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Capítulo 2

— Bom dia! — disse Gus, com um sorriso de zombaria no rosto enquanto caminhávamos até a sala de aula.
— Não ria! Foi frustante. Graças a Deus hoje é segunda.
— Cara, é só um simulado.
— Não é só um simulado! Quinta-feira vou fazer a prova da Unicamp. Preciso dar o melhor de mim.
— Você vai se sair bem.
Eu ri sarcasticamente.
— Se quem faz as provas pudessem te ouvir, estariam rindo também!
— Você precisa parar com essa obsessão. Cara, é só um curso, é só um simulado e é só um vestibular. Relaxa que tudo vai dar certo. Eu sei que é importante pra você, e é importante pra mim também passar nas faculdades que eu quero, mas com toda essa euforia você não vai sair do lugar!
— Cuida da sua vida, ok Gus? Que eu cuido da minha. — Pisquei pra ele e sentei em meu lugar.
Ele se sentou ao meu lado.
— Relaxa — murmurou mais uma vez.
Encarei-o.
— É fácil pra você que tem um pai que pague uma faculdade particular!
— Hey, é difícil pra mim tanto quanto é pra você. Não pense que por ser particular, é moleza. Também estou me esforçando.
— Eu sei. Desculpe... Mas é que é o seu primeiro ano, você ainda não sabe como eu me sinto, parece que meu cérebro está derretendo!
Ele riu. E a professora começou a colocar os papéis nas mesas.
— Boa sorte — disse a ela, após entregar o último exame.
Peguei minhas folhas e as virei. Olhei para o lado e Gus já estava respondendo as questões; comecei a fazer o mesmo.

(...)

