Capítulo 01
Loucura. Se for parar para pensar em todas as coisas insanas que eu já fiz...
Mentira, eu sou uma pessoa covarde, nunca fiz algo tão arriscado quanto o que vou fazer hoje. Ir para o outro lado do mundo só pra conhecer alguém, isso sim é loucura.
Durante seis anos, juntei dinheiro para fazer essa maluquice e espero não me arrepender mas, caso algo dê errado, tenho dois meses de férias para curtir a Europa. Muitos lugares lindos para visitar, comidas exóticas para experimentar e homens para conhecer. Eu sou uma mulher que sonha em viver um romance épico, apesar de sempre sair machucada, nunca perde as esperanças.
Há um ano e meio terminei minha faculdade de Medicina Veterinária, agora sou a Dra. Daiane Gomes, que chique!
Com o dinheiro que economizei durante anos, finalmente posso me dar o luxo de curtir umas férias tranquilamente. Destino? Salvaterra de Magos, Portugal!
Termino de fechar a mala. Logo após conferir se estou com meias, gorros, cachecóis, casacos, calças e luvas suficientes, pego meus perfumes, óleos corporais e cremes hidratantes, porque posso até passar frio em Portugal, mas vou estar cheirosa. Santa vaidade feminina!
Devo ser masoquista, viajar para Portugal bem quando o inverno está congelando até pensamento, sandice total. Mas como diria meu amado Tio Nego:“Quem não arrisca não petisca”. E meu petisco tem 1,85 de altura, corpo sarado, um belo par de olhos e 19 cm duros e quentes…
— Misericórdia, que calor! — Me abano pra afastar o tesão que chegou de repente. Saio do quarto e vou até a cozinha, me sirvo com água e pego um cacho de uvas para devorar, ainda tenho tempo. Pela janela observo o jardim, essa casa é muito grande pra mim, mas o preço estava em conta e é bom ter algo pra chamar de seu.
Coloco mais água e ração para meu gato. Mesmo morrendo de medo, a Gabriela, minha vizinha, vai vir colocar comida e água para ele todos os dias enquanto eu estiver fora. A Gabi é uma figura, nunca vi alguém gostar tanto de fazer besteiras. Atualmente, grávida de um homem casado, está ensaiando para uma peça teatral da escola onde ela representará uma moça virgem e ingênua.
Sorrio ao sentir Miguel se insinuar entre minhas pernas. Ele é um gato Angorá de pelagem extremamente negra.
— Miau!
— Qual é Miguel? Você sabe que eu te levaria se pudesse, mas te amo demais pra ver você morrer congelado durante o inverno europeu. — Abaixo-me e faço um carinho nele, Miguel ronrona. Se eu sou doida por conversar com ele? Nem ligo.
— Comporta-se, volto em um mês. — Digo, e ele mia mais uma vez e se afasta, subindo na minha mesa. — Folgado! — reclamo, mas ele me ignora, suspiro e me levanto, volto ao quarto, pego meu celular para chamar um Uber pelo aplicativo, pego a mala e vou para a sala. Como eu disse, minha casa é grande para uma pessoa apenas, tem 2 quartos de hóspedes, um banheiro coletivo, minha suíte, uma pequena biblioteca, cozinha, sala, lavanderia e varanda, além do quintal grande com o espaço para o Argos, meu cavalo. Quando comprei a casa, ele veio quase como brinde. Para uma pessoa apenas, é uma casa grande, mas como meu folgado amigo, Thomas, sempre aparece nos fins de semana, é bom ter espaço. Recebo uma mensagem, o carro chegou. Saio de casa, tranco a porta e caminho para o portão.
***
Meu telefone toca assim que coloco os pés no aeroporto. Olho para a tela, vejo meu irmão me ligando. Suspiro. “Ai saco!”
— Fala, seu mala! — Brinco. Saulo é três anos mais novo que eu e, mesmo assim, é extremamente infantil e irresponsável.
— Day, é o seguinte: cê sabe que essa semana o bagulho vai tá loco, né? — Essas gírias acabam com a minha paciência.
— E o que eu tenho a ver com isso? — Entrego o passaporte e a passagem para a moça, pra fazer o check-in.
