Lágrimas De Um Amor Perdido
"A que estou tão apegado? Seus olhos que não olham para mim, ou seu coração que não é meu?"
3 meses depois
Kate
Três meses se passaram e minha vida virou de cabeça para baixo. Adrielly recebeu alta há algum tempo e está morando com Bianca e Tiago, ele achou que seria a melhor decisão e, pensando bem, ele estava certo. Eu, por outro lado, me isolei do mundo, perdida em meus próprios pensamentos. Rodríguez foi enviado para uma missão de contrabando no Texas e mal temos nos visto, mas sempre mantemos contato.
Nos últimos meses, perdi cerca de sete quilos. A fome desapareceu e o sono se tornou um luxo inalcançável. Amar demais me fez esquecer de me amar. Agora, estou na cama, quase sempre dopada. Os remédios se tornaram minha única saída. A galeria, que antes era meu refúgio e minha paixão, agora é uma ferida aberta. Terminei a parceria com Tiago de maneira abrupta e dolorosa. A arte, que antes era uma expressão da minha alma, tornou-se um lembrete constante do que perdi. Os planos que fizemos juntos, as exposições e os sonhos compartilhados, tudo parece distante e irrelevante.
Os planos que Tiago e eu fizemos? Ele realmente vai se casar em algumas horas? É possível que o amor da minha vida vá se casar com minha irmã? Desisti de tudo que me era precioso. Ontem, terminei mais um caderno escrever tem sido minha única terapia. Fiz uma caixa cheia desses cadernos.
Sei que estou misturando muitas informações. Estou perdida e exausta. Não quero mais ser forte; quero me sentir frágil sem me culpar. Quero gritar e chorar, mas não consigo, e isso me mata pouco a pouco. Realmente choro, mas temo que haverá um dia em que explodirei de tanta dor guardada.
Escrever aqui é um grito silencioso, uma tentativa de encontrar algum alívio. Talvez, um dia, eu consiga juntar os pedaços e redescobrir quem sou. Por agora, apenas sobrevivo.
Levantei da cama com um peso no peito que tornava cada movimento um esforço consciente. O sol da manhã espreitava pelas cortinas, lançando raios tímidos no quarto, como se também ele hesitasse em começar o dia. Caminhei até o banheiro, tentando silenciar os pensamentos que martelavam na minha mente.
A água fria do lavatório trouxe um choque de realidade, mas não o suficiente para dissipar a névoa de emoções conflitantes. Iniciei minha rotina matinal, um ritual automático que deveria trazer conforto, mas que hoje parecia uma tarefa hercúlea.
Com a escova de dentes na mão, olhei para o espelho e vi um reflexo de incerteza. Meu rosto, pálido e exausto, contava uma história de noites mal dormidas e preocupações constantes. Respirei fundo, tentando encontrar um ponto de calma em meio ao turbilhão interno.
Peguei a base e comecei a aplicá-la no rosto, mas minhas mãos estavam trêmulas. Cada movimento parecia um teste de habilidade, um desafio para manter a compostura. "Estou realmente me preparando para o casamento da minha irmã e do homem que um dia eu pensei ser o amor da minha vida?", pensei, enquanto o delineador borrava sob meus olhos.
A maquiagem, que deveria ser uma máscara de confiança, transformava-se em uma tela de vulnerabilidade. Cada pincelada era uma tentativa de esconder a dor, de mascarar a tristeza que ameaçava transbordar a qualquer momento. O batom vermelho, símbolo de força e paixão, agora parecia um lembrete cruel de um amor que não era mais meu.
Sentei-me na beirada da banheira, segurando o frasco de perfume com mãos trêmulas. Fechei os olhos e inalei o aroma familiar, tentando ancorar-me nas memórias de tempos mais felizes. Mas a fragrância, em vez de consolar, trouxe à tona lembranças de risos compartilhados e promessas não cumpridas.
Terminei a maquiagem com um último esforço de determinação, sabendo que, independentemente de como eu me sentisse, precisava estar lá para minha irmã. Ela, que sempre foi minha confidente, minha amiga, agora se tornava a noiva radiante. E eu, mesmo com o coração em pedaços, deveria ser seu apoio incondicional.
Levantei-me, endireitei os ombros e dei um último olhar no espelho. O reflexo mostrava uma mulher composta, mas os olhos, ah, os olhos, eles jamais poderiam esconder a verdade. Respirei fundo mais uma vez e saí do banheiro, pronta para enfrentar o dia, pronta para celebrar um amor que, de alguma forma, eu precisaria aprender a deixar ir.
