Capítulo 3
Aurora
— Como consegue ser amigo dele? — perguntei, inconformada ao Gus, enquanto saíamos do cinema. — Vocês são tão diferentes...
— Sau não é tão ruim assim, Aurora... Você precisa conhecer ele de verdade, no fundo é uma boa pessoa.
— Boa pessoa? — Minha risada soou sarcástica demais. — Não pode ser uma boa pessoa depois do que fez hoje.
— Ele tem defeitos, claro. Mas já conversamos sobre, e está trabalhando nisso.
— Precisa trabalhar mais, então... Muito mais.
Gus riu. Mas só ele achava graça nisso, eu só conseguia sentir raiva mesmo...
Estávamos próximo do estacionamento quando Gus recebeu uma mensagem no celular. Era Saulo convidando-o para um jantar em sua casa e ajudá-lo com a matéria que haviam combinado antes; não fiz esforço algum para ler a mensagem, Gus não tentava esconder nada de mim, ele era um livro aberto.
Então sem nem mesmo responder, ele apertou o botão de bloqueio e guardou o celular no bolso.
Me segurei pra não perguntar se ele iria. Eu não queria parecer intrometida ou aquele tipo de namorada controladora, mas tudo que envolvia Saulo era preocupante pra mim.
Ao sair do Shopping, fomos para a minha casa. Hoje era meu dia de folga, então teria o resto da tarde pra ficar com meu namorado.
Minha amiga Bianca, dizia que eu precisava parar de ficar tanto tempo com Gustavo. "Não é bom para o começo do namoro", ela dizia. Mas achei total bobagem; estávamos apaixonados, qual mal poderia haver nisso?
Bia havia terminado recentemente um namoro de um ano. Disse que se pudesse, teria feito tudo diferente, mas não havia mais maneiras pra se consertar, o amor tinha acabado. E o mais bizarro , era que os dois sentiam a mesma coisa, em relação à isso. Como um casal que diziam que iriam se casar, que formavam um belo par, e que eram apaixonados poderiam parar de amar depois de um ano de namoro? Era estranho pra mim, talvez por que eu era marinheira de primeira viagem, ou talvez por que eu e Gus éramos total harmonia em tudo que fazíamos.
Ainda era muito cedo pra pensar em casamento, mas de uma coisa eu estava certa, eu já não me imaginava mais sem ele.
Então, Bia que me desculpasse. O tempo que eu pudesse estar junto de Gus, eu iria ficar. Em minhas folgas não seria diferente.
Eu trabalhava em uma cafeteria no Campolim, um dos bairros nobres de Sorocaba. Meu expediente era das 7:00 da manhã às 16:00. Um bom lugar de se trabalhar, exceto pelo uniforme, que era um vestido de sarja rodado, na cor salmão e as diversas cantadas no decorrer do dia. Não que eu não gostasse de usar vestido, ele era lindo, por sinal. Mas andar de ônibus, trajada desta maneira era um tanto desconfortável. No entanto, eu era obrigada, afinal, minha chefe era um pouco rígida nesses quesitos; ela tinha preferência por chegarmos já uniformizados.
De qualquer maneira, eu não podia reclamar. Recebia um salário razoavelmente bom, trabalhava com pessoas legais, e tinha total apoio de meu namorado, já que de meus pais era um pouco difícil.
Eles diziam que eu não nasci pra ser garçonete, e que embora fossemos de classe baixa, nossa situação iria melhorar. É claro que eu não iria esperar sentada enquanto isso não acontecia; eu precisava trabalhar e iria guardar dinheiro para pagar um curso preparatório pré-vestibular, afinal, não teria condições de pagar uma faculdade.
Meus pais viviam brigando; tudo havia virado motivos pra começar uma discussão. Meu pai, quase todos os dias ameaçava ir embora de casa; e minha mãe quase sempre perdia as estribeiras. Eu e meu irmão Eric, de quinze anos, estávamos toda vez no meio dessas brigas, tentávamos ao máximo não participar, ficar de fora, mas o assunto sempre chegava em "divórcio" e "quem vai ficar com as crianças". No caso, eu sou uma dessas "crianças"; embora tivesse dezoito anos, eles ainda me enxergavam como uma.
