Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

UM GUIA PARA PARIS, PAIXÕES & MARIA ANTONIETA


Maria Gabriela sempre quis experimentar um dos famosos macarons de Pierre Hermé.

Voltando das Galeries Lafayette e com algumas sacolas em mãos, Gabi — como preferia ser chamada — e Aline saboreavam a caixinha com macarons que haviam conseguido por 32€. Alguns eram de chocolate, outros de baunilha ou framboesa, mas para elas o de morango era sem dúvida o melhor.

Aline tirou de seu bolso um pequeno mapa de Paris que apontava os principais pontos turísticos e as melhores rotas para chegar até o destino. Com grande dificuldade ela tentava ler em inglês, enquanto comia seus doces e segurava uma sacola com roupinhas de uma loja de departamento que havia acabado de encontrar. Ela girou o mapa por várias vezes, tentando deixa-lo de pé, mas a brisa dificultava seu trabalho virando o papel constantemente e levando suas mechas de cabelo com californiana na frente de seus olhos.

— Agora nós vamos para onde? — Aline girou o mapa mais uma vez — Eu queria fazer o passeio no Sena hoje.

— Nós já vimos a Torre Eiffel hoje, Line. Vamos ao Sena no último dia. — Gabi tomou o mapa de sua mão e começou a analisar as rotas de Paris — A gente podia ir no Moulin Rouge agora.

— Não é muito longe?

— É verão. Escurece tarde. Ontem ficou escuro já era quase nove da noite, não se preocupe com isso.

Aline interrompeu seus passos, parando no meio da rua e quase sendo atropelada por alguns turistas chineses. Era extremamente fácil diferenciar turistas de parisienses natos. Os parisienses, principalmente as mulheres, tinham uma essência especial. Eram percebidos por causa de suas feições únicas, pelas roupas da moda e pelo olhar altivo. Enquanto isso os turistas estavam sempre cheios de bolsas, sacolas, com seus olhares curiosos e usando tênis esportivos.

O salto que Maria Gabriela havia comprado para usar em sua formatura do terceiro ano do Ensino Médio e durante todo seu tour pela Europa, mal foi usado na viagem. Ele estava intacto e os quase trezentos reais foram jogados no lixo. Ao invés disso ela usava um tênis que havia comprado há quase dois anos para fazer educação física no colégio. Ela nunca imaginaria que tênis e calça jeans skinny poderiam ser uma combinação tão boa. O seu visual só ficava mais clichê por causa de sua camiseta — uma t-shirt comprada em uma loja no Brasil que dizia J'aime Paris e tinha uma Torre Eiffel ao fundo.

— Poderíamos deixar o Moulin Rouge e toda essa área de Montparnasse para amanhã. Faríamos o Sena hoje e andaríamos um pouco no Marais. Restaurantes judeus, points gay...

— Montmartre. — Gabi corrigiu.

— Isso. Tanto faz. Vamos para lá amanhã. Agora vamos no Rio Sena mesmo.

— Amanhã nós vamos para Versalhes, Aline.

Aline pestanejou. Dobrou seu mapa em formato de folheto e guardou no bolso de trás de seu jeans. Aline não usava a calça com um tênis esportivo seguindo à moda de Gabi, mas sim uma sapatilha sem salto, que parecia grudar no chão a cada passo. Reflexos de uma promoção de fim de ano que dizia ''leve dois e pague um''. Ela comprou quatro.

— ''Isso não estava no nosso roteiro!'' — Aline disse retomando a caminhada e fazendo aspas com os dedos — Nós deveríamos seguir o plano inicial, não foi isso que você disse esses dias atrás, Maria Gabriela?

— Você está falando de roteiro agora? Sério? Pensei que tínhamos desistido de tentar planejar qualquer coisa quando você arranjou aquele namorado italiano em Roma... — Gabi retrucou. Continuou falando, só que um tom de voz mais baixo e muito provocativo: — O que nunca mais ligou para você, sabe...

O namorado em questão era um rapaz que trabalhava na portaria do hostel em que elas ficaram hospedadas em Roma. Ele ofereceu-se para ajudar a carregar as malas, mas não foi o suficiente para Aline. Os dias que ficaram em Roma foram mais do que suficientes para que ela ficasse completamente apaixonada por ele. Quando ela partiu para Veneza — para cair em um dos canais e deitar-se nas gôndolas como uma cortesã — ele prometeu que ligaria para ela logo em seguida.

A ligação nunca veio, como Gabi havia imaginado desde o inicio. Ele era apenas mais um italiano com pinta de cafajeste que só queria a diversão de uma brasileira jovem e bonita por alguns dias. A garota pelo contrário, havia considerado a opção de ter encontrado um namorado através do Atlântico.

— Ele vai ligar. Só faz uma semana e meia. — Disse — E... E isso não importa! Nós fizemos essa viagem para aproveitar, não para arrumar um namorado. Eu não ligo, ok?

Gabi por fim concordou. Ela não queria brigar com a amiga ou deixa-la mais irritada do que já estava com aquela situação. Elas haviam guardado todas as economias por três longos anos, arranjado empregos temporários e depositando tudo o que ganhavam dos pais para fazer uma viagem inesquecível depois de terminar o colégio, não para se aborrecerem. Durante os últimos anos o principal assunto e objetivo das melhores amigas era fazer um mochilão pela Europa e desbravar o mundo, completamente sozinhas e sem destino, abrindo espaço apenas para novas — e felizes — emoções.

O mochilão não aconteceu.

Gabi não teve coragem e seus pais não deixaram. Invés disso elas conseguiram fazer um tour extremamente econômico pelo continente Europeu, ficando em hostels, albergues, comprando tickets com grande antecedência e andando a pé ou de metrô. Dessa forma elas conheceram Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra e por último — e nem de longe menos importante — a França. O Grand Finale.

— Amanhã em Versalhes não vai acontecer aquele baile que a gente viu no Facebook? Vai tá cheio de gente, Deus me livre. Não quero. — Aline voltou a reclamar, insistindo na ideia de ir para Montmartre no dia seguinte e fazer o passeio de barco no Sena ainda no mesmo dia.

