Lágrimas Silenciosas
"𝙰𝚕𝚐𝚞𝚖𝚊𝚜 𝚌𝚒𝚌𝚊𝚝𝚛𝚒𝚣𝚎𝚜 𝚗𝚞𝚗𝚌𝚊 𝚜𝚎 𝚏𝚎𝚌𝚑𝚊𝚖, 𝚙𝚊𝚛𝚎𝚌𝚎𝚖 𝚎𝚜𝚝𝚊𝚛 𝚒𝚖𝚙𝚎𝚛𝚌𝚎𝚙𝚝í𝚟𝚎𝚒𝚜 𝚙𝚘𝚛 𝚏𝚘𝚛𝚊, 𝚖𝚊𝚜 𝚙𝚘𝚛 𝚍𝚎𝚗𝚝𝚛𝚘 𝚊𝚒𝚗𝚍𝚊 𝚜𝚊𝚗𝚐𝚛𝚊𝚖."
Kate
A dor era tudo que eu conseguia sentir, uma dor que consumia cada fibra do meu ser. Sentada no carro, com a mão pressionando firmemente a ferida, eu lutava para conter as lágrimas que ameaçavam derramar dos meus olhos. Minha visão estava turva, mas eu precisava continuar, precisava chegar em casa. “Está tudo sob controle”, repetia para mim mesma em uma tentativa vã de me tranquilizar.
Rodríguez estava me seguindo? Por que ele estava batendo no vidro do meu carro? Reuni todas as minhas forças para parecer calma, então parei de pressionar a ferida e abri a porta para ele.
— Kate? Belo carro — comentou Rodríguez, se acomodando confortavelmente no assento ao meu lado.
— Obrigada, e onde você está hospedado? — perguntei, lançando um olhar de lado para ele.
— Você esqueceu onde eu morava? Sim, eu fui para a Espanha, mas a casa ainda é a mesma — ele falou rapidamente, com aquela sua fala apressada típica.
— Okay — murmurei, ajustando o cinto de segurança ao nível do meu joelho para evitar mais danos.
— Você está bem? — Rodríguez perguntou, olhando para mim com uma expressão de preocupação.
Eu apenas assenti com a cabeça e aumentei o volume da música, dando a entender que não estava no clima para conversas. Cada quilômetro percorrido era uma batalha para manter a consciência. A sensação de desfalecimento crescendo em minha mente, um inimigo implacável que minava minhas forças. O destino parecia distante, inatingível, enquanto lutava para manter-me acordada, mas também numa corrida contra o tempo e a fraqueza que ameaçava consumir-me por completo.
— Chegamos — anunciei, ao estacionar diante de uma casa cuja arquitetura mesclava o rústico ao moderno, criando um ambiente único.
— Gracias. Amanhã, posso ir até a sua casa? Precisamos conversar. E claro, falarei com minha tia — ele respondeu, já se organizando para sair do carro.
— Claro, vou te enviar o endereço — prometi, digitando rapidamente uma mensagem com os detalhes.
— Vale, hasta mañana — ele disse, despedindo-se e fechando a porta do carro atrás de si.
Sozinha com meus pensamentos, uma fadiga emocional tomou conta de mim. Estava exausta de tudo — das brigas com minha irmã, da pressão vinda de minha mãe, e dessa ferida incessante que parecia simbolizar minhas batalhas internas. Era apenas a superfície dos problemas que enfrentava.
Ignorando a dor tanto física quanto emocional, conduzi o carro para casa, o peito pesado com reflexões não ditas. A poucos minutos da chegada, meu telefone vibrou com uma chamada de Tiago. "Não agora," murmurei para mim mesma, necessitando de espaço para respirar, para organizar os caos dos meus pensamentos.
Estacionei e deixei o veículo com um mínimo de hesitação, entrando em minha casa como quem busca refúgio. Direto ao banheiro, meu olhar encontrou o kit de primeiros socorros. Tratei da ferida com mãos firmes, a eficiência ocultando o tremor interno. Após curar a carne, busquei alívio para a mente: um comprimido para a dor, outro para induzir o sono.
Libertei-me do vestido e da maquiagem com um suspiro de alívio, trocando os incômodos saltos por conforto e simplicidade. Vestida agora para descansar, deitei-me, os olhos pesados desejando o esquecimento temporário que apenas o sono pode oferecer.
Naquela noite, entre os lençóis, entendi uma verdade inquietante: o que vivi até então era apenas a metade da minha jornada, um prólogo para os desafios e revelações que ainda estavam por vir. E apesar da tempestade de emoções a enfrentar, uma parte de mim ansiava por descobrir o restante da história que me compunha. Seria uma jornada de autoconhecimento, repleta de obstáculos, mas também, esperava eu, de crescimento e cura.