Durante a noite, eu ainda fazia o ensino-médio na Etec. Estava no terceiro ano, nos últimos dias de aula. Não sabia qual faculdade iria querer prestar, nem qual curso iria escolher; estava muito indecisa, então resolvi esperar mais um ano, até clarear minhas ideias.
Diferente de mim, Gus tinha certeza; queria ser médico. Eu podia ver o quanto se esforçava pra isso, e embora sua classe social fosse bem distinta da minha, ele não era presunçoso. Queria me ajudar financeiramente, é claro, mas eu jamais poderia aceitar.
Minha mãe, vivia me dizendo que eu havia encontrado um menino de ouro e sempre fazia aquele trocadilho chato, de que ele era literalmente feito de ouro. Sua família vinha de uma longa geração de médicos. Ele era o filho caçula e morava apenas com a mãe, já que seus pais eram divorciados. Henrique, um de seus dois irmãos, era casado e moravam em outro estado, já Eduardo, o filho do meio, morava com seu pai em Verona, na Itália. Entendia perfeitamente o drama que eu estava passando, afinal, seus pais também brigavam muito antes de se divorciarem, o que só me leva a pensar que hora ou outra irei ter que escolher com quem ficar.
Em cinco meses de namoro, eu e Gus jamais iniciamos uma briga, nem sequer uma discussão. Estávamos em total sintonia. Exceto quando o assunto era ser melhor amigo, Saulo.
Gus e Saulo são amigos de infância; cresceram juntos. Seus pais são médicos, trabalharam durante anos juntos, portanto em todas festas, reuniões e datas comemorativas, se encontravam; além de morarem muito próximos um do outro.
Gus conta que de início não gostou de Saulo, apenas aturava o filho do amigo de seu pai; desde criança Saulo foi arrogante. Mas então, com o passar do tempo, Gus como sempre altruísta, começou a enxergar as qualidades de Saulo, aquelas que até hoje não consigo ver.
Eu tentava, às vezes, olhar além do que ele mostrava ser. Tentava manter uma relação o mais próximo amigável, mas era difícil. Seus comentários esnobes e mesquinhos me tiravam do sério. Além do que ele estava sempre tentando levar Gus para seus caminhos tortuosos. Eu não podia deixar.
Gus não chegou a dizer, mas eu podia ver que ele queria que ao menos pudéssemos ficar no mesmo ambiente sem um odiar o outro. Saulo tentava disfarçar, mas eu sabia que me odiava; não só por eu ter chegado depois e ainda conseguir o maior tempo com o melhor amigo dele, mas por que já discutimos uma vez, bem no começo do meu namoro com o Gus, e desde então ele passou a me odiar até mesmo se eu respirasse perto dele.
Eu entendia que ele mantinha o mínimo de educação — se é que ele entendia o que era isso, — por causa de Gus, e eu fazia o mesmo.
Saulo
Já era noite; os convidados de minha mãe começavam a chegar.
O máximo que eu podia fazer era cumprimentar e forçar um sorriso para os amigos chatos de meu pai.
É claro que meu pai não faltaria à um jantar em amigos, já que estes pareciam ser mais importantes do que a própria família. Mesmo aparentemente cansado, ele mantinha a pose e ria das piadas sem graça de Jorge, um de seus amigos mais antigo de profissão.
Minha mãe devia ter convidado no máximo três casais, exceto pelos novos vizinhos, que aliás, ainda não haviam chegado.
Era apenas um jantar, para jogar conversa fora e dar boas risadas, ela disse mais cedo. Fale por você.
Como disse antes, eu iria só fazer presença quando chegassem; depois subiria para o meu quarto e por lá iria ficar, já que dona Melissa não queria que eu ficasse de "gracinha" com a senhorita Marina.
Por mim, tanto fazia; uma hora ou outra iria acontecer, sem que minha mãe ficasse sabendo.
Quando era 19:45, Mr. Skipp bateu em minha porta que já estava entre-aberta.