— Mas é amanhã ou nunca. Não temos todo o tempo do mundo, Aline.

— Nunca então.

Gabriela bufou. Colocou uma mecha de seus cabelos castanhos em long bob para trás da orelha e fez biquinho.

— O baile que eu queria tanto ir. Sei.

— Não foi porque não quis, hein Gabi. Quando nós mudamos a data da viagem você poderia ter visto se iriamos estar aqui ou não.

— Humpf! Se for assim então nós podemos ir ao baile de Versalhes, Line! Vamos? Você sabe que é meu sonho! Nós alugamos um vestido, eu mesma faço os penteados, a gente pega um trem e...

— E um dia antes você me diz isso, Gabriela? Não é você a Maria Roteiro? Maria Planejamento? — Aline comeu o último macaron da caixinha. Ela abriu uma garrafa de água com gás, espirrando um pouco no rosto da amiga. — Devíamos ter planejado isso dias antes da viagem, não umas horas antes.

— Eu não sabia que ia cair bem no dia certinho, você lembra da confusão com as passagens! Vamos lá, nosso saldo ainda não está negativo e vai ser algo inesquecível. — Insistiu, agarrando em seu braço e novamente estacando-as no meio da calçada. Outros turistas desviaram, reclamando em alemão. — Nós não queríamos viver uma aventura louca? Viver á flor da pele? O que é mais perfeito do que uma decisão assim em cima da hora? Vamos, vamos, vamos, vamos!

— Quem imaginaria que você faria um escândalo no meio de Paris? É o auge de nossas vidas. — Revirou os olhos.

— Isso é um sim?! — Gabi saltitou.

— Não, Gabriela, isso não é um sim. Isso é um: "Faça o que quiser, desde que eu não tenha que correr atrás de nada e ainda sobre dinheiro para eu comprar uma camisa para minha mãe que diga "Estive em Paris e lembrei de você" em alguma loja de 5€".

Gabriela estampou um largo sorriso em seu rosto. Pulou em cima da amiga, quase a fazendo engasgar-se com o último pedaço do macaron. As sacolas cheias de roupas de lojas da Galeries Lafayette por pouco não foram para o chão e mostraram para todas as madames que caminhavam elegantemente pelas ruas as lingeries rendadas, que custaram 15€ e que elas haviam impulsivamente comprado por estarem supostamente na promoção.

— Ótimo, Gabi. Agora me solta antes que eu morra de vergonha.

— Desculpe. Foi a animação do momento. — Ela respirou fundo, tentando recompor-se — Ok. Beleza. Hum, vamos comer um pouco agora?

— Eba. Alta culinária francesa! — Aline ajeitou a gola de sua blusa, voltando ao normal.

— Sim, sim! — Gabi estava quase dando pulinhos de alegria. — Bem, se você considerar nossos sanduíches algo da alta culinária francesa...

🗼🗼🗼

Aline fez uma careta.

— Meus peitos estão saltando para fora! Isso é tão injusto. O seu vestido é mais bonito do que o meu.

Gabi deu ombros e prendeu no topo de sua cabeça uma flor artificial. Ela usava uma peruca que não pôde alugar e então teve que comprar. Era um cabelo sintético e branco com 50cm de altura. Ela nem ao menos tinha ideia de como a colocaria na mala para levar de volta até o Brasil. Talvez devesse usa-la no avião, pois seria definitivamente um look único e que chamaria atenção suficiente para que a trocassem de assento — com sorte, para a primeira classe.

Ela pairou a frente do espelho e admirou sua imagem refletida. Usava um vestido rococó em um tom de rosa pastel. Ele tinha um generoso decote que foi preenchido com alguns colares vintage que ela havia encontrado em uma lojinha por pouco dinheiro. As mangas eram longas e abaixo do cotovelo abriam-se, revelando três camadas de um babado branco. A saia também se dividia, revelando o mesmo babado em seu meio e deixando as laterais do vestido com o tecido cor-de-rosa e alguns detalhes em prata. A armação que ela usava era tão grande que chegava a desequilibra-la em seus passos, ainda mais com a alta peruca no topo de sua cabeça.

A maquiagem era surpreendentemente fiel ao período histórico escolhido. Muito pó branco, lábios levemente rosados e bochechas com um circulo cheio de rouge bem marcado. Maria Gabriela havia deixado de ser uma brasileira do interior do Paraná para se transformar em uma duquesa do século XVIII. Infelizmente parte de sua maquiagem foi tampada pelas mascaras que elas usariam, pois era parte obrigatória do traje, usar máscaras. Óbvio. Era um baile de máscaras.

Aline tentou tirar um pouco da maquiagem dela mesma. Estava se achando ridícula com todo aquele pó branco.

— Não acredito que vamos de RER*. Jesus, vamos ser atrações principais! — Line resmungou, passando papel toalha no rosto.

— Falando assim parece que estamos em um circo. — Gabi girou com seu vestido — O que acha? Estou parecendo Maria Antonieta ou a Duquesa de Devonshire?

— Uma meretriz de um bordel vale?

Shiu.

Gabi terminou de empoar seu cabelo. Pegou sua bolsinha que carregava o celular, um carregador portátil, balas de menta, batom, cartão de crédito e 120€ em dinheiro. Levou-a em suas mãos, enquanto Aline terminava de dar os últimos toques em seu visual, passando um batom roxo um tanto anacrônico nos lábios. Claro, não seria Aline Sampaio se ela não acabasse com toda a graça de se vestir como em uma corte da Idade Moderna.

— Nem o Conde Fersen resistiria a mim, estou dizendo. — Gabriela girou a maçaneta e encaixou a chave, ameaçando gira-la. — Fecho a porta em cinco segundos. Cinco, quatre, trois, deux...

Aline saiu.

— Seu francês é horrível.

— Você também é, madame Aline. Nem por isso eu saio espalhando por aí.