— Será que rola de liberar o seu barraco pra uma festinha nesse fim de semana? — Ele arrisca. Percebo a hesitação em sua voz. Eu mereço! Mas se não ceder, ele vai passar o dia todo me perturbando, conheço essa peste há 21 anos.
— Primeiro: eu não moro em um barraco e segundo: quantas pessoas você planeja levar pra lá? — Revirei os olhos, pego o passaporte e sorrio para a mulher que me libera, após despachar a mala.
— Foi mal, vai ser só o pessoal que você conhece e umas minas. — quando ele diz umas minas, posso me preparar para no mínimo umas 50 pessoas, fora a equipe que trabalha pra ele.
— OK, mais tu sabes, quebrou...
— ...vai um volta dois, tô ligado.
— Fala com a Gabi, ela tem a chave reserva, depois que acabar essa zona toda, dedetize minha casa. — Ordeno. Melhor prevenir do que contrair uma doença depois.
— Pode deixar.
— Não quero chegar e encontrar porra no meu sofá novo, e nada de embebedar o Miguel, eu te conheço, deixa meu gato em paz!
— Tá. Valeu, por isso que eu te amo. Delícia!
— Vai se foder!
— Vem comigo, acompanhado é melhor.
— E correr o risco de contrair uma AIDS? Não obrigada. — Desligo o celular e me sento. Odeio esperar e o meu vôo só vai sair em 2 horas. Aproveito para ler um pouco, esse é meu único vício, o bom é que isso me distrai.
***
Para chegar em meu destino, fiz algumas pontes. Embarquei em Cuiabá com destino a Lisboa, Portugal, mas tivemos que pousar em Fortaleza devido a problemas técnicos na aeronave. Aproveitando a parada na cidade, aproveitei para comprar umas lembrancinhas no aeroporto e olhar minhas redes sociais. No Facebook, vi uma publicação do Luan, um antigo paquera de adolescência. Ele estava se casando oficialmente com Ana Ribeiro, sua namorada que ficou grávida de outro homem, mesmo eles estando juntos. É um corno manso, como dizem. Tiro algumas selfies enquanto estou comendo um lanche em frente ao McDonald's e envio para Thomas com #PartiuPortugal, recebo uns jóias e a mensagem de que ele está se preparando para assistir a uma cirurgia. Ele cursa medicina pela UFMT. Thomas é um prodígio e um ótimo amigo, atualmente ele está de rolo com um russo amigo meu, os dois são fofos juntos, o problema é que o Dimitrius é barra pesada. Ouço o chamado para embarcar, finalmente. Pago minha conta e, pegando minha bolsa, me despeço temporariamente do Brasil. Dentro do avião, tiro da bolsa meu exemplar do livro "Resetar" de Natália Assunção. Simplesmente amo o casal Hans e Heloisa, apesar de algumas vezes querer matar esse dinamarquês.
***
O vento frio me atinge em cheio assim que saio do ônibus e meu cabelo fica todo bagunçado. Salvaterra de Magos é uma vila portuguesa pertencente ao Distrito de Santarém, com cerca de 6.200 habitantes. Pego o mapa que fiz no meu celular e vou seguindo as direções até o hotel em que vou ficar.
Olho para o letreiro, que diz “Hotel Pôr Do Sol Guesthouse” e sorrio. Hora de banho e comida quente! O hotel é bonitinho, tem apenas um andar: é uma construção comprida com quartos dispostos um ao lado do outro, pintado em tons de azul e branco, com varandas em frente aos quartos e plantas espalhadas pelo ambiente.
***
A recepcionista me leva ao meu quarto, número 23. Pelo que ela me disse, estou muito longe do cais, então isso vai ser meio complicado, já que meu alvo mora lá perto, mas dou um jeito. Depois do banho, desço para ir comer alguma coisa, vi uma padaria aqui perto.
Vou até lá. No caminho, vou olhando tudo, vendo as pessoas sempre sorrindo umas para as outras e se cumprimentando. Cidade pequena é boa por isso, todos se conhecem. A padaria, com fachada em vermelho é aconchegante, o cheiro de doces, salgados e pães é convidativo. Entro, recebo e retribuo o sorriso da atendente e me sento. Olho o cardápio enquanto uma menina se aproxima.