Mr. Skipp era nosso mordomo. Nosso falso japonês, pois tinha nome americano. Ele estava conosco há pelo menos quinze anos; era praticamente da família. Beirava aos seus 70 anos, já tinha cabelos brancos e rugas revelando cansaço, mas era mais divertido e cheio de vida do que muitos jovens por ai.
Havia voltado de Minas Gerais naquela manhã, pois minha mãe concedeu, ou melhor, coagiu à ele alguns dias de folga. Ela sempre deixou Mr. Skipp muito à vontade, dizia que poderia ir visitar sua filha quando quisesse, porém Mr. Skipp era muito caxias, gostava do que fazia e dizia não querer incomodar sempre sua filha, sua única família. Aqui, ele estava em casa, literalmente.
— Senhor Ferrarezi, um amigo seu acaba de chegar — disse Mr. Skipp. Logo em seguida Gus entrou e Mr. Skipp fechou a porta, nos deixando à vontade.
— Não posso demorar, vou te passar algumas colinhas que fiz e explicar por cima, amanha fazemos uma revisão mais pesada. Preciso buscar Aurora na Etec às 22:30.
— Achei que não fosse vim, não respondeu minhas mensagens — comentei.
— Sabe como é, Aurora iria fazer perguntas, e eu não gosto de mentir.
— Dissesse a verdade, só vai me ajudar com a matéria.
— Sua mãe ligou mais cedo para a minha, convidando-a pra esse jantar. E também comentou que Carla iria vir... Aliás, ela já está aí.
— Carla? — perguntei surpreso. — Não estava sabendo que ela viria.
Ele assentiu com a cabeça, pegando os livros da mochila; não estava acreditando em mim.
Carla é filha de um dos amigos de meu pai e do pai de Gus, foi namorada dele por um curto tempo. Terminaram por que ela era obsessiva, e é até hoje. Gus tentava manter o máximo de distancia possível, considerando a possibilidade de Carla agarrá-lo contra sua vontade.
Eu estava sendo sincero quando disse que não sabia que Carla viria, mas não podia ignorar o fato de que seria divertido ver Gus fugindo dela durante o jantar.
Acabara de mudar de ideia, talvez ficar o tempo todo no quarto fosse muito tempo, até por que, o cheiro vindo de lá de baixo estava bem atrativo.
Ficamos por duas horas dentro do quarto. Gus não fazia questão de repetir vinte vezes a mesma explicação, mas eu sim, estava me irritando. Absorvi algumas coisas, mas não o suficiente pra estar bem preparado para o vestibular da Unicamp dali alguns dias.
— Quer saber? Chega. — Levantei-me de supetão. — Preciso tomar um ar, não estou conseguindo prestar atenção.
Ele riu.
— Sau, relaxa. Você está conseguindo pegar bem. Se relaxar, amanhã mesmo vai estar sabendo melhor do que eu.
— Vamos comer alguma coisa. Amanhã terminamos.
— Eu preciso ir, daqui a pouco Aurora sai da Etec.
— Ok. Ainda dá tempo de comer alguma coisa. Não vai recusar um temaki do Mr. Skipp, vai?
É claro que ele não recusaria o melhor temaki da região. Descemos e fomos direto para a sala de jantar. Lá estavam todos conversando, e no canto, sentadas no sofá, estava Carla e Marina, visivelmente muito entretidas em algum assunto. Carla era morena e baixinha, tinha algumas tatuagens pelo corpo e o cabelo curto e ondulado. Marina era o oposto dela, era alta, magra e bem pálida; os cabelos eram de um loiro escuro e liso, quase chegava a bater nos ombros.
Ao me aproximar, Carla se levantou e Marina continuou sentada.
— Oi, Carla — eu disse, dando um beijo em seu rosto. Percebi pelo canto dos olhos, Marina me medindo dos pés à cabeça, não pude evitar o sorriso de satisfação.
— Olá, Saulo. — Carla respondeu, e logo em seguida olhou por trás de mim.
Segui seu olhar, e vi Gustavo indo para a cozinha, onde estava Mr. Skipp preparando os quitutes japoneses.
Carla olhou novamente pra mim, sorriu maliciosamente e foi atrás de Gus; me deixando sozinho com Marina.
Engoli um riso, que comecem os jogos.
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