Aline deu ombros, caminhando na frente. Olhou para trás, quase bagunçando seu penteado antes mesmo de saírem do hostel. O cabelo dela, diferente da amiga, era longo o suficiente para fazer um penteado. Por sorte ela havia economizado espaço na mala, deixando de levar uma peruca desnecessária, pesada e branca para casa. Ah, tudo bem. Gabi venderia no bazar da cidade vizinha depois.

Mademoiselle Aline. — Ela corrigiu — Tenha mais respeito com quem ainda não é casada.

— Mademoiselle. — Gabi repetiu, treinando a pronuncia da palavra — Monsieur. Monsieur.

— Ótima! — Aline agarrou seus braços — Já pode conquistar um conde e conseguir um champagne grátis pra gente. Tô quebradérrima!

Dois rapazes passaram perto delas falando... Espanhol? Provavelmente. Um deles usava uma camisa da seleção de futebol argentina, o que fez com que Gabi ficasse tentada a falar com eles. Era tão legal encontrar pessoas que moram consideravelmente perto de você em outro país, pois mostra como o mundo pode ser gigantesco e ao mesmo tempo pequeno. Gabi acreditava fielmente no destino, e achava que se uma pessoa estava em determinado lugar em determinado momento, é porque deveria.

Foi com esse pensamento que elas conheceram um casal de brasileiros no trem a caminho de Versalhes. Getúlio e Cristina Franchini estavam sentados em um dos assentos, saboreando alguns cookies que haviam comprado na estação, quando viram duas mulheres com vestidos enormes entrando no trem.

— Olha que lindo, amor! — a mulher falou — Tira uma foto delas. Deve ser aquelas gravações de filme.

— Não é filme não, senhora — Gabi disse, tentando se sentar nos bancos ao lado — É fantasia pra ir á Versailles.

O homem já tinha até tirado a máquina de sua bolsinha. A senhora pareceu decepcionada, mas seu alento final é que haviam encontrado outras pessoas que falavam o mesmo idioma naquele mar de francês, inglês e mandarim.

— Olha que legal! Vocês são do Brasil também? — Aline sorriu — De onde?

— Floripa e vocês?

— Vish, Cascavel lá no fundo do Paraná. Estamos fazendo uma viagem depois de terminar a escola.

— Ah, que fofinhas. Nós estamos passando nosso aniversário de 30 anos de casamento aqui. — Cristina sorriu para o marido.

— Nossa, é muito tempo! Mais do que minha idade e da Gabi junto!

Gabriela estreitou os olhos.

— Não, Line. Nossa idade junto dá... — ela pensou por uns bons segundos ­— Trinta e seis, eu acho. Oito com mais oito dezesseis, fica o dezesseis, coloca mais vinte... É. Trinta e seis.

A mulher forçou um sorriso. Gabriela retribuiu, tentando mascarar o desconforto de estar naquele assento duro da locomotiva. Aline por outro lado estava extremamente animada com a perspectiva de fazer novos amigos conterrâneos. Ela sempre foi mais afobada, mais animada, mais comunicativa. Não se importava de conhecer novas pessoas, mesmo que só fosse vê-las uma vez na vida, enquanto Gabi preferia concentra-se em si mesma.

Ela encolheu os braços ao redor do corpo enquanto a amiga tagarelava sem parar. Encarou o assento vazio em sua frente apenas para ter algum pano de fundo para seus pensamentos. Restava um pouco mais de um dia de viagem para elas e em breve voltariam para as pacatas vidas no interior do Brasil. Sem luxo, sem Louis Vuitton ou Chanel nas ruas, sem o francês ecoando em seus ouvidos e principalmente sem a breve sensação de liberdade.

Gabi passou a vida inteira em sua cidade natal. Às vezes ia durante as férias para a praia ou para a casa de algum familiar em outro estado, mas durante a maior parte do tempo ela estava em sua cidade com seus pais, avós, amigos ou na escola. Agora quando voltasse teria apenas mais alguns meses de descanso e iniciaria a faculdade... Ela nem ao menos havia escolhido o curso. Pelo menos em Paris, Roma, Londres ou qualquer outra cidade, essas preocupações não existiam. Sua única preocupação era se tinha o ticket para o metrô ou qual seria o próximo destino que ela iria seguir. Sem faculdade, sem pressão, sem o peso de uma escolha gigantesca nas costas.

Gabriela desejava do fundo de seu coração poder desbravar a Europa para sempre. Perder-se naquelas ruelas medievais, entregar alguns trocados para os músicos de rua ou flertar com os moradores locais. Ela gostava de estar sozinha, quase autônoma, vagando pelas ruas decidindo por si seu destino sem pressão alguma.

—... E então nós pensamos... — Aline contava para o casal — Por que não viajar nesse um ano? Sabe, a gente não quis terminar a escola e ir direto pra facul. O mais importante era descansar, ter um ''ano sabático''. Eu recomendo muito, sério, é maravilhoso. Parece que revigora nossa alma!

Ela foi interrompida pelo comunicado de que haviam chegado ao destino. Gabi ficou distraída por tantos minutos que nem percebeu que havia perdido praticamente todo o percurso. Gabi saltou do assento, preocupada em não perder tempo algum. Aline demorou um pouco mais, despediu-se com beijinhos do casal e disse que procuraria eles no facebook mais tarde para pedir amizade. Gabi esperava que Aline cumprisse com a palavra melhor do que o namorado italiano dela, mas guardou o pensamento para si.

— Eles são gente fina.

— E minha bolsa? — Gabi pediu, já caminhando em direção ao Palácio de Versalhes, seguindo as instruções do celular — Meu Deus, eu não tinha pensado nisso, Line. Não quero segurar isso não. — Ela atacou a bolsa para a amiga.

— Eu também não, ela é sua! — atacou de volta.

— Seu celular está aqui dentro também. A guarda deve ser compartilhada.

— Então dá o meu celular e coloca sua bolsa no corpete. — Aline disse por fim — É sério. Coloca dentro do corpete que é bem mais seguro e não vai atrapalhar em nada.

— Hum... Tem alguém olhando?

— Ninguém liga pra nós. Vai logo!

