Capítulo 06
Acordo sozinha de novo. Hoje faz três dias que Rafael foi resolver uns assuntos em Lisboa. Ele continua estranho, raramente me manda mensagens e, quando o faz, é para perguntar se já comi ou me desejar boa noite. Nunca conversamos mais do que meia hora, tem alguma coisa acontecendo.
Olho as mensagens do Brasil no celular e respondo algumas. Às sete da manhã vou até uma padaria, tomo café da manhã e volto para o hotel — essa tem sido minha rotina todas as manhãs desde que ele saiu da cidade. Aproveito pra ficar no quarto e escrever um novo romance. Coloco Dani Black para tocar e começo a cantarolar a música enquanto reviso o capítulo que acabei de escrever no notebook.
— Andava sozinho e largado
Até você me aparecer.
Foi como uma força estranha
Que me pegou sem querer.
Foi me prendendo aos poucos,
Não me deixou perceber
O quanto eu já tinha te amado,
E eu nem sabia porquê.
A vida é cheia dessas coisas
Que não se pode entender.
Tem tanta coisa nessa vida
Que não se deve entender.
A vida é cheia dessas coisas...
Parece loucura, mas essa música nunca me pareceu tão certa como agora. Preciso beber. Deus, estou me tornando uma alcoólatra compulsiva. Me levanto da cama e abro a mala: ainda havia duas garrafas de Everclear Grain e uma de Vodka Balkan 176. Tanto álcool no sangue não é bom, mas foda-se, sou dona dos meus medos. Pego a garrafa de Everclear e volto a trabalhar. Depois de alguns minutos, meu celular toca com número desconhecido.
— Daiane Gomes. — Digo.
— Olá Daiane, é o Diogo, lembraste de mim?
— Diogo? Claro, amigo do Rafael.
— Rafael? Ah claro, o Vagner Rafael, é, sou eu.
— Em que posso ajudar?
— Então, nossa turma vai a um show do DJ Alok em Lisboa e temos um ingresso extra, queria saber se não gostarias de vir comigo, já que o Vagner não está na cidade. O que me dizes? — Normalmente eu recusaria, mas estou levemente bêbada e irritada.
— Pode ser. Quando? — Talvez eu deva investir em um português diferente.
— O espetáculo é esta noite, mas partimos daqui a uma hora. Vamos de carro porque tenho de passar por Arruda dos Vinhos. Se importa?
— Não, incômodo algum. Vai ser bom pra mim sair um pouco, conhecer outros lugares e pessoas.
— Ótimo, vai ser bom ter a sua companhia, eu passarei no hotel em uma hora.
— OK! Onde conseguiu meu número?
— Beatriz pediu ao Vagner ontem.
— Entendi. Te vejo daqui a pouco.
— Está bem.
Fecho o notebook e vou tomar um banho pois não posso sair com cheiro de álcool. Coloco cinco halls sabor menta na boca e mastigo feito louca correndo para o banheiro.
***
— Estás muito bonita. — Diogo sorri, passando a mão pelos fios negros, desalinhando-os. Estava encostado em um Audi A3 branco com uma das mãos no bolso da calça. Hoje não estava tão frio mas, mesmo assim, ele usava um casaco preto, calças jeans, tênis e um suéter branco gola alta.
— Obrigada, eu tento. — Sorrio, alisando meu sobretudo preto. Ele abre a porta para mim e, no banco de trás, vejo uma gaiola com um filhote de Pug, coloco a bolsa com duas trocas de roupas do lado.
— É pra minha prima, ela quer um cachorro de presente de aniversário, que é hoje, aliás. — Explica.
— Ah!
— Não vamos ficar muito tempo.
— Sem problemas. — Sorrio. Tenho feito muito isso, mesmo que sem vontade alguma.
Seguimos em silêncio, o único barulho era o som vindo do rádio. Às vezes, nos pegávamos cantando alguma música juntos. Diogo era uma boa companhia, alegre e divertido, contava muitas piadas pra mim.
— No Brasil, um bêbado está cambalear pela rua e encontra com uma freira. Tentando conscientizá-lo, ela diz:
— O senhor sabia que o Brasil é o segundo país do mundo em consumo de álcool?
— Isso é culpa desses crentes!
— Como dos crentes? — Pergunta a freira, indignada. — Se crentes não bebem álcool!
— Pois é... (hic) Se eles bebessem um pouco nós estávamos era em primeiro! — Ele me encara e eu começo gargalhar, Diogo sorri.
— É um fato que somos muito pé de cana! — Comento, entre risos.
— E tu bebes muito?
— Só em festas ou quando estou sozinha.
— Como hoje?
— Sim. — Admito.
— Tua vez!
— Ah não! Não, eu sou péssima piadista.
— Isto quem julga sou eu. Vamos, me conta uma. — Me incentiva.
— OK, não vá reclamar depois.
— Não irei.