— Bom dia. — Me cumprimenta.
— Bom dia! Para comer vou querer as opções 3, 5, 7, 8 e 11, e para beber, um chá verde com canela. — Explico e ela concorda anotando tudo.
— Já trago para ti.
— OK. — Enquanto espero ela trazer meus pedidos, resolvo mandar uma mensagem para o Rafael, mas ele não responde no WhatsApp. Ter um amigo virtual tem suas vantagens, mas uma das desvantagens é que o celular do português, como sempre, deve ter bugado, então entro no Facebook. Vejo alguns posts e logo recebo uma mensagem dele.
V. Rafael:
Oi Day.
Daiane:
Oi.
V. Rafael:
Tudo bem? Abandonaste-me por 3 dias, senti saudades.
Daiane:
Tava resolvendo umas paradas aqui.
V. Rafael: OK, o que fazes de bom?
Daiane:
Tô numa padaria, pretendo comer várias delícias.
V. Rafael:
Também quero!!
Daiane:
Claro que quer, desde que seja de comer pode ser até papel que você quer.
V. Rafael:
Verdade.
É que eu gosto de comer, tu sabes.
Daiane:
Sei...
E como vai o frio de Portugal?
V. Rafael:
Meus dedos estão a congelar.
Daiane:
T
ípico. Já te falei pra colocar eles nas axilas.
V. Rafael:
Não! Vai congelar elas também.
Daiane:
Então esfrega uma na outra e assopra ar quente nas mãos.
V. Rafael:
Boa ideia.
Daiane:
Besta.
V. Rafael:
Besta = Eu te amo.
Daiane:
Eu te odeio, seu besta convencido.
V. Rafael:
Odeias nada, eu sei que me amas.
Daiane:
Iludido.
V. Rafael:
Admite que me amas.
Daiane:
Nunca!
O que vai fazer amanhã?
V. Rafael:
Não sei, acho que vou caminhar perto do cais, minha mãe vai sair com umas amigas, vou aproveitar pra sair um pouco. Agora que o Pantufas morreu, eu fiquei muito mais recluso.
Daiane:
Entendi. Meus pêsames pelo Pantufas.
V. Rafael:
Obrigado Day.
Daiane:
De nada, Rafinha.
Que horas você vai sair?
V. Rafael:
De tarde, depois do almoço, por quê?
Daiane:
Nada, só pra saber que horas você vai estar on.
V. Rafael:
Ah! Entendi.
Daiane:
Bem, o papo tá bom, mas eu tenho que ir, a gente se fala amanhã, beijos.
V. Rafael:
Ok, Day, beijos.
Sorrio ao ler a última mensagem, peço a conta e saio da padaria. Volto para o hotel, decidida a dormir cedo para acordar pelo menos até a hora do almoço.
Meu quarto é até aconchegante, a cama de casal é grande, o banheiro tem espaço e o espelho pega da cintura pra cima. Tomo um banho quente e me deito usando um conjunto moletom, meias e luvas, pois o frio não está pra brincadeira.
***
O vento bate no meu rosto. Tiro uma selfie com o cais de fundo — nunca fui fotogênica, mas até que saiu boa. Arrumo o gorro vermelho com as iniciais HP bordadas nele, termino de comer os salgadinhos de bacalhau que comprei numa padaria aqui perto. Nem almocei, faz uns 20 minutos que estou esperando ver o Rafael, já passou da hora do almoço. Ele não está online, já verifiquei cinco vezes. Se estou ansiosa? Muito.
O lugar está deserto, exceto por alguns pássaros que voam e pousam à procura de comida. Se não fosse de dia eu estaria morrendo de medo. Jogo o saquinho de papel na lata de lixo, coloco três pastilhas de menta na boca, passo mais batom de manteiga de cacau nos lábios ressecados e aperto meu nariz na intenção de esquentá-lo. Mexo nas minhas luvas e me encosto no guarda corpo perto do rio, vendo a água escura, típico rio de cidade. Algumas lanchas estão atracadas não muito longe de mim. Ouço passos e alguém cantarolando Sweet Child O' Mine, do Guns N' Roses, vindo na direção contrária a mim.