Tiago
A noite de ontem foi divertida, mas depois disso não consegui entrar em contato com Kate. Estava perdido em meus pensamentos quando meu laptop não parava de notificar.
Vou rapidamente até a escrivaninha e abro o laptop, vendo as fotos que Kate mandava. Eram os quadros para nova exposição, um mais lindo que o outro.
— Oliver! — gritei chamando meu melhor amigo.
— Conta — ele disse, com um olhar de súplica em seus olhos escuros, um misto de curiosidade e preocupação enquanto eu deslizava pelas imagens, cada uma contando uma história única através da lente de Kate. As cores vibrantes, as formas que dançavam na tela, era como se cada quadro respirasse vida. Oliver, sempre o entusiasta da arte, franziu o cenho em uma expressão de admiração.
— Olha só para essas obras, Oliver. São incríveis! E pensar que a Kate conseguiu capturar tanta emoção, tanta paixão em cada uma delas... — minha voz se perdeu na admiração, enquanto apontava para uma pintura que particularmente roubava a cena — um retrato de uma velha rua em Paris que parecia pulsar com a vida cotidiana, tão realista que quase podíamos ouvir os sons distantes dos cafés e o farfalhar das árvores ao vento.
— Kate sempre foi talentosa — Oliver concordou, sentando-se ao meu lado, sua atenção agora totalmente capturada pelas imagens na tela. — Mas isso... Isso está em outro nível. Você falou com ela hoje? Ela mencionou algo sobre a inspiração por trás desses quadros?
Sacudi a cabeça, frustração tingindo a minha voz.
— É justamente isso que me intriga. Tentei falar com ela após a noite de ontem, mas meu celular parece deserto de suas respostas, um silêncio incomum vindo dela. E agora, estas fotos aparecem sem nenhum contexto.
Oliver tocou meu ombro em um gesto de conforto.
— Ela deve estar ocupada preparando a exposição. Esses quadros... eles devem ter exigido tudo dela. Talvez, quando tudo acalmar, ela te conte tudo sobre eles.
Acenei, um pouco apaziguado por suas palavras.
— Talvez você esteja certo. Mas não consigo evitar me preocupar. Algo sobre a energia desses quadros... Eles parecem tão... pessoais.
— Enfim, preciso ir deixar Adrielly na escolinha. Você vê se come alguma coisa de verdade — falei, olhando para Oliver.
Oliver apenas revirou os olhos e seguiu em direção para fora do cômodo.
Rapidamente terminei minha sessão no laptop e comecei a colocar meus sapatos pretos que combinam com o meu terno preto também.
Saindo em direção à casa do meu pai onde eu iria pegar a Adrielly.
Kate
A manhã chegou com raios suaves penetrando as cortinas, trazendo a promessa de um novo dia, e com ele, novas possibilidades. Arrastando-me para fora da cama, a lembrança da noite anterior se misturava aos primeiros alertas do dia, um sussurro de que havia muito ainda a ser feito, muitas perguntas a serem respondidas.
A cozinha tornou-se meu refúgio matinal, onde uma xícara de café prometia a dose de coragem necessária para enfrentar o que viria. As lembranças da noite anterior, embora ainda vivas, começavam a se transformar em determinação. Determinação para enfrentar o desconhecido, para desafiar os ventos da mudança que, eu sabia, logo soprariam em minha direção.
No reflexo da janela, observava a figura que eu me tornara, uma silhueta que, apesar da fragilidade visível, escondia uma força ainda não totalmente explorada. Era hora de deixar para trás os medos e inseguranças, mergulhando de cabeça na busca pelo meu verdadeiro eu, quem eu era além das expectativas alheias, além dos papéis que me foram impostos sem consentimento.
A tarde estava começando a esfriar quando ouvi a campainha tocar. Um misto de ansiedade e empolgação tomou conta de mim. Sabia exatamente quem era antes mesmo de abrir a porta. Rodríguez, um amigo de longa data, tinha combinado de passar a tarde comigo. Estávamos ambos ansiosos por esse reencontro, já que nossas vidas agitadas nos deixavam pouco tempo para estes momentos.
Assim que abri a porta, seu sorriso contagiante já preencheu o ambiente.
— Kate! Que saudade! — exclamou ele, enquanto me envolvia em um abraço apertado. Era incrível como, apesar do tempo e das distâncias, nossa conexão permanecia intacta.