Caminhei até o guarda-roupa e, com um suspiro pesado, retirei de lá o vestido preto que havia escolhido para a ocasião. Era simples e elegante, um contraste gritante com a alegria que a ocasião normalmente exigiria. Vesti-o lentamente, sentindo o tecido suave deslizar sobre minha pele, como se o próprio vestido compartilhasse do meu luto silencioso.
Cada botão fechado parecia selar um capítulo da minha vida, cada ajuste no tecido era uma tentativa de compor a fachada que eu precisaria manter. Com o vestido preto, eu me tornava uma figura de mistério e resiliência, pronta para enfrentar o que quer que viesse pela frente.
Mais uma vez, olhei para o espelho, agora vendo uma mulher vestida de preto, pronta para o dia. A dor ainda estava lá, oculta sob o tecido escuro, mas eu sabia que precisava seguir em frente, por minha irmã e, talvez, por mim mesma.
Saí do quarto com passos hesitantes, sentindo o peso do dia que se desenrolava à minha frente. Cada passo ecoava nos corredores vazios do apartamento, amplificando a solidão que me acompanhava. A sala, iluminada pela luz suave do amanhecer, parecia um espaço de tranquilidade precária, um refúgio momentâneo antes da tempestade emocional que se aproximava.
Na cozinha, o aroma do café recém-passado oferecia um conforto ilusório. Peguei uma xícara e me sentei à mesa, tentando encontrar um momento de paz. Olhei para o relógio, sabendo que precisava me apressar. A celebração estava prestes a começar, e eu não podia me atrasar. Mesmo com o coração pesado, sabia que minha presença era essencial.
Depois de um gole de café, voltei ao quarto para pegar minha bolsa e as chaves do carro. O trajeto até a casa de eventos seria curto, mas a viagem interna parecia interminável. Cada quilômetro percorrido era um passo mais perto de um confronto inevitável com o passado.
Cheguei ao local e estacionei o carro, respirando fundo antes de sair. O jardim estava decorado com flores e luzes, um cenário perfeito para o casamento dos sonhos de minha irmã. Caminhei até a entrada, passando por rostos familiares que me cumprimentavam com sorrisos calorosos. Forcei um sorriso em resposta, tentando esconder a tempestade interna.
Na sala de preparação, encontrei minha irmã, radiante em seu vestido de noiva. Ela correu até mim, envolveu-me em um abraço apertado e sussurrou: - Obrigada por estar aqui. Eu não conseguiria sem você.
Aquelas palavras, tão simples e sinceras, alimentaram uma centelha de força dentro de mim. Eu sorri, desta vez genuinamente, e segurei suas mãos nas minhas. Mas a verdade que estava guardada em meu coração precisava ser dita.
- Bianca - comecei, a voz firme, mas carregada de emoções reprimidas. - Hoje é um dia especial para você, e eu estou aqui porque ainda tenho consideração por você. Mas não venha com essa falsidade de que somos irmãs unidas. Essa união que você menciona nunca existiu de verdade.
Ela recuou levemente, surpresa e confusa, os olhos procurando os meus em busca de explicação. Continuei, sem vacilar:
- Você ganhou, Tiago é seu. Os pais são seus, até Adrielly é sua. Sempre foi tudo sobre você, não é? Cada momento, cada vitória, cada pequena atenção. Nunca houve espaço para mim, para meus sentimentos ou minhas necessidades.
Bianca abriu a boca para falar, mas eu a interrompi, sentindo a necessidade de liberar tudo o que estava preso dentro de mim.
- Não estou dizendo isso para arruinar seu dia, mas para que você entenda. Eu sempre estive à sua sombra, sempre me senti a segunda opção, a que não importa. E é por isso que, apesar de estar aqui hoje, ainda tenho um pedaço do meu coração que sofre por todas as vezes que você não teve consideração por mim.
Ela ficou em silêncio, as palavras parecendo pesadas demais para serem processadas de imediato. Havia um brilho de lágrimas em seus olhos, mas eu não podia parar agora.
- Bianca, eu te desejo toda a felicidade do mundo, de verdade. Mas não me peça para fingir que tudo está bem entre nós. Se um dia você quiser realmente consertar isso, terá que começar reconhecendo os erros e as mágoas que causou.
Ela finalmente encontrou sua voz, embora trêmula e cheia de emoção. - Nu... nunca foi minha intenção te machucar.