Maria Gabriela respirou fundo e colocou a pequena bolsinha dentro do corpete. Ele alargou-se um pouco e seus dotes quase pularam para fora do vestido, mas a amiga foi rápida e apertou-o um pouco mais atrás. Aline fez o mesmo com o seu celular. Agora elas haviam dado um jeito na bolsa e estavam livres para seguir o caminho em direção ao palácio.

No caminho elas encontraram outras pessoas que iriam participar da festa. Eram facilmente reconhecidos de longe. As roupas eram sempre muito extravagantes e muitas vezes tinham detalhes com cores chamativas como branco, dourado, vermelho e prateado. Em uma visão ampla, pareciam vários peões infantis coloridos, caminhando em um único sentido e girando pelas ruas.

O sangue das garotas estava fervendo. O palácio foi avistado e a vontade maior, que era de gritar, prevaleceu. Gabi agarrou no pulso de Aline e correu, arrastando-a pela florida avenida que acabava nos portões de Versalhes. A leve brisa de verão soprava as mechas soltas de seus cabelos e balançava os vestidos de festa. Elas tropeçavam, quase caíam, mas por fim riam, deliciando-se com a experiência.

Gabriela sentia-se como Jack no Titanic. Ela olhou para trás, onde Aline ainda sendo arrastada tentava acompanhar os passos da amiga e sorriu.

JE SUIS LA REINE DU MONDE! — gritou.

Aline riu. Tropeçou na barra de seu vestido e por pouco não se chocou contra o concreto.

Gabi riu mais ainda.

Ops.

— Como você corre tanto? — Line suspirou — Esses saltos estão me matando e você... Uau.

Maria Gabriela sorriu. Mordeu os lábios e como se fosse uma criminosa confessando seu segredo mais profundo, ergueu um pouco a barra do vestido e mostrou que na verdade usava os mesmos tênis esportivos do dia anterior. Eles estavam bem escondidos, embaixo do vestido, ninguém os veria e ela poderia aproveitar da melhor forma.

— Vou aderir da próxima vez — Aline se recompôs — Agora vamos Maria Antonieta de tênis. Estamos aqui para revolucionar a França do século XVIII.

— Mais do que Robespierre, Danton ou Jean Marat juntos — Gabi completou.

Aline sorriu.

— Não tenho a mínima ideia de quem são.

— Tudo bem, eu imaginei.

— Pronta para festejar então?

— Mais do nunca. Tickets em mãos? Esse momento é nosso!

🗼🗼🗼

Quando elas conseguiram por fim entrar no Palácio com os tickets, tudo virou uma confusão. O idioma predominante ali era o francês, e apesar de Gabi dominar bem a língua, ela ainda não era completamente fluente, principalmente quando as palavras eram pronunciadas com tanta rapidez e euforia. Aline por outro lado não entendia nada. Mal falava português, imagine tentar dizer qualquer coisa além de bonjour e s'il vous plait no outro idioma.

Estava uma loucura. A maior parte das pessoas ali eram jovens. Todos com vestidos barrocos, celebrando a imagem de Luís XIV ou de Maria Antonieta, usando máscaras extravagantes. Algumas pessoas haviam tirado a máscara do rosto e segurado em suas mãos ou no topo da cabeça. Aline não aguentou muito tempo, ainda enquanto andavam pelos jardins com seus celulares tirando fotos, ela livrou-se da máscara, colocando-a um pouco acima de sua testa e deixando os olhos livres.

Gabi permaneceu mascarada. Como uma dama da noite, indecifrável e irreconhecível. Não que alguém em Versalhes a conhecesse, mas mesmo assim ela não gostaria de ser reconhecida como Maria Gabriela. Ela não queria ser olhada como uma garota fantasiada aproveitando os últimos dias de sua viagem. Queria sentir-se ali. Viva. Uma duquesa. Um personagem.

— Vai ficar com isso na cara? Eu quero tirar uma selfie de nós duas, mas tem que aparecer o jardim e o seu rosto, miga.

Gabi negou com a cabeça.

— Vou ficar de máscara. Dá para tirar a foto mesmo assim, não vai atrapalhar em nada e as pessoas ainda vão saber que sou eu — disse — Principalmente se você me marcar no facebook.

— Tudo bem, quem vai sair feia e com uma bandeira LGBT de 1700 no rosto não sou eu — Aline disse entre um sorriso e um flash. — O que acha de conhecer os jardins e entrar para o salão mais tarde? Quando percebermos que está tocando música de qualidade e vale a pena dançar um pouquinho nós entramos. Lembrando que não podemos ir embora muito tarde.

— Claro. Vamos flertar com um francês. — Gabi completou — Esquecer um italiano.

— Italiano? — Line fez-se de desentendida — Nunca conheci nenhum italiano, duquesa Gabi. Passei minha vida inteira presa nesse palácio, nem ao menos sai da França. Meus dias eram sempre entediantes, comprando roupas, experimentando joias, jogando xadrez com Napoleão Bonaparte e Luís XIV... — ela dramatizou.

— Eu tenho certeza que entre eles há ao menos uns cem anos.

— Tanto faz. Estamos aqui, quem liga para história?

Gabi riu iniciando uma caminhada. Elas entraram em outra parte dos jardins — que mais pareciam labirintos. Era magnífico, sem dúvida uma das paisagens mais bonitas que ela já havia visto mesmo sob a luz o luar, porém fácil de perder-se. Os Jardins de Luxemburgo em Paris também eram lindos, mas isso era a um nível superior. Elas haviam tirado tantas fotos que a memória do celular estava prestes a se esgotar.

Encontraram um lugar confortável, tiraram mais algumas fotos, gravaram vídeos para os amigos e fizeram check-in nas redes sociais. Aline reclamou que estava com fome também. Os minutos seguintes foram passados com conversa sendo jogada fora, apenas para passar o tempo antes do primeiro espetáculo: queima de fogos.

Gabi não precisava dizer que estava sem palavras, pois a amiga sabia. Quando tinham dezesseis anos a família de Aline foi para o Rio de Janeiro nas férias e levaram Gabi. Elas viram a queima de fogos do réveillon na praia e foi algo inesquecível. A maneira como os olhos de Gabriela brilharam, seu coração acelerou, e ela se sentiu foi inexplicável. Eram muitas luzes brilhando em conjunto no céu, grandiosas, formosas e suficientes para arrancar lágrimas dos olhos da garota.