Convidando-o para entrar, ele trouxe consigo uma aura de leveza e alegria que só sua presença era capaz de trazer. Rodríguez tinha esse dom; transformava momentos simples em memórias inesquecíveis. Enquanto ele se acomodava no sofá, rapidamente preparei algo para bebermos. Sabia que nossa conversa se estenderia por horas.
Sentados frente a frente, as palavras começaram a fluir com naturalidade. Rodríguez me contou sobre suas recentes aventuras, projetos e sonhos. Seu entusiasmo era palpável, e eu me pegava sorrindo só de ouvir suas histórias. Ele tinha essa capacidade única de fazer você se sentir parte de suas jornadas, mesmo que apenas ouvindo suas narrativas.
— Então, por que você se mudou? — Rodríguez perguntou e logo o nosso semblante mudou.
— É meio complicado, as coisas complicaram. Mamãe não queria aceitar quem eu sou, então eles me expulsaram de casa — falei segurando o choro.
— Katherine? Por que você não me ligou? Você sabe que eu daria um jeito para voltar — falou Rodríguez me envolvendo em seus braços.
— Sabia que ninguém nunca mais me chamou por Katherine? — falei um pouco surpresa.
— Normal, ninguém consegue pronunciar como eu — falou mostrando humor.
A tarde deu lugar ao crepúsculo, e nem percebemos o tempo passar. Conversamos sobre tudo e sobre nada, debatendo desde assuntos profundos até as trivialidades do cotidiano. Rimos, compartilhamos segredos e até mesmo nos permitimos momentos de silêncio confortável. Há algo incrivelmente precioso na capacidade de compartilhar o silêncio com alguém sem que isso pareça incômodo ou estranho.
— Você voltou para ficar? — perguntei quebrando o silêncio.
— Sí, quem era aquele homem com você ontem? — Rodríguez perguntou e respondeu tudo de uma vez.
— É o Tiago, ele é meu sócio na galeria e eu dou aulas para a irmã dele, Adrielly — falei empolgada.
— Quer um spoiler? Essa história vai ter um final horrível ou talvez não! — falou Rodríguez com seu lado sarcástico.
Logo em seguida, caímos na gargalhada. Afinal, o que poderia dar errado?
Após compartilhar os motivos detalhados por trás de minha decisão de sair de casa, uma sensação de alívio profundo tomou conta de mim. Era como se, ao verbalizar meus sentimentos e experiências, eu tivesse dividido o peso que carregava em meus ombros, aliviando metade do meu fardo. A confissão de meus motivos, com todos os seus pormenores, serviu como uma espécie de catarse, liberando-me de uma carga emocional que, até então, parecia insuportável. Finalmente, senti-me leve, quase flutuando, livre das amarras que me prendiam a um passado doloroso, pronto para enfrentar o futuro com uma nova perspectiva.
Rodríguez sempre teve esse efeito sobre mim; ele me fazia sentir compreendida em um nível que poucos conseguiram. Sua empatia e humor eram um bálsamo para os dias mais cinzentos. Aquele encontro, apesar de simples, reacendeu em meu coração a importância das conexões humanas. Era a prova de que, não importa o quão ocupados nos tornamos ou o quão distantes possamos estar, o vínculo que compartilhamos com certas pessoas é imutável.
— Quantos corações você quebrou na Espanha? — perguntei curiosa.
— Nenhum — respondeu seco.
— Sério? Parabéns — respondi rindo.
A dor retornou, implacável e cruel, avassalando minha perna com uma intensidade que me fazia questionar se ela ainda era parte de mim. Era um tormento, uma provação que parecia desafiar os limites da resistência humana, mas, por algum motivo, um sorriso teimoso ainda brincava em meus lábios. A dor era antiga conhecida, um lembrete constante da minha vulnerabilidade, mas também da minha força para suportá-la.
Nesse meio tempo, Rodríguez, alheio à tempestade de dor que se desenrolava em meu ser, pediu casualmente por um pouco de gelo para sua bebida. Uma tarefa trivial para a maioria, mas para mim, naquele momento, parecia uma jornada épica. A aflição da dor me prendia ao assento, cada movimento exigindo um esforço muito árduo, enquanto eu lutava para reunir a força necessária para atender a simples solicitação.
Levaram-se alguns minutos, minutos que se arrastavam como horas, para eu conseguir me erguer. A atmosfera parecia densa, cada passo um desafio, enquanto eu avançava penosamente em direção à cozinha, determinada a não deixar que minha condição me impedisse de cumprir o que era pedido. O caminho, embora curto, estava saturado de dor e determinação, um verdadeiro teste da minha resiliência.
Finalmente, com o gelo em mãos, retornei, cada passo uma conquista, cada avanço um triunfo sobre a adversidade. Foi nesse momento, porém, que a realidade me golpeou com sua surpresa cruel: tudo desvaneceu em uma tela preta, um apagão súbito que me roubou o cenário, a missão e a sensação de vitória tão duramente conquistada.