- Eu sei - respondi suavemente. - Mas a dor estava lá, mesmo assim. E agora, você precisa saber disso. Para que, talvez, um dia possamos realmente ser irmãs unidas, sem falsidades.
Com isso, segui para a área onde outros familiares e amigos já começavam a se reunir. O salão estava decorado com elegância, flores brancas e luzes suaves criando uma atmosfera mágica. Cada cumprimento, cada sorriso, era um lembrete da alegria que o dia deveria trazer. No entanto, meu coração estava dividido entre a felicidade pelo casamento de minha irmã e a dor que ainda carregava dentro de mim.
Meus olhos procuraram instintivamente por ele, aquele que um dia foi tão importante em minha vida. Mas rapidamente desviei o olhar, sabendo que a dor só aumentaria ao vê-lo. O amor que um dia compartilhamos agora parecia uma ferida aberta, uma lembrança constante do que poderia ter sido.
A cerimônia começou e sentei-me na primeira fila, ao lado de conhecidos que me cumprimentavam calorosamente. Contudo, sentia-me estranhamente isolada, como se uma barreira invisível me separasse do restante dos convidados. A música suave e as palavras do celebrante soavam distantes, ecoando em minha mente como se viessem de um mundo paralelo.
Enquanto o celebrante falava eloquentemente sobre amor e compromisso, meus pensamentos divagavam. Lembrei-me das brincadeiras inocentes de infância, quando Bianca e eu sonhávamos com nossos futuros perfeitos, vestidos de noiva improvisados e flores de papel. Nunca imaginei que um dia estaríamos aqui, no altar, não como melhores amigas, mas como duas pessoas tentando resgatar laços frágeis.
- Bianca Carter, você aceita Tiago Stone como seu legítimo esposo? Promete amá-lo e honrá-lo na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe? - perguntou o celebrante, a voz firme e solene.
- Sim - respondeu Bianca, com um sorriso radiante enquanto acariciava seu ventre, onde carregava o futuro de ambos.
- Tiago Stone, você aceita Bianca Carter como sua esposa? Promete amá-la e respeitá-la na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe? - o celebrante repetiu, virando-se para Tiago.
Tiago demorou um instante para responder, seus olhos encantadores se encontraram com os meus. Por um breve momento, eu acreditei que ele diria não, que atravessaria a sala e me levaria embora. Ainda o amava, e esse sentimento era avassalador.
- Sim, aceito - falou Tiago, sorrindo para Bianca.
Minhas lágrimas caíram silenciosamente. Até o último segundo, esperei por um milagre que nunca veio. Me perguntei a que eu estava realmente apegada: aos seus olhos que não me olhavam, ou ao seu coração que nunca foi meu? E ali, diante de todos, estava consumado. Bianca e Tiago agora eram marido e mulher.
A cerimônia prosseguiu em um borrão de emoções. As palavras do celebrante tornaram-se um murmúrio distante enquanto a realidade se afundava em meu coração. Bianca e Tiago, agora unidos como marido e mulher, estavam apenas a poucos passos de distância, mas pareciam a um mundo de mim.
Bianca estava radiante em seu vestido branco, o tecido fluindo suavemente a cada movimento. Seus olhos brilhavam de felicidade, e sua mão nunca deixava seu ventre, um lembrete constante da nova vida que estava por vir. Tiago, ao seu lado, parecia calmo e sereno, mas havia uma intensidade em seu olhar que eu conhecia muito bem. Era o olhar de alguém que estava tentando se convencer de que tudo estava certo.
Eu me lembrei das noites em que Tiago e eu conversávamos até o amanhecer, nossas almas se conectando de uma maneira que eu nunca havia experimentado antes. Ele falava de seus sonhos, suas inseguranças, e eu sentia que havia uma parte dele que só eu conhecia. Mas agora, tudo isso parecia uma memória distante, quase irreal.
O celebrante anunciou que era hora da troca de alianças. Adrielly, a irmã pequena de Tiago, caminhou pelo corredor com um sorriso tímido, carregando as alianças em uma pequena almofada branca. Seus passos eram leves, mas cada um deles parecia pesar uma tonelada em meu coração. Bianca e Tiago se voltaram um para o outro, seus rostos iluminados por sorrisos genuínos. As alianças, símbolos de um compromisso eterno, foram colocadas com cuidado em seus dedos. O brilho dourado refletia a luz suave da igreja, selando o pacto que acabavam de fazer.