Agora não era réveillon, na verdade estavam no meio do ano sabático delas, mas mesmo assim foi especial. Lágrimas escorreram por baixo da mascara perolada de Gabi, levando consigo um pouco de seu pó facial. Ela conseguiu se recompor, posou para algumas fotos, riu e abraçou a amiga, mas aquelas luzes na noite lembravam-na de onde estava e como havia chegado ali depois de sonhar por anos.

Elas passaram um bom tempo do lado de fora. Quando a noite tardou ao ponto de Gabi preocupar-se com um possível resfriado por uma leve garoa, elas decidiram entrar. Foi rápido e a fila estava controlada. Antes de chegarem ao centro da festa já conseguiam ouvir a música alta como no Brasil, pronta para estourar os tímpanos. Sim, na altura perfeita.

Tocava música eletrônica. Ali se criava instantaneamente um contrate interessante para as várias perucas, mascaras e vestidos antigos com uma música animada, atual e com algumas palavras obscenas em inglês. Era um universo alternativo, uma viagem no tempo, ou uma pequena demonstração do que aconteceria se essas tecnologias tivessem sido criadas pelo menos trezentos anos antes. A corte deliciava-se com o pop estadunidense, movia os quadris, comprava algumas bebidas e conversava em alguns pequenos grupinhos espalhados pelo grande salão.

Havia um palco no meio onde em breve ocorreriam algumas apresentações. Por enquanto ele estava quase vazio, apenas um funcionário realizava os últimos ajustes. A luz ambiente era roxa, às vezes vermelha, e mais raramente azul. Eventualmente alguns flashs brancos desnorteavam as garotas, mas elas conseguiram chegar até um balcão em segurança.

Pediram uma taça de champagne que foi apreciada com bastante paciência e cuidado. Fizeram de tudo para não derrubar o liquido — e ter um grande prejuízo — sempre que um mascarado sem noção de dança esbarrava elas e murmurava um simples pardon.

— Não acredito que ele esbarrou em mim duas vezes! — Aline reclamou.

Gabi estava distraída. Estreitou os olhos, procurando o individuo.

— Quem?

— Aquele ali com chapéu dourado... Ali! O cabelo branco e com uma barba pequena — ela apontou sem discrição alguma. Gabi fez uma careta.

— Ah, sim. Hum, ele está olhando. Line, eu acho que ele está interessado em você. Parabéns!

Aline pareceu enojada e colocou novamente a máscara sobre os olhos. Ótima tática para se esconder.

— Não está não.

— Está sim. E acho que ele está vindo... — Ela sorriu — Boa sorte amiga. É uma boa para esquecer você-sabe-quem.

Aline não pestanejou. Cruzou os braços, ainda com a taça — já vazia — em mãos e não disse mais nada. Ela estava dando carta branca para Gabriela. Claro, isso já havia acontecido outras vezes. Um pouco desanimada, mas ainda sorrindo em incentivo, Gabi afastou-se lentamente, deixando que Aline flertasse sozinha com o rapaz francês de chapéu dourado. Pelo menos assim ela não ficaria mais tristes por um rapaz que nem ao menos se importava com ela.

Tudo bem. Gabi estava sozinha. Ela apoiou-se em um palanque, perto do palco onde conseguia ter uma boa visão da apresentação de dança que estava iniciando-se. Conseguiu descansar um pouco, permanecendo parada em um lugar e com as costas relaxas, sem preocupação com a postura. Os tênis macios amorteciam seus passos, mas mesmo assim suas pernas doíam e a noite mal havia começado. Elas estavam por dias andando em um ritmo frenético e alimentando-se com fast-food e de vez em quando um jantar, o resultado de todo esse esforço físico e má alimentação não podia ser nada bom.

Ela deixou sua cabeça pender-se para trás. Sua peruca amortecia o concreto atrás dela. Gabi suspirou, relaxando ao som de Katy Perry em um distrito de Paris.

Bonsoir, chérie. — Uma voz soou.

Imediatamente ela acertou sua postura e deparou-se com um homem á sua frente. Ele usava máscara, assim como ela. Seu cabelo foi colorido com tinta branca e sua roupa era em um tom de azul com detalhes em branco e dourado. Era alto, com um corpo quase atlético e porte galante. Ela não tinha ideia de quem se tratava.

Gabriela sentiu-se em um de seus livros. A dama perdida em um baile quando encontra seu príncipe encantado que beija sua mão e lhe pede uma valsa. A diferença era que a valsa deles era um remix de Dark Horse e ele havia apoiado um braço no palanque, quase a prensando entre ele e a parede.

Bonsoir. — ela respondeu um pouco receosa, mas ainda simpática.

Comment allez-vous, madame? — ele pediu e ela conseguiu sentir seu hálito de uma mistura de álcool e menta.

Bien et vous? — respondeu. — Et... Je suis une Mademoiselle. — corrigiu.

Ele sorriu.

Bien aussi. Comment vous appelez-vous? — ele sussurrou próximo ao seu ouvido. O tom de voz era baixo, mas mesmo com francês imperfeito e a música ambiente alta, Gabriela entendeu perfeitamente o que ele disse.

Ela abriu a boca. Estava prestes a responder sua pergunta e dizer que se chamava Gabi, mas deteve-se logo em seguida. Engoliu seco e fitou o rapaz de olhos azuis, parado sedutoramente a sua frente, por alguns segundos.

Durante aquela noite era não mais Maria Gabriela Tolentino. Era uma duquesa, uma marquesa, uma condessa ou qualquer coisa. Aquela noite ela seria qualquer uma que desejasse ser, mas não ela. Não a sem graça Maria Gabriela. Uma vez na vida viveria a noite da sua forma.

Ela aproximou-se ainda mais do rapaz, pousou uma das mãos sobre seu ombro e levou a boca perigosamente perto de seu rosto. Com uma voz sexy, suave e incrivelmente confiante, ela sussurrou:

Je m'appelle Josephine et vous?

