazer o choro dela cessar e curar as suas feridas. Bruno afaga os cabelos dela, o único carinho que ele pode fazer na mulher que ele ama.
Mas, como em todo sonho bom, de manhã é necessário acordar. Alice o solta. Sua expressão é oposta daquela que tinha há alguns minutos atrás.
– Eu preciso ir embora. – Ela diz, enxugando as lágrimas com as pontas dos dedos.
– Você vai ficar bem? – Ele pergunta, preocupado por saber o quão frágil ela está.
– Não precisa se preocupar comigo. – Ela funga e retira o casaco dele.
– Pode ficar com o casaco. – Bruno diz, quando ela lhe entrega o casaco.
– Não, pode pegar. – Ela empurra o casaco contra o peito dele, notando as marcas que suas lágrimas deixaram na camisa dele.
– Você vai precisar de uma carona? Vai voltar a chover daqui a pouco. – Diz ele, nervoso.
– Obrigada, mas não preciso. Quero caminhar um pouco. – Ela se vira e caminha em direção à rua.
Bruno permanece parado por um instante, vê quando ela some pelo portão e respira fundo, sabendo que depois desse momento de aproximação, a vida dos dois logo volta ao que é de costume. Ambos em lados diferentes de uma briga que está bem perto de chegar ao fim. Pergunta-se o quanto ela vai odiá-lo, depois que descobrir o que está acontecendo.
– Eu ainda amo você, Alice. – Diz pra si mesmo, quando passa por ela na rua.
Bruno nota as gotículas de chuva que começam cair do céu, pensa em lhe oferecer carona novamente, mas sabe que é importante que ela tenha um momento de reflexão. Acelera o carro, deixando-a para trás.
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