— Dois portugueses foram assaltar um banco indicado por outro português. Renderam todo mundo e foram direto para a sala dos cofres. O Manuel arrombou o primeiro e disse:
— Joaquim vem cá, esse cofre não tem dinheiro não! Estás cheio de iogurte!
— Manuel, só tem iogurte mesmo... Bom, este iogurte deve ser muito bom para ficar em cofre de banco. Vamos comer tudo!
Depois de comerem tudo, o Manuel partiu para arrombar o segundo cofre.
— Jesus !!! Iogurte de novo!!! E agora, Joaquim?
— Não tem jeito, vamos comer tudo desse cofre também. Eles comeram, comeram...
O Manuel, que já não aguentava mais iogurte, foi para o terceiro cofre.
— Que merda!!! Iogurte de novo??? Joaquim, vai ver que porcaria de banco é este, que só tem iogurte!
O Joaquim foi verificar e voltou logo depois:
— Porra, Manuel ! É um tal de "BANCO DE SEMEM" !!! Tu conheces??? — Termino de falar e olho para o Diogo, que estava com uma cara de nojo e piedade, então logo depois começa a rir.
— Muito justo, falei de brasileiros, falaste dos portugueses. — Comenta entre risos. Diogo era um idiota, no bom sentido da palavra. Continuamos com as piadas por alguns minutos. Nos lugares que eram bonitos, parávamos para tirar fotos. Diogo tem complexo de fotógrafo, até uma máquina profissional tem e me usou como modelo fotográfico em todas as paradas. Não que eu seja fotogênica, mas até que as fotos ficaram boas. Ele disse que me mandaria no email depois.
***
Chegamos em Arruda dos Vinhos na hora do almoço.
Diogo nos levou para a casa da prima dele. A festinha já havia terminado, mas ela havia guardado bolo e salgados para nós. Comemos as guloseimas enquanto ela brincava com o filhote de Pug.
— Gostas de cães? — Diogo me entrega um copo com coca cola.
— Sim, eu tenho uma.
— De qual raça?
— Uma mistura de Cofap Teckel e Basset.
— Qual o nome dela? — A menina me encara, curiosa.
— Samantha.
— Samantha não é nome de cão. — Zomba, sorrio.
— No Brasil é muito comum pôr nome de pessoas em animais. Meu gato se chama Miguel. — Explico, ela sorri e olha pro cão que ganhou.
— E qual nome achas que combina com o meu Pug?
— Hum... — Faço cara de quem está pensando mas, na verdade, eu já tinha o nome perfeito para ele. — Spayk.
— Spayk? Gostei. — Ela sai correndo atrás do amigo.
— Tens jeito com crianças. — Me elogia Diogo.
— Tenho dois irmãos caçulas. Meio que peguei o jeito, mesmo que Saulo e eu vivamos em pé de guerra. — Comento, ele sorri. — Mas com o Renan, meu irmão caçula, me dou bem, vou até pagar a faculdade dele e dar um apartamento pra ele morar enquanto estuda.
— Irmãos. — Comenta.
— São umas pragas, mas fazem parte da família. Atura ou surta. — Brinco, ele concorda e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha, acariciando minha bochecha. Não sei se é impressão minha, mas de repente ficou calor aqui.
— Tio!? — O chamado da menina nos distrai e ele se afasta.
Não demora muito, nos despedimos dos parentes do Diogo e seguimos para Lisboa.
***
O lugar estava lotado, uma espécie de galpão. Solto meu cabelo e o acompanho. A noite estava mais fria, sorte que trouxe um cachecol e um gorro. O show já tinha começado, chegamos atrasados porque fomos jantar antes de vir. De longe vejo a turma, eles já estavam bebendo e fumando. Diogo e eu nos aproximamos e começamos a dançar, eu precisava mesmo extravasar.
— Queres beber alguma coisa?! — Grita Diogo ao meu ouvido e nego com a cabeça. Fecho os olhos e me deixo levar pelo embalo da música Hear Me Now, que tocava a todo vapor.
Por volta das 10 da noite, Beatriz, Alexandre e João eram literalmente uns trisal, eles se beijavam, indiferente de quem fosse e se pegava com muita intimidade.
— Isso é normal? — Pergunto, Diogo me entrega o copo de bebida e acende um cigarro.
— Sim, oficialmente, Bea e Alex, são um casal, mas sempre ligam para o João ou para mim para um ménage a três. Vagner também participou algumas vezes, o cara é insaciável e Bea gosta muito. — Diz, não sei se disse com maldade ou não, mas essa informação me afeta um pouco, por isso o Rafael ficou tenso ao nos apresentar.
— Entendi.
— E você, já dormiu com dois homens?
— Sim, quando eu tinha 18 anos. Foi uma experiência inesquecível. — Comento, ele riu e voltou a fumar. Ver aqueles três praticamente fodendo na minha frente me deixava excitada, e Diogo é bem atraente, mas vim a Portugal para ficar com o Rafael.