- Eu os declaro marido e mulher - disse o celebrante, e a multidão explodiu em aplausos.
Eu forcei um sorriso, aplaudindo junto com todos, mas meu coração doía. A visão de Tiago beijando Bianca foi um golpe final, um lembrete cruel de que ele nunca seria meu. Eles caminharam pelo corredor, recebendo felicitações e abraços, e eu me senti como uma espectadora em minha própria vida.
Após a cerimônia, durante a recepção, tentei me manter ocupada, conversando com outros convidados e fingindo interesse nas trivialidades. Mas meus olhos sempre voltavam para o casal. Vi Tiago rir com os amigos, Bianca dançar com uma energia contagiante, e me perguntei se algum dia conseguiria superar isso.
De repente, senti um puxão suave na barra do meu vestido. Olhei para baixo e vi Adrielly, a irmãzinha de Tiago, olhando para mim com seus grandes olhos curiosos.
- Kate - ela chamou com sua voz doce e inocente.
- Minha alma - respondi, abaixando-me para abraçá-la. Seu pequeno corpo trouxe um conforto inesperado.
- Você está bem? - perguntou Adrielly, sua preocupação clara em seu tom.
- Estou, meu amor - respondi, tentando sorrir enquanto a abraçava mais forte.
- Não, você não está - disse Adrielly, brincando com os meus cabelos. - Você está doente no coração, e essa doença é perigosa.
Sorri tristemente com a sabedoria simples de uma criança. Antes que eu pudesse responder, ela continuou:
- Se você quiser, pode chorar - falou, seus olhos fixos nos meus.
- Você nunca me verá chorar. Eu sou forte como uma princesa - falei, tentando manter a firmeza na voz.
Adrielly inclinou a cabeça para o lado, pensativa, antes de responder:
- As princesas também choram às vezes. Não é ruim ter os olhos de oceano. - Ela me deu um beijinho na bochecha e sorriu. - Agora vou brincar com os meus amigos. Eu te amo.
- Eu também te amo - falei, observando-a correr alegremente de volta para a festa. Suas palavras ecoaram em minha mente, trazendo um conforto inesperado.
Finalmente, decidi sair para tomar um ar. O jardim da recepção estava iluminado por luzes suaves, e a brisa da noite era refrescante. Sentei-me em um banco, olhando para o céu estrelado, tentando encontrar alguma paz.
O som distante de risadas e música parecia pertencer a outro mundo, um mundo do qual eu não fazia mais parte. Com os olhos fixos nas estrelas, deixei que a serenidade da noite acalmasse meu coração turbulento, mesmo que por um breve momento.
- Você está bem? - uma voz familiar perguntou, quebrando o silêncio.
Olhei para cima e vi Tiago. Ele havia deixado a festa para me procurar. Por um momento, senti uma centelha de esperança, mas rapidamente a apaguei.
- Só precisava de um momento sozinha - respondi, tentando parecer indiferente.
Tiago se sentou ao meu lado, e o silêncio entre nós era carregado de coisas não ditas. Finalmente, ele falou:
- Eu sempre vou me importar com você, você sabe disso, certo?
Assenti, as palavras presas na garganta. Ele segurou minha mão por um breve instante, um gesto de conforto que só aumentou minha dor.
- Espero que você encontre sua felicidade, assim como eu encontrei a minha - ele disse, antes de se levantar e voltar para a festa.
Fiquei ali, sozinha, olhando para as estrelas. Adrielly estava certa; às vezes, até as princesas choram. E naquela noite, sob o vasto céu estrelado, permiti que as lágrimas finalmente caíssem, na esperança de que, um dia, meu coração encontrasse a cura que tanto precisava.
Depois de algum tempo afastada, decidi voltar para a festa. O salão estava iluminado de maneira suave, criando um ambiente acolhedor. O casal dançava ao som de "Until I Found You". Aquela era a nossa música. Eu e Tiago já havíamos rodopiado ao ritmo daquela melodia tantas vezes, e a lembrança apertava meu peito como se uma mão invisível estivesse ali.
- Pare de chorar, pepita - disse minha mãe, surgindo ao meu lado. Aquele apelido... sempre carregado de uma mistura agridoce de ternura e ironia.
Antes que eu pudesse responder, ela continuou, a voz fria e cortante como uma lâmina afiada:
- Você me perguntou por que eu não amo você? É porque você é uma desilusão como pessoa e como filha. Talvez você nunca vá ser amada. Aceite isso.