Tiago
Após deixar Adrielly, a pequena luz da minha vida, na escolinha matinal, segui para um compromisso inevitável: uma reunião com meu pai e o conselho de administração da empresa familiar. As horas se arrastaram numa sinfonia de debates e apresentações que testaram os limites da minha paciência. Finalmente, com o encerramento da reunião, uma sensação de liberdade tomou conta de mim, e com urgência, iniciei a jornada para buscar Adrielly.
Enquanto o cenário urbano desfilava pela janela do meu carro, os planos para a exposição que eu estava organizando começaram a se alinhar em minha mente. Optei por realizá-la na quarta-feira, dando-me apenas dois dias para acertar todos os detalhes. Mesmo assim, estava confiante de que, com o auxílio de uma equipe eficiente e a entrega dos convites hoje, tudo se encaixaria perfeitamente.
Minhas reflexões foram interrompidas ao chegar na escolinha de Adrielly. Ali, vi-a à distância, um pequeno sol radiante com cachos dançantes e um sorriso contagiante que iluminou meu dia.
— Tiago! — ela gritou, correndo ao meu encontro, sua alegria pura e genuína desfazendo qualquer resquício de estresse que a reunião pudesse ter deixado.
— Adri, como foi o dia? Aprendeu coisas novas? — perguntei, embalando-a num abraço que falava mais do que palavras poderiam expressar.
— Kate? Onde ela está? — Adrielly perguntou, seu semblante trazendo à tona a ausência de sua pessoa favorita.
— Está trabalhando, lindinha. Que tal irmos comer sorvete para alegrar o dia? — desviei, sabendo que um doce favorito seria um bom consolo.
— Eu, eu, eu! — ela respondeu, seus pequenos pés iniciando uma dança espontânea de pura alegria.
Com um sorriso que espelhava o dela, levantei Adrielly, acomodando-a cuidadosamente no carro. Então, assumi o volante, iniciando nosso trajeto para a sorveteria, onde as risadas e o sabor doce do sorvete prometiam ser o fechamento perfeito para um dia cheio de obrigações.
O dia estava se despedindo, pintando o céu com tons pastéis de laranja e rosa. A música suave no rádio preenchia o carro, proporcionando um ambiente aconchegante enquanto dirigíamos em direção à sorveteria. Adrielly estava animada, balançando os pés e conversando sem parar sobre as coisas que aprendeu na escola. Sua inocência e entusiasmo eram contagiantes, fazendo com que todos os meus problemas parecessem insignificantes.
Ao chegarmos na sorveteria, a alegria de Adrielly foi ao pico. Ela pulou do carro e correu para a porta, os cachos brilhando sob a luz do fim da tarde. Escolheu o sabor de morango, seu favorito, e assistiu com olhos brilhantes enquanto a atendente preparava seu sorvete.
Sentamos em uma das mesas ao ar livre, desfrutando do clima agradável. A felicidade de Adrielly era contagiante, e não pude evitar um sorriso enquanto a via saborear seu sorvete, com marcas rosas nos cantos da boca.
Conversamos sobre o seu dia, as novas amizades que fez e as atividades que realizou na escola. A cada história, a cada risada, eu sentia uma gratidão enorme por aqueles momentos simples, mas significativos, compartilhados com minha irmã.
— Tiago? — falou Adrielly chamando a minha atenção.
— Sim, princesa? — respondi, olhando para ela.
— Kate não me ama mais? — apesar de Adrielly ser uma criança, ela era muito inteligente. Ela fez essa pergunta olhando fixamente para mim, buscando respostas nos meus olhos, talvez.
— Oh minha pequena! É possível isso? Você sabe que ninguém consegue parar de amar você, mas Kate precisava de um tempinho para ela — falei confortando minha irmã.
Quando a noite finalmente caiu, e o último pedaço de sorvete foi saboreado, peguei a mão pequena e pegajosa de Adrielly e caminhamos de volta para o carro. Enquanto dirigia de volta para casa, com Adrielly adormecida no banco de trás, senti uma sensação de paz e contentamento.
O dia pode ter começado com uma reunião estressante, mas terminou com um sorriso. E no final, essas são as memórias que realmente importam. Aquelas que trazem um sorriso ao rosto e aquecem o coração. Enquanto refletia sobre o dia, percebi que não importa quão caótico ou estressante possa ser o dia, sempre haverá um momento de alegria que vale a pena ser lembrado. E naquele dia, foi a alegria de Adrielly, a pequena luz da minha vida.
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