***
Depois de horas pulando, dançando e cantando com o quarteto bêbado, fomos para o apartamento do João. Passaríamos a noite em Lisboa, afinal, além de mim, ninguém estava sóbrio para dirigir. Estava tão cansada que dormi no tapete de lã com o Diogo, depois de trocarmos uns beijos e amassos.
— Bom dia. — Resmunga Diogo quando lhe entrego uma xícara de café forte.
— Bom dia, e a ressaca?
— Terrível. — Ele reclama e eu sorrio.
Beatriz, Alexandre e João aparecem logo após as nove horas da manhã, por sorte, eu dormi rápido, mas ainda ouvi alguns gemidos da Beatriz, ela parece uma atriz pornô, muito escandalosa.
Diogo e eu fizemos o almoço. Ele ficou responsável pelo bacalhau e o arroz e eu pela feijoada, o macarrão com queijo e a maionese. Os amigos do Rafael eram legais, conversavam sobre muitas coisas, riam de tudo e não me tratavam diferente por ser de outro país. Aos poucos, me senti parte da turma.
***
Após a ida à Lisboa, voltei com Diogo e João para Salvaterra de Magos. O casal ficaria mais na capital por causa de um jantar com os pais da Bea. No caminho de volta, fiquei o tempo todo deitada no banco de trás dormindo. Diogo me deixou no Guesthouse e foi levar João na casa do avô dele. Combinamos de sair para jantar os três no sábado se o Rafael ainda não tiver voltado de Lisboa. E meus planos era convidá-los para o meu quarto. Me julguem, sou solteira e desimpedida.
A sexta-feira amanheceu muito nublada. Aproveitei para sair um pouco e ir tomar café da manhã. Mandei algumas fotos da ida a Lisboa para o Thom, mas pela diferença de horário ele só veria as fotos em umas três ou quatro horas. Respondi as mensagens da Gabi, que disse que Samantha e Miguel estavam bem. Eu disse que voltaria em três semanas, no máximo. Estou pagando cem reais por semana para ela cuidar deles.
Depois do almoço fui caminhar pela cidade, tirar umas fotos e conhecer o lugar. Era uma cidade pequena, me lembrava Feliz Natal, um município pequeno no interior do Mato Grosso, no Brasil. Comprei alguns doces no mercado e voltei para o Guesthouse. Ao anoitecer, fiquei assistindo SPN no notebook até ficar com sono. Deixei tudo na cama mesmo, apenas deitei de bruços e dormi. Fiquei apenas quatro dias com o Rafael e já estava pirando por ficar cinco dias longe. E quando eu voltar para Cuiabá?
No sábado de manhã, fui correr pela cidade. Estava frio, mas eu estava pirando por ficar tanto tempo sozinha num quarto de hotel. Se ele não aparecesse até domingo, na segunda eu sairia da cidade para aproveitar minhas férias em outro lugar.
Sentei perto do cais, a casa dele não ficava muito longe, mas ele não iria aparecer assim do nada. Fiquei olhando para o rio até sentir um aperto no ombro.
— Olá. — Ele me encara e sorri. Meu coração se aperta, dou um tapa no ombro dele.
— Onde você estava? Seu idiota!
— Calma Day.
— Calma, meu pau! Custava responder as merdas das mensagens?! — Encaro ele, furiosa.
— Day, deixa eu explicar...
— Você me abandonou por cinco dias, seu besta!
— Day, eu estava a trabalhar. — Ele segura meus ombros.
— E onde você estava não tinha internet? Só precisava me dizer onde estava! — Desvio o olhar pra ele não ver minhas lágrimas. Merda de signo!
— Hey? — Ele pega meu queixo delicadamente, me forçando a olhá-lo e se entristece ao me ver chorar. — Desculpe-me, eu sou uma besta mesmo, vem cá. — Ele me puxa pra um abraço. Inspiro fundo, o cheiro dele é tão bom, nunca vou me esquecer. Fecho os olhos e fico aninhada no abraço dele.
— Eu deveria te castrar com uma faca de mesa cega e enferrujada.
— Tens razão, assim ou eu morreria de hemorragia ou de tétano, é justo.
— Assim vai pensar duas vezes antes de me abandonar de novo.
— Não estavas tão só, soube que foste ao show do DJ Alok em Lisboa com o Diogo.
— Fui.
— E não me procuraste, por quê?
— Estava com raiva.
— Entendi. — Ele beija minha cabeça. — Quase enlouqueci longe de ti, miúda. — Ele nos afasta só pra me beijar, meu doce favorito, chocolate branco, hortelã e uma pitadinha de charuto cubano. Eu devo ser masoquista mesmo, logo eu, a Rainha da República das Bananas, toda apatetada por um simples beijo. Eu tô fodida em cinquenta tons.
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