Senti um nó se formando na garganta, as palavras dela perfurando meu coração como estilhaços de vidro.
- Por favor, mãe, pare - implorei, minha voz trêmula.
Ela ignorou minha súplica, soltando uma risada que ecoou como um trovão em meus ouvidos.
- Pepita, quando você era criança, você adorava um filme, e hoje, vendo você nessa situação, entendo o porquê - disse ela, o sarcasmo pingando de cada sílaba.
- Mãe... - tentei mais uma vez, minha voz agora um sussurro desesperado.
- Calma, estou lembrando as falas - respondeu ela, pensativa. - Vou usar no meu discurso, fique atenta.
Ela se afastou, deixando suas palavras como um eco doloroso em minha mente. Fiquei ali, paralisada, tentando processar o impacto de sua crueldade. Meus olhos seguiram o casal no centro do salão, onde Tiago e Bianca se preparavam para fazer seus votos. Eles haviam deixado essa parte para o final, uma escolha incomum, mas que aumentava a expectativa.
Bianca começou a falar, mas seus votos se perderam no fundo da minha mente. Eu estava distraída, bebendo vinho e olhando para Adrielly, que brincava alegremente em um canto. No entanto, quando Tiago começou a falar, sua voz inconfundível capturou minha atenção instantaneamente.
- Você me salvou de todas as formas que uma pessoa pode ser salva. Você foi a minha cura, segurou o meu coração quando eu não conseguia suportá-lo.
Essas palavras... eu as conhecia. Eram familiares demais. Meu coração acelerou, e uma sensação de déjà vu tomou conta de mim. Continuei ouvindo, cada palavra mais dolorosa que a anterior.
- Você acalmou o oceano turbulento dentro de mim. Pode parecer estranho, mas quando nossos olhos se cruzaram pela primeira vez, tive a certeza absoluta de que seria você, hoje, amanhã e para sempre.
Tiago fez uma pausa. Minha mente voltou para o momento em que eu havia dito essas mesmas palavras a ele. Era a minha declaração, agora proferida para outra mulher, a mulher que ele amava.
Ele continuou, a voz cheia de emoção:
- Te amo como nunca amei ninguém. Vivo por você. Você é a lua que ilumina meu céu estrelado, o girassol que segue a luz do meu sol, as ondas que dançam no meu oceano.
Essas foram as palavras que Tiago havia dito a mim, uma vez, em um momento que parecia pertencer a outra vida. Agora, ele as repetia para Bianca, a mulher da vida dele.
O salão irrompeu em aplausos, mas eu me sentia como se estivesse em outro mundo, um onde o tempo havia parado. As palavras de minha mãe, os votos de Tiago, tudo se misturava em um turbilhão de emoções dentro de mim.
Minha mãe, sempre aproveitando cada oportunidade para se destacar, caminhou até o centro do palco, ao lado dos noivos. Pegou o microfone com a confiança de quem estava prestes a fazer um grande discurso. A sala silenciou em expectativa.
- Queridos amigos e familiares, - começou ela, a voz firme e segura. - Hoje é um dia de celebração, de amor e de novos começos.
Seus olhos passaram por mim, um brilho quase imperceptível de malícia. Eu sabia que o pior ainda estava por vir.
- Lembro-me de quando Tiago e Bianca se conheceram - continuou ela, sorrindo. - Foi como um conto de fadas, um daqueles encontros que a gente só vê em filmes. E eu, que sempre fui uma grande observadora da vida, percebi algo especial desde o início.
A sala estava em silêncio absoluto, todos pendentes de suas palavras. Eu sentia meu coração acelerar, sabendo que era apenas uma questão de tempo até que ela lançasse a próxima pedra.
- Mas hoje, quero falar sobre outra pessoa também - disse ela, com um tom que me fez gelar. - Minha outra filha, que está aqui, presente nesta celebração.
Senti todos os olhares se voltarem para mim. Queria desaparecer, ser engolida pela terra.
- Pepita, - ela disse, com um sorriso que não chegava aos olhos. - Um brinde para você, sempre a dama de honra, nunca a noiva.
A cada palavra, eu podia sentir a tensão aumentar no ar. Ela estava prestes a dar o golpe final.
- Pepita, diga-me - continuou ela, a voz carregada de sarcasmo - O coração ainda se desilude depois que ele para de bater? Você é a outra mulher.