Enchanté, Josephine. Je suis Phillipe.

Ela sorriu. Não importava quem foi no dia anterior ou quem seria no dia seguinte. Durante essa noite Gabriela seria apenas Josephine. Era um conto atualizado da Cinderela, onde ela ao invés de perder um sapatinho de cristal, perdia uma amiga pelo salão de baile enquanto flertava com um estrangeiro chamado Phillipe. Não, ops, ela era a estrangeira.

Phillipe estendeu-lhe a mão enquanto recuava um passo, mantendo uma distância respeitável entre ele e ela. Como um verdadeiro cavalheiro, tirou o chapéu em uma reverência por alguns segundos, colocou-o novamente e ainda curvado olhou para ela, ergueu o olhar olhando fixamente para seus olhos.

Maldita fama que os franceses tinham de serem sedutores. Olhando assim o italiano de Aline nem parecia tão cafajeste. Havia algo nele...

— Me concederia uma dança? — ele indagou em francês — Realizaria meu maior desejo.

— Claro. — Ela estendeu a mão até a dele, deixando-o guia-la até o meio do salão lotado.

Aquele não era exatamente o que Gabi havia sonhado na sua infância para um baile de princesas. Não tocava valsa, apenas uma música eletrônica que fazia com que os convidados ficassem pulando ou inventando novos passos de dança, mas ainda assim cumpria com sua proposta inicial. Agora, muitos anos depois, ela percebia que seu sonho não era encontrar um baile igual da Cinderela e achar seu príncipe encantado. Ela queria sair de casa, conhecer pessoas novas e dançar um pouco. Gabi e Cinderela tinham um forte ponto em comum: as duas só queriam uma noitada.

O que viesse além disso era lucro.

O príncipe de Gabi também não era como o de conto de fadas. Ele não era delicado, nem um bom condutor. Seus passos eram desajeitados, fora de ritmo, e ele se aproximava demais dela. A sorte de Gabi era que sua armação também servia como um bom regulador de espaço pessoal, impedindo que qualquer homem ultrapasse os limites com ela, sem a devida permissão.

Ela movia-se com leveza. Balançava os ombros no ritmo da música e com um sorriso assistia ele dançar. Phillipe aproximou-se novamente de seu ouvido, para dizer algo:

— Josephine... Como a esposa de Napoleão? É um nome muito bonito. — Ele sorriu.

— Sim! — Gabi concordou quase gritando — Eu também acho um nome muito bonito.

— É o seu nome verdadeiro ou a dama mascarada não quer ser identificada? — ele perguntou.

Droga. Ele sabia que não era o nome de Gabriela, porém não parecia se importar nenhum pouco. Ele continuou dançando perigosamente perto dela enquanto esperava a garota formular uma boa frase — e de preferencia com um francês correto.

— Essa é a graça de um baile de máscaras. Justamente não saber quem é que está por trás da dita máscara.

— Você não é francesa, é? — ele perguntou.

Josephine suspirou. Será que seu francês era tão ruim assim? Ela parou de dançar e apenas o fitou, pensando o quanto estúpida ela poderia estar parecendo para ele com um francês enrolado.

— É que você tem algo especial. Diferente. — Ele cochichou a seus ouvidos novamente — Algo que eu nunca vi por aqui.

Gabriela riu. Agarrou seus dois ombros, e puxou-o para mais perto de si, facilitando a comunicação.

— Não sou. Sou de um lugar distante. Diferente daqui também.

— Eu adoraria conhecer esse lugar.

Ela riu mais ainda. Aquilo era patético, engraçado, mas incrivelmente extasiante.

— Vamos para os jardins? — ele perguntou — Aqui está muito...

— Tumultuado? Eu concordo. Preciso de um pouco de ar fresco.

Phillipe assentiu. Pegou em suas mãos de maneira que a fez surpreender-se. Ele foi até mais rápido do que o recepcionista do hostel foi com Aline. Eles passaram por muitos grupos, pelas laterais do palco e perto do balcão onde ela estava anteriormente com a amiga, que parecia definitivamente ter desaparecido. Se ela bem conhecia Aline neste exato momento ela estava em cima de alguma elevação, dançando e brindando sua nova taça de champagne com um grupo de pessoas que havia acabado de conhecer.

Nada que nunca houvesse acontecido.

Os jardins também estavam lotados. O espaço era maior, então o tumulto não existia, mas mesmo assim havia pessoas por todos os cantos. Alguns já caíam de tanto beber, outros ainda estavam completamente sóbrios, dançando, conversando ou tirando fotos.

— O que a trouxe até aqui? O que a trouxe à Paris?

— Paris. — Ela respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Ele estreitou os olhos curioso. Ela presseguiu:

— Essa cidade é... Maravilhosa. Mágica. Há algo em Paris que me trouxe para cá, algo superior a tudo. Eu não sei explicar. Gosto de acreditar que estou aqui porque minha alma estava escura, e nada melhor para ilumina-la do que uma visita à cidade luz. — respondeu — Às vezes minhas palavras soam confusas, mas você me entendeu?

Ele sorriu largamente.

— Sim. Você é tão fascinante.

Gabi sorriu. Nunca alguém disse isso para ela.

Merci. — Agradeceu — E você? O que o trouxe até Versalhes?

— Meu coração. Ele disse que eu deveria estar aqui e aqui eu estou.

Ela riu.

— Pensei que tivesse vindo com seus amigos.

— Também, mas só porque precisava de companhia. Eu não iria ficar sozinho aqui, ficaria? Imagine se uma mademoiselle mascarada roubasse meu coração em uma noite. O que seria de mim? — ele arqueou uma sobrancelha, espiando-a.

— Seria uma tragédia. — Ela sorriu.

Ele sorriu. Não tirava os olhos dela por um único instante. Estava vidrado. Encantado.

— De onde você é, Josephine? — Phillipe perguntou novamente, insistindo na pergunta.

— Descubra.