Não muito longe estava o meu objetivo, eu o reconheceria a quilômetros. Ele usava um casaco grosso cinza, cachecol de lã vermelho, calças e botas pretas. As mãos estavam dentro dos bolsos do casaco e um gorro azul protegia as orelhas onde os fones vermelhos estavam. Ele não tinha um porte atlético, mas também não era tão magro. Talvez fossem as roupas. A pele clara estava um pouco avermelhada, e ele estava tão sexy com aquela barba por fazer... Ele não me olhou diretamente. Me viu, mas não percebeu quem eu era, passando direto e ainda cantando baixinho. Mesmo em inglês o sotaque português era notável.
— Oh, oh, oh
Sweet child o' mine
Oh, oh, oh, oh
Sweet love of mine
Oh, oh, oh, oh
Sweet child o' mine
Uh, uh, uh, uh
Sweet love of mine
Fico observando meu amigo se afastar, sorrio. Atravessei o mar por essa besta e ele passa por mim como se eu fosse um poste? Vou castrá-lo, depois.
Rafael caminha por alguns segundos e se senta em um banco, e mais uma vez a montanha vai a Maomé. Sorrio, balançando a cabeça em negação. O que eu faço com esse homem?
Caminho até ele parando bem na sua frente. De cabeça baixa, ele subiu o olhar, passando pelos meus pés, pernas, cintura, barriga, busto, pescoço e, finalmente, rosto. Percebo sua expressão confusa, ele tira os fones.
— É muita falta de educação não cumprimentar os amigos, sabia? — Digo. Ele continua me olhando como se eu fosse uma alma penada. — O que foi, o frio congelou sua língua?
— D-Day?
— Não, a Madre Teresa de Calcutá! Quem mais atravessaria o oceano por você, seu besta?! — Pergunto, revirando os olhos e sorrindo. Rafael finalmente volta pro corpo e me abraça, tão apertado que sinto as costas estalarem. — Rafael? Ainda preciso respirar! — Comento, com a voz estranha pela falta de espaço nos pulmões para respirar.
— Não acredito que estás aqui! — Diz ele com a voz embargada. Me afasto e vejo meu amigo secar as lágrimas.
— Sem chorar, português! Eu que sou a libriana aqui, lembra? — Brinco. — Caramba, acho que trinquei umas três costelas, que força hein?
— Desculpe-me.
— Tudo bem, mas vou te mandar a conta do médico.
— Por que não me disseste que vinhas?
— E perder essa cara de besta que você fez? Não mesmo. — Digo, ele ri e me abraça de novo.
— Não acredito que és real. — Ele sussurra. Dou-lhe um beliscão no braço, ele dá um pulo de susto. — Ai, por que beliscaste-me?!
— Pra você ver que não está sonhando. — Sorrimos, beijo a bochecha dele.
— Quando chegaste a Salvaterra de Magos?
— Ontem, depois do almoço.
— Agora aquelas mensagens fazem sentido.
— Então.
— Então o quê?
— Então nada, seu besta. — Sento ao lado dele no banco. Rafael começa a rir e logo está tendo um ataque de risos, daqueles que te fazem chorar. — Qual é a piada?
— É que... estás aqui comigo e falaste isto na minha cara, como prometeste que farias.
— Eu prometi muitas coisas, vim para cumprir todas. — Declaro séria, ele fica vermelho. — E aqui estou eu, te chamando de besta na cara, em território português, ou sou muito corajosa ou muito maluca. — Brinco. Rafael pára de sorrir e fica me encarando, sério. — O que foi, tem pedaço de carne nos meus dentes?
— Não, só estou a admirar, meu anjo. Mesmo que me belisques mil vezes ainda vou duvidar que sejas real.
— E se eu fizer isso? — Pergunto e o beijo. De todos os gostos que imaginei, chocolate branco com menta nunca foi uma opção. Rafael tinha um beijo com gosto de um dos meus doces favoritos e um toque a mais, e esse era o sabor que eu mais gostava em Portugal, o beijo do Rafael.
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