— Não me contou como foi a festa de sábado — disse Gus, enquanto saíamos da sala após terminar o exame. — Pelo jeito foi bem louca, pra você perder a noção do tempo. — Ele riu.
— As partes que me lembro, foi. Você devia ter ido.
Ele chacoalhou a cabeça rindo consigo mesmo.
— O que? Eu sei, vai dizer que é um cara comprometido agora, mas você não ia fazer nada... Nunca faz mesmo.
Ele fechou a cara, mas depois voltou a relaxar. Olhei pra mesma direção que ele olhava e revirei os olhos.
— Ei!  — Ele abriu um sorriso de orelha a orelha ao se aproximar de Aurora, sua namorada.
Aurora se aproximou, tirando a franja que caia em seus grandes olhos azuis, sorrindo também e o abraçou. Ficaram um tempo assim, sem se importarem com a minha presença ali. Revirei os olhos novamente.
Ela era mais baixa que ele, de pele clara e cabelos castanhos pra baixo dos ombros. Todos diziam que formavam um belo casal; mas pra mim, a única coisa em que combinavam era na cor da pele.
— Moço... — Senti um dedo me cutucando, olhei para os lados e não vi ninguém, então senti minha camisa sendo puxada pra baixo, meu rosto automaticamente seguiu a mesma direção. Era uma criança de rua, de aproximadamente 8 anos, pegando com os dedos sujos em minha camisa da Empório Armani; me afastei imediatamente e verifiquei se havia marcas de dedo nela, por sorte não.
Olhei com revolta para aquela criança, não precisava ter me tocado.
— Estou com fome, você poderia me dar algum dinheiro?
— Você tem pais, garoto? — perguntei.
— Tenho...
— Então peça pra eles! — respondi, sem paciência.
Ele me olhou por alguns segundos, mas não teve resposta; então se virou para ir embora. Ao me virar de volta, me deparei com Gustavo e Aurora me encarando.
— O que? — dei de ombros.
— Ei, garoto! — Aurora chamou.  
O garoto parou no meio do caminho e olhou para nós.
— Eu vou comprar algo pra ele comer — ela disse ao Gus.
— Deixa que eu compro — Gus se ofereceu, e nem esperou ela responder. Foi logo puxando o garoto para a cantina.
Aurora continuou ali ao meu lado, esperando Gus voltar. Sua carranca estava começando a me irritar.
— Ele tem pai e mãe, quem fez que sustente — comentei.
— Nem todos tem pai médico-cirurgião, Saulo — ela rebateu.
— Não precisa ser rico pra dar comida a um filho.
— Você diz isso por que nunca precisou trabalhar, e não precisa sustentar uma família, é fácil assim!
— Quando o assunto se tornou sobre mim?
Ela abriu a boca pra retrucar novamente, mas fechou e depois sorriu, acenando para o garoto que ia embora com uma lata de coca-cola e um hot-dog na mão.
Gus voltou sorridente, e se juntou à aura negra que pairava sobre mim e Aurora.
— Coitadinho,  ele realmente estava morrendo de fome — disse. —  Comeu um hot-dog em menos de um minuto, então comprei outro pra ele levar.
— Fez bem — comentei.
Gus e Aurora me olharam surpresos.
— Se você tivesse dado dinheiro, ele poderia usar pra comprar drogas.
Ouvi Aurora suspirando.
— Por um momento achei que você iria fazer um comentário altruísta — disse ela.
— Estou sendo realista — me defendi.
— Vamos, Gus? — Aurora se virou, me ignorando.
Franzi o cenho, não por ela ter me ignorado, mas para onde estava querendo levar o Gus? Antes que eu pudesse questionar, ele se virou pra mim e perguntou numa careta.
— Posso te ajudar com aquilo amanhã?
Demorei pra responder, pois estava relutando com o não e ao mesmo tempo não conseguia dizer um sim.
— Ok — respondi.
Aurora sorriu de canto e puxou ele.
— Tchau pra vocês também — falei sozinho.
Gus sabia que eu não estava totalmente de acordo, mas agora era fácil me trocar pela namoradinha chata e irritante.
Eles passaram o final de semana todo juntos, não se cansavam um do outro? Sexta, sábado, domingo, agora segunda; daqui a pouco a semana toda, e só de pensar já me dava enjoos.
Voltei pra casa andando, já que meu carro ainda estava no mecânico. De qualquer maneira, minha casa ficava à dois quarteirões do Anglo.
Cheguei e de fora eu já podia sentir um cheiro maravilhoso de comida de mãe. Entrei e fui direto pra cozinha ver o que ela preparava.
— Oi, filho. — Minha mãe me deu um beijo e depois olhou pra trás. — Ué, aonde está o Gustavo?
— Há essas horas em algum cinema — falei, enquanto beliscava um pedaço do Cheese Cake que estava sendo preparado. Imediatamente ela deu um tapa em minha mão.
— Não mexa, menino!
— Por que? Não é pra mim? — Sorri travesso pra ela, eu sabia que não era.
— É para o jantar de hoje. Convidei alguns amigos de seu pai.
— Meu pai não iria estar no hospital hoje?
— Conseguiu uma folga. Outro médico irá substituí-lo. Não poderíamos ficar olhando para as paredes, não é mesmo? Então vamos ter uma agradável noite entre amigos. — Ela sorriu, satisfeita. — Também convidei aqueles novos vizinhos.
— Os da frente? — perguntei surpreso.
— Sim. Roberta e seu marido parecem ser muito gente boa, conversei muito com eles ontem de manhã.
— Hum... Eles tem uma filha, não tem?
— Sim. Tem um casal. Marina, a mais velha e Arthur de oito anos.
— E... sabe se ela vem também? — tentei disfarçar o interesse.
— Saulo... — Ela me olhou com reprovação. — Já conversamos sobre isso.
— O que, mãe? É só uma curiosidade, não vou fazer nada.
— E eu não conheço o filho que tenho? — Ela riu consigo mesma. — Talvez Marina venha. Mas ela é uma moça de família. Nada de gracinhas.
— Ué, você não quer que eu me case com uma moça de respeito, e te dê lindos netos? Então...
— Saulo. — Ela me olhou novamente com aquele olhar.
— Estou brincando. Vou me comportar. — Tentei dar o meu sorriso mais inocente e ela riu.  
— Mas então... Gustavo não ia vim te ajudar com uma matéria hoje?
— Ia. Se a chata da namorada dele não tivesse feito planos pra hoje a tarde e com certeza pra noite também.
— Vem amanhã?
— Talvez, quarta... Ou quinta... Quando Aurora deixar.
Ela riu.
— Você precisa parar de implicar com a garota.
— Ela que precisa parar de roubar o meu melhor amigo. Ah, e parar de ser chata também.
— É a namorada dele, Sau. Vai ter que saber dividir.
— Mas eu sei. É ela quem não sabe.
Minha mãe riu novamente. Mas só ela achava graça em tudo isso. Eu só sentia raiva mesmo.

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