Ele suspirou. Olhou para ela como se analisasse sua aparência, mesmo que Gabriela não tivesse muitos pontos específicos. Ela tinha estatura média, pele branca — agora um pouco bronzeada pelo verão do Brasil — e cabelos castanhos escuros, que estavam escondidos dentro da peruca branca. Era difícil determinar com clareza qual era a origem dela.

— Italiana.

— Acertou! — ela riu.

O rapaz estava sério.

— Acertei?

— Hum, não.

Ele suspirou.

— Então de onde, Josephine?

— Versalhes. — Respondeu — Sou uma duquesa.

— Eu sou um duque. É um bom par, não?

Ela riu revirando os olhos. Se ela tivesse conhecido um rapaz em alguma festa no Brasil ele nem faria questão de saber seu nome. A primeira frase que ele diria seria algo como, ''vamo fecha?'' e não se importaria com mais nada além dos beijos que daria em Gabriela. Phillipe por outro lado, parecia ter o mesmo objetivo do que o brasileiro, mas dedicava-se uma maneira interessante para chegar até seu objetivo. Antes de tudo ele iria conquista-la. Ela teria que desejar tê-lo, tanto quanto ele a desejava. Deveria ser um jogo justo. Igual para ambos.

Infelizmente como Cinderela, Gabi não tinha a noite inteira. Na verdade tinha, mas não pretendia gastá-la apenas com seus mistérios, precisava voltar ao tocar dos sinos — alarme do celular. A garota precisava fazer logo aquilo, já que nunca mais veria o rapaz. Ela levou as mãos até o rosto dele, prendendo-o no lugar, e levou seus lábios até os seus. A armação de seu vestido empurrou-o para mais perto de umas paredes da construção. Ele estava ali, prensado, enquanto a duquesa tomava controle de todas as ações.

Ela colocaria em sua lista de viagem que acabou com o patriarcado do século XVIII deixando um duque sem reação, tomando controle de tudo.

Claro, a não reação dele foi apenas momentânea. Ninguém ali resistiria a Maria Gabriela. Talvez sim a Maria Gabriela de all star surrado, calça legging preta, camiseta larga e um casaco amarrado na cintura, com uma mochila nas costas pegando ônibus ao meio-dia para ir à escola. Porém resistir a Maria Gabriela de máscara, com um traje de época e com uma confiança invejável, era quase impossível. Não era segredo nenhum que os homens só conseguem ter duas reações ao se depararem com uma mulher poderosa: sentir medo ou atração.

O beijo de Phillipe era gentil, mas ao mesmo tempo voraz. Exatamente o que faz uma mulher se apaixonar por unir carinho com sacanagem. Era bem francês, até. Técnico, com os movimentos quase ensaiados. Ele precisou de uma ajudinha latina para que conseguisse agir mais com paixão do que com técnica. Pouco importava se ele errasse alguma coisa, não existiria um beijo ruim se eles seguissem o mesmo ritmo e tivessem a mesma paixão. Quando ambos perceberam que sim, a paixão era a mesma, tudo deu certo.

No caso a paixão era um ao outro.

Ele parou o beijo, mas não deixou que Gabi se afastasse. Levou as mãos até sua nuca e acariciou os fios de cabelo que escapavam da peruca. Ele sorria. Sorria como se tivesse sido seu primeiro beijo.

— O melhor beijo que já tive em toda minha vida, Josephine.

— Agradeço.

— Por favor, no final dessa noite me leve com você para o seu lugar distante.

— Quer que o sequestre?

— Imploro.

— Sendo assim — ela sorriu.

Phillipe não disse nada. Umedeceu os lábios sem tirar os olhos dela. Nunca homem algum havia olhado assim para ela. Com tanta curiosidade, com tanto interesse, com tanto fascínio. Por mais que Gabi acreditasse que ele havia sido enfeitiçado pelo poder latino, era mais do que isso, a bruxa em questão era Maria Gabriela, a duquesa Josephine, que tinha poderes espetaculares que nem ela mesma conhecia. O mérito era dela, apenas dela. Havia conquistado um homem em um estalar de dedos.

Ela passava despercebida com seu cabelo eventualmente colorido e com cortes inconstantes. Sempre com fones de ouvido e um livro em mãos, poderia ser qualquer uma entre mil. Com seus sonhos, indecisão e superstições que a fizeram dedicar um ano inteiro de sua vida apenas para si mesma, para conhecer-se melhor, descansar, se divertir, sonhar e viajar. Um ano para saber o que é viver e o que queria de sua vida depois do Ensino Médio.

Funcionou, mesmo que ela tivesse tido que atravessar o atlântico para descobrir o que queria.

— Gabi, Gabi! — Aline apareceu gritando há alguns metros. Rapidamente ela se aproximou — Onde você estava? Parece criança que sai por dois segundos e vai embora, credo.

E vai embora — Phillipe tentou repetir as palavras lusitanas de Aline — Español?

A garota fez uma careta. Agarrou os pulsos de Gabi, tirando-a de perto do francês.

— Eu desapareci? Eu te deixei por dois minutos com um cara e você sumiu! — Gabi defendeu-se.

— Eu... Eu fui... Atender um telefonema, ok?

— Ata. — Gabriela revirou os olhos.

Line bufou e bateu os pés no chão. Phillipe apoiou-se na parede, observando a cena sem dizer uma única palavra.

— É sério.

— Ata. — Gabi fingiu.

— Estou dizendo a verdade, Gabi! Recebi uma ligação.

— Ligação de quem? Da operadora? Quem falou? Um atendente francês?

Da operadora... — Phillipe continuava tentando repetir com seu sotaque forte.

— Ligação do... — Ela suspirou, envergonhada — Do Enrico, amiga! Eu senti alguma coisa vibrando dentro do meu corpete, perto do meu peito. Eu fui pegar meu celular e vi o nome dele no visor e não deu para rejeitar a ligação, sabe...

— Eu queria tanto bater em você agora, Aline. O italiano imprestável chama você e você vai igual uma cachorrinha mandada. Assim não dá pra te defender, amiga. Não dá!