Foi nesse momento que tudo fez sentido. As palavras dela, carregadas de veneno, eram tiradas de um filme antigo que eu amava na infância. Naquele instante, entendi a cruel ironia de minha mãe. Ela estava usando algo que eu adorava para me ferir, para transformar uma situação já dolorosa em algo insuportável.
O salão, que antes estava silencioso em expectativa, agora parecia sufocante. As luzes suaves que criavam um ambiente acolhedor agora pareciam holofotes implacáveis, destacando minha humilhação. As lágrimas escorriam sem controle pelo meu rosto, cada gota carregando um fragmento da dor que eu sentia.
Tiago e Bianca olhavam para mim, constrangidos e sem saber como reagir. Meu coração estava em pedaços, mas, paradoxalmente, naquele momento de extremo sofrimento, algo dentro de mim começou a se fortalecer. A crueldade de minha mãe, a indiferença de Tiago, tudo contribuía para uma transformação interna que eu não sabia que era possível.
Respirei fundo e decidi que precisava enfrentá-los uma última vez. Caminhei em direção ao casal, cada passo pesado como se estivesse carregando o peso do mundo. Ao me aproximar, notei o olhar de surpresa no rosto de Tiago. Bianca, por outro lado, parecia radiante, como se nada pudesse abalar sua felicidade.
- Parabéns aos dois - disse com um sorriso que não alcançava meus olhos. - Vocês realmente merecem toda a felicidade do mundo.
Tiago hesitou, mas Bianca, sempre a socialite perfeita, respondeu com um brilho nos olhos:
- Muito obrigada, Kate! Isso significa muito para nós.
Houve um breve silêncio, aquele tipo de silêncio que carrega mais significado do que qualquer palavra. Eu sabia que era a minha deixa para sair.
- Bom, acho que já é hora de eu ir. Foi uma linda cerimônia. Desejo tudo de bom para vocês - acrescentei, tentando manter a compostura.
Tiago finalmente encontrou sua voz.
- Kate, obrigado por vir. Realmente significa muito. Cuide-se.
Assenti, sentindo um nó se formar na garganta. Dei um último olhar para Adrielly, que agora estava ocupada com um grupo de crianças, rindo e correndo sem preocupações. Aquela cena trouxe um pouco de calor ao meu coração.
Saí do salão, sentindo um misto de alívio e tristeza. O caminho até a saída parecia interminável, e as lágrimas que eu havia segurado durante toda a noite finalmente começaram a cair. Cheguei ao carro e me permiti chorar em silêncio por alguns minutos antes de ligar o motor.
Enquanto dirigia de volta para casa, o vazio no meu peito parecia consumir tudo ao meu redor. Mas havia uma pequena chama de esperança, uma faísca que me dizia que, apesar de tudo, eu conseguiria seguir em frente. A vida, como sempre, continuaria. E eu, de alguma forma, encontraria a força para recomeçar.
Cheguei em casa sentindo-me exausta, tanto física quanto emocionalmente. Cada passo até o sofá parecia um esforço monumental. Sentei-me pesadamente e encarei a sala vazia, o silêncio ecoando meus pensamentos turbulentos. A dor e a tristeza eram avassaladoras, e tudo o que eu queria era escapar, mesmo que apenas por algumas horas.
Levantei-me lentamente e fui até o banheiro, abrindo o armário de remédios. Lá estavam os comprimidos que o médico havia prescrito meses atrás, para momentos de insônia severa. Eu sabia que não era a solução ideal, mas, naquele momento, não via outra saída.
Com mãos trêmulas, peguei um copo de água e um dos comprimidos. Olhei para o remédio por um instante, refletindo sobre a decisão que estava prestes a tomar. Não era a primeira vez que eu recorria a eles, mas esperava que fosse a última.
Engoli o comprimido e voltei ao sofá, deitando-me com um suspiro pesado. Fechei os olhos, esperando que o sono viesse rápido e me levasse para longe daquela realidade dolorosa, pelo menos por algumas horas.
Enquanto o efeito do remédio começava a se espalhar pelo meu corpo, senti uma leveza tomar conta de mim. Os pensamentos foram ficando mais distantes, as preocupações mais nebulosas. Finalmente, a escuridão me envolveu, trazendo-me a paz que eu tanto ansiava.
Naquele momento, tudo o que importava era o presente. O amanhã, com todas as suas incertezas e desafios, poderia esperar. Por enquanto, eu simplesmente permiti-me desaparecer, deixando que o sono profundo apagasse, temporariamente, a dor que consumia meu coração.
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