Aline revirou os olhos. Tirou sua máscara e jogou para cima de Gabi, que deu um passo para trás com o choque. Ela estreitou os olhos, tentando entender a reação da amiga, que estava em um estado deplorável. A maquiagem escorrida e manchada pela máscara, o vestido estava torto, o cabelo desmanchava-se e ela definitivamente não sabia se portar como uma nobre de Versalhes.

O Rei Sol teria vergonha dela.

— Vamos embora. Temos só mais um dia e oito horas nós temos que estar acordadas. Vamos para Montmartre, mas para conseguirmos ir até lá, temos que pelo menos estar em Paris. — Aline resmungou — Poxa, Gabi, olha a hora. Nós estamos tão atrasadas.

Gabi suspirou. Aline infelizmente estava certa. Elas teriam que levantar bem cedo, arrumar algumas coisas na mala, ir para Montmartre e ainda fazer mais um passeio pelo Trocadéro e Champs-Élysées. Além de comprar os presentes que as mães tanto cobravam.

A maioria dali só iria embora quando a madrugada chegasse ao fim. Alguns esperariam o sol nascer. Gabriela queria ser um deles, mas infelizmente era apenas uma jovem de dezoito anos com alguns euros na carteira. A amiga arrastava-a para ir embora, mas ela nem ao menos havia se despedido de Phillipe.

Ela soltou-se de Aline.

— Eu vou dizer adeus para o meu amigo. Eu não te interrompi com seus dramas em Roma então, por favor — Gabi disse séria — Me deixa fazer meus negócios.

Aline não disse nada, apenas deu ombros.

Ela aproximou-se do homem novamente. Toda sua excitação de minutos atrás havia desaparecido e ela caminhava como se fosse Maria Antonieta indo para seu cadafalso. Fazia sentido. Ela viveu nessa noite a vida inteira da trágica rainha. Momentos de confusão, risadas, amizade, um amor e agora o fim trágico e dramático. Ele a esperava com paciência. Um pé apoiado na parede e os braços cruzados, olhando sua duquesa aproximar-se lentamente.

— Eu tenho que ir agora — ela disse — Foi muito bom passar essa noite com você, Phillipe.

— Espere! Eu... — Ele levou as mãos até um dos bolsos e ligou o celular. Colocou no bloco de notas e entregou novamente á Josephine, dizendo: — Escreva seu número aqui, por favor, eu vou ligar.

Gabi riu. Ah, claro que iria. Todos dizem isso.

Europeus e suas manias.

Ela pegou o celular, olhou para ele e digitou. Desligou a tela e fez questão de guardar no bolso do rapaz, aproveitando a deixa para aproximar-se novamente. Pela última vez, colou seus lábios nos dele. Segurou seus ombros, ficou na ponta dos pés, e despediu-se. Era seu adeus ao seu duque.

Adieu, Phillipe.

Ela o soltou. Girou com seu vestido, dando as costas para o homem. Afastou-se, simplesmente.

Não olhou para trás e não disse uma palavra a mais. Ela viveu sua noite como se não houvesse amanhã e sentiu-se finalmente livre e com uma ótima história.

Foi embora sorrindo, não antes de ouvir pela última vez aquela marcante voz.

Adieu, Josephine! Adieu!

🗼🗼🗼

— Turismo? Sério? — Aline perguntou, colocando os pés em cima das pernas de Gabi no avião — Que legal!

Maria Gabriela concordou.

— É. Eu pensei um pouco nessa viagem que escolher uma faculdade é mais do que ter uma profissão boa e que me traz dinheiro. É meu futuro, sabe, minha vida toda. Eu acho que tenho que fazer uma coisa que eu gosto e eu gosto tanto de viajar. Turismo não é minha cara?

Aline concordou.

— Sim. Você vai se dar bem — ela sorriu — Eu ainda não sei o que eu faço. Vou ficar com minhas antigas opções.

— Você vai descobrir quando chegar a hora certa, sem pressa, sem... Estresse — Maria deixou sua cabeça cair para trás, na poltrona macia do avião — Nosso ano sabático é para agir e pensar sem pressão, apenas curta sua vida, Line. Faça o que tiver vontade, no final é acreditar em você que sempre dá certo.

Ela concordou. Aproximou-se da amiga, abraçando-a e dando um beijo em sua bochecha. Depois deitou a cabeça em seu ombro, suspirando de cansaço. Aquele cansaço bom, depois de perder todas as forças na melhor viagem da sua vida. Juntas.

— Amiga, eu te amo tanto. O que seria de mim sem você? — Aline sorriu.

Gabi concordou com a cabeça e de olhos fechados.

— Você não seria você sem mim. Essa é a questão. — Disse rindo

Ela riu também. Fechou os olhos e colocou um dos lados do fone de ouvido que estava com Gabi, deixando o outro com a amiga.

— E agora? — Aline perguntou.

— Agora vamos escutar nossa playlist e dormir um pouco? Temos que estar descansadas para quando chegarmos no Brasil e contarmos tudo o que aconteceu na viagem, quer dizer... — Ela sorriu. Não, não, tudo não. — Quase tudo.

— Você vai ter que contar quando o rapaz de Versalhes ligar para você.

— Ele não vai. — Gabriela disse convicta.

— Ah, vai sim. Até o Enrico me ligou no final. E eu vi você anotando seu número no celular dele antes da gente ir embora, hein?

Gabi riu.

— Eu não escrevi meu número lá, Line.

— Não? — indagou — Então o que você escreveu?

Segredo. — Gabi sorriu — Mademoiselle Josephine nunca revela seus segredos.

É, não mesmo.

Do outro lado do Atlântico um rapaz procurava um número em seu bloco de notas. Ele abre o aplicativo, vasculha, mas não encontra nada. Apenas uma frase:

''Foi uma noite incrível e que você provavelmente não vai se lembrar. Apenas certifique-se que eu serei aquela que você nunca vai esquecer. ''

Sua Josephine

Ah, Maria Gabriela!

Todos os ventos sopram até Paris, ma chérie. Apenas deixe-se levar.

_________    

*RER é o acrónimo de Rede Expressa Regional (em francês: Réseau Express Régional), uma rede que serve as grandes aglomerações e arredores. 

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro