Entre Miragens De Amor
" A ilusão é como uma pedra em nossos ombros, que pesa com a dor do que nunca existiu"
Kate
Tiago mal tirava os olhos da estrada enquanto dirigia, mas sua voz transbordava uma gratidão profunda.
— Kate, meu pai agradece por você ter encontrado Adrielly — disse ele, o alívio evidente em cada sílaba.
— Sem problemas. Eu tinha prometido — respondi, tentando soar casual, mas minha voz saiu estranha, uma tonalidade diferente que ele não conseguiu notar, ocupado demais com a felicidade de ter Adrielly segura ao seu lado.
A dor na minha perna estava se tornando insuportável. Cada movimento era uma tortura, mas o medo de causar mais alarde ou preocupar Tiago me mantinha em silêncio. Não queria acrescentar mais peso àquela noite já carregada de tensão.
— Tiago, você se importaria de me deixar em casa? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Ele concordou sem questionar, talvez ainda absorvido demais com o reencontro com Adrielly ou talvez processando a confusão que acabara de acontecer. Mantive a mão firmemente pressionada contra a ferida na minha perna, tentando disfarçar o quão grave era. Sentia o sangue escorrendo pela minha mão, quente e pegajoso, mas continuei a fingir que estava tudo bem.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, desci do carro com dificuldade, tentando não chamar atenção para a minha perna ferida. Cada passo era uma luta contra a dor.
— Obrigado por tudo, Tiago — disse, forçando um sorriso. Minha voz estava estranhamente calma, uma máscara perfeita para o caos interior.
Ele acenou, claramente aliviado por ver Adrielly sã e salva, mas também preocupado com algum pensamento que não conseguiu disfarçar. Talvez estivesse refletindo sobre o perigo que havíamos enfrentado ou sobre o homem que nos havia atacado.
Assim que eles partiram, senti meu corpo desmoronar. Cambaleei até a porta de casa, abrindo-a com a chave que sempre carregava. A casa estava silenciosa, todos já deveriam estar dormindo. Fiz meu caminho até o banheiro, fechando a porta com cuidado para não fazer barulho. A cada passo, a dor na perna se intensificava, latejando com uma força quase insuportável.
Levantei a barra da calça e vi o quão profundo era o corte. Precisava de cuidados médicos, mas como explicar a situação sem envolver Tiago ou Adrielly? Sem mencionar o acordo que eu tinha feito com aquele homem, que agora parecia ter ido por água abaixo.
Peguei o kit de primeiros socorros debaixo da pia e comecei a limpar a ferida o melhor que pude. A dor era quase insuportável, e eu sabia que estava correndo o risco de uma infecção. Enquanto limpava o corte, lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto. Não era só a dor física, mas o peso de tudo o que tinha acontecido naquela noite.
Depois de fazer um curativo improvisado, arrastei-me até meu quarto. Cada movimento era uma batalha contra a dor e o cansaço. Deixei-me cair na cama, exausta e ainda tentando processar os eventos da noite. Tiago havia prometido que não daria dinheiro, mas ainda assim Adrielly estava salva, e eu ferida.
Enquanto a escuridão da noite me envolvia, uma coisa era clara: não havia retorno. Coisas haviam sido colocadas em movimento que não poderiam ser facilmente desfeitas. E, embora minha ferida fosse eventualmente cicatrizar, as cicatrizes invisíveis daquela noite permaneceriam comigo. Eu tinha conseguido cumprir minha promessa, mas a que custo?
Fechei os olhos, tentando encontrar algum consolo no silêncio do meu quarto. O cansaço finalmente venceu, puxando-me para o esquecimento temporário que o sono oferecia. Acordaria amanhã enfrentando as consequências dos meus atos, mas por esta noite, ao menos, permiti-me descansar.
O sono veio como um alívio bem-vindo, mas mesmo nos sonhos, a sombra daquela noite me perseguia. Eu via o rosto de Adrielly, seus olhos cheios de confiança, e o olhar desesperado de Tiago. E, no fundo, a figura sombria do homem que nos havia atacado, um lembrete constante de que o perigo ainda espreitava.
Amanhã seria um novo dia, cheio de desafios e batalhas internas. Mas, por agora, deixei-me afundar na escuridão do sono, sabendo que, de alguma forma, eu teria que encontrar a força para enfrentar o que viesse a seguir. E, no silêncio da noite, uma promessa silenciosa formou-se em meu coração: eu protegeria aqueles que amo, não importando o custo.
𝐓𝐢𝐚𝐠𝐨
Decidi deixar Adrielly sã e salva em casa depois de um longo e exaustivo dia. O silêncio no carro enquanto dirigia de volta para casa era ensurdecedor, um lembrete da solidão que ecoava dentro de mim. Por um instante, me vi refletindo sobre os caminhos que a vida estava me levando, até que uma ideia me atingiu como um raio.
Sem pensar duas vezes, peguei o celular e liguei para o Oliver.
— Cara, preciso descontrair. Vamos sair, beber um pouco, ver algumas mulheres. Preciso esquecer tudo por algumas horas — falei, um tanto apressado, já antecipando a sua resposta.
Houve uma pausa do outro lado da linha antes de Oliver soltar uma risada.
— Tava esperando você dizer isso. Onde nos encontramos? — Oliver sempre foi desse jeito, pronto para qualquer aventura, qualquer desvio que a vida oferecesse. Era um camarada para todas as horas, alguém que, de maneira estranha e confortante, entendia as complexidades do meu ser.
— Vamos ao de sempre — respondi, sentindo um alívio imediato ao tomar aquela decisão. O "de sempre" era nosso lugar predileto, uma mistura de bar com clube, onde podíamos nos perder na música, no álcool e nas possíveis companhias que a noite nos oferecia.
Ao desligar, um sorriso involuntário apareceu no meu rosto. Havia algo revigorante em quebrar a rotina, mesmo que por algumas horas, mesmo que isso significasse mergulhar em prazeres momentâneos e fugazes. Era como se, naquele breve instante, todas as preocupações pudessem ser deixadas de lado, esperando pacientemente do lado de fora do bar.
Chegando lá, encontrei Oliver já me esperando, seu sorriso contagioso refletido pela luz neon da entrada.
— Pronto para esquecer a vida, hermano? — ele perguntou, batendo em minhas costas. Eu apenas acenei, minha mente já começando a se desligar dos pesos que carregava.
Entramos no bar e o som vibrante da música nos envolveu imediatamente. A atmosfera era de pura energia, as luzes piscando em sincronia com o ritmo da música, criando um ambiente quase hipnótico. Fomos direto para o bar, onde Oliver já estava acenando para o barman.
— Dois shots de tequila, por favor! — ele gritou, e o barman rapidamente nos serviu.
Brindamos e viramos os shots de uma só vez. A tequila desceu queimando, mas a sensação era exatamente o que eu precisava para começar a relaxar. Oliver virou-se para mim com um sorriso maroto.
— Vamos lá, Tiago, hoje é noite de esquecer os problemas. Viu aquela loira ali? Ela está te encarando desde que chegamos. — Ele apontou discretamente com o queixo.
Olhei na direção que ele indicou e vi uma jovem mulher com um sorriso travesso. Ela levantou seu copo em um brinde silencioso, e eu respondi com um aceno de cabeça.
— Acho que vou lá falar com ela — disse, já me sentindo mais leve.
— Vai lá, campeão! Só não se esqueça de mim quando estiver famoso — Oliver brincou, me dando um empurrãozinho.
Caminhei até a loira, tentando parecer o mais confiante possível.
— Oi, sou o Tiago. Posso te oferecer uma bebida? — perguntei, tentando soar casual.
— Sou a Clara. E eu já tenho uma bebida, mas você pode me fazer companhia — ela respondeu com um sorriso.
Conversamos por um tempo, rindo e trocando histórias. Oliver, por sua vez, estava envolvido em uma conversa animada com um grupo de amigos perto da pista de dança. Em um momento de descontração, ele apontou para mim e gritou:
— Tiago, diz para a Clara sobre aquela vez em que você tentou surfar e acabou abraçado a uma boia de criança! — A gargalhada de Oliver era contagiante.
— Isso foi um acidente! Eu estava praticando minha técnica de salvamento — respondi, rindo junto. Clara riu ainda mais, e a noite continuou com essa leveza.
Noite adentro, entre um gole e outro, entre risadas e danças, a presença das mulheres apenas como um pano de fundo para nossa tentativa de esquecimento, percebi que mais do que buscar distração, eu estava em busca de mim mesmo. Oliver, percebendo minha distração, chegou mais perto e gritou por cima do barulho:
— Estamos juntos nessa, Tiago. Deixa o amanhã para depois.
E naquela noite, sob o efeito do álcool e da liberdade momentânea, eu soube que, não importava o quão longe eu tentasse fugir, algumas respostas só podem ser encontradas dentro de nós mesmos. Por mais que o exterior ofereça um breve alívio, a verdadeira jornada é a interna, aquela que encaramos ao voltar para casa, sozinhos com nossos pensamentos.
Oliver tinha razão.
— Deixa o amanhã para depois — pensei. Pois naquele momento, tudo o que importava era o agora, a liberdade efêmera e a companhia de um amigo verdadeiro.
𝑲𝒂𝒕𝒆
Naquela manhã, despertei em um estado lamentável; uma febre queimava minha pele e uma dor de cabeça tão intensa que parecia martelar meus pensamentos. Ao tocar a ferida, uma onda de dor excruciante me percorreu, uma sensação verdadeiramente horrível. No entanto, eu tinha que me recompor; afinal, era quarta-feira, meu dia de compartilhar a alegria do desenho com Adrielly. Além disso, havia assuntos pendentes a resolver e novos temas a explorar.
Apesar do desconforto, uma onda de inspiração me atingiu. Com isso, me levantei decididamente, optando por um vestido; era a escolha perfeita para evitar qualquer pressão adicional na ferida, impedindo a dor e o possível sangramento. Deixei meus cabelos cacheados fluírem livremente, um pequeno ato de rebeldia contra a dor que sentia. Um toque de hidratante labial para me sentir apresentável e um par de tênis aleatórios nos pés – uma escolha prática, mas necessária. E, claro, não podia esquecer do casaco; o frio de Boston não perdoa.
Seguindo para a cozinha, preparei uma tigela de cereais. Era uma refeição simples, mas suficiente para me sustentar pela manhã. Com a tigela vazia e a fome saciada, dirigi-me à sala para reunir meus itens essenciais: chaves, tanto de casa quanto da galeria, e uma eco bag cuidadosamente carregada com pincéis, tintas e quadros – os instrumentos do meu ofício.
Ao sair de casa, um sorriso forçado adornava meu rosto, uma máscara para ocultar a dor e o desconforto. Hoje, apesar dos desafios, eu daria asas à criatividade e à expressão, compartilhando com Adri não apenas técnicas de desenho, mas também a determinação para superar obstáculos. Afinal, na arte como na vida, cada pincelada, por mais dolorosa que seja, contribui para a obra final.
— Kate? — alguém chamou por mim enquanto eu abria a galeria. Virei-me para ver quem era, e aquela silhueta inesquecível do Senhor Lewis estava ao meu lado.
— Senhor Lewis, por aqui? — falei, convidando-o a entrar. — Esse lugar mudou muito desde que a minha mulher se foi. Eu acho que ela iria adorar te conhecer.
— Muito obrigado, Senhor Lewis. O senhor aceita um café? Ainda não tenho uma assistente, então vou ter que fazer eu mesma — falei com um pequeno sorriso no rosto.
— Com toda certeza — ele respondeu, e logo em seguida caímos em uma risada.
Caminhamos até o escritório da galeria, onde havia alguns quadros nas paredes, flores, fotos aleatórias e documentos para assinar.
— Bem-vindo ao meu escritório — falei, indicando o espaço com as mãos.
Enquanto o senhor de cabelos grisalhos focava nos quadros, eu tentava não transparecer a dor ou o andar coxo.
— São todos feitos por você? — Senhor Lewis quebrou o silêncio.
— Exatamente. Alguns são apenas coisas aleatórias que eu vi durante o dia, outros são traumas, alguns são inspirados em histórias que escuto — expliquei, enquanto colocava o café na máquina.
— Por exemplo, esse? "La que no se puede amar" — apesar de ser americano, sua pronúncia estava boa.
— Inspirado na minha mãe, é algo meio que pessoal — ele apenas assentiu com a cabeça.
Depois de falarmos sobre quadros, pinturas, tintas, Adrielly e até Tiago, a visita chegava ao fim.
— Kate, vai ser sempre um prazer falar com você. E eu queria agradecer pessoalmente por ontem — encerrou a conversa, mostrando a verdadeira intenção de sua visita.
— Sem problemas, Senhor Lewis. Eu prometi para o senhor e assim o fiz — dei um pequeno sorriso. Logo em seguida, o homem de cabelos grisalhos e postura marcante se despediu de mim, e eu apenas pude ver sua silhueta desaparecendo.
Na penumbra suave da tarde, a tranquilidade da galeria foi quebrada pelo som animado de passos apressados. A porta se abriu com um sussurro de folhas de outono que se aventuravam para dentro, anunciando a chegada de Adrielly e Tiago. A pequena Adrielly, com seus olhos cintilantes de expectativa, corria à minha frente enquanto Tiago seguia, carregando a aura de uma noite mal dormida. Era evidente que as preocupações com Adrielly não lhe haviam permitido um descanso tranquilo. Quando finalmente a encontrou, o alívio parece ter inibido o sono, enraizando-se em seu ser como uma persistente insônia.
— Kate — a voz de Adrielly vibrava pelo espaço, carregada de alegria infantil. Em um gesto quase instintivo, ela agarrou minhas pernas, a única altura que seus pequenos braços podiam alcançar. Em qualquer outro dia, essa ação despertaria em mim uma risada fácil e aconchegante. No entanto, hoje, ela inadvertidamente roçava em uma ferida ainda pulsante em meu coração.
Pressionando meus lábios em uma fina linha para abafar a dor, agachei-me para fitar seus olhos esperançosos, buscando encontrar naquele olhar puro um refúgio para minha própria alma atormentada.
— Minha alma, como você está? — minha voz saiu mais suave do que pretendia, mesclada com a ternura e o afeto que sentia por ela.
— Bem, agora vamos pintar — sua declaração veio cheia de ímpeto, uma proposição simples, mas carregada de significado para nós duas.
Com um sorriso que misturava sarcasmo e afeto, respondi, adentrando seu mundo imaginativo onde cada traço sobre a tela se transformava em uma aventura.
— Nós não pintamos, Adrielly, nós fazemos arte.
Minhas palavras, embora tingidas de uma brincadeira familiar, carregavam a verdade profunda do nosso laço. Nossa criação transcendia as cores e formas; era um diálogo de almas, um modo de cura, uma celebração das nossas vidas entrelaçadas.
Naquele ambiente encapsulado pelo cheiro de tinta e a liberdade do abstrato, nós, um grupo heterogêneo com pincéis em mãos e almas desnudas, deslizávamos sobre a tela da criatividade. Era um daqueles momentos raros de pura catarse, uma fuga do mundano, onde o ruído do cotidiano dava lugar ao som das cerdas dançando sobre o canvas. Ríamos, compartilhando não apenas tintas, mas também pedaços de nossos mundos interiores, pintando uma realidade onde a dor e a saudade eram brevemente eclipsadas pelo poder reconfortante da arte e da conexão humana.
Foi quando, em meio a esse vértice de expressões e emoções, meus olhos encontraram Tiago.
— Tiago, você está bem? — a preocupação tingia minha voz enquanto observava seu semblante pensativo, quase distante.
Ele esboçou um sorriso, uma tentativa vaga de me tranquilizar antes de mudar abruptamente de assunto para algo que reconhecidamente desviava sua ansiedade para o futuro.
— A próxima exposição será na próxima semana. O que você acha? — sua voz era firme, mas seus olhos relutavam em encontrar os meus. Antes que eu pudesse sondar mais profundamente seus pensamentos, ele concordou com alguma reflexão não revelada e discretamente saiu da sala.
Perdida em meus próprios pensamentos sobre Tiago, fui suavemente arrancada da divagação pela voz de Adrielly.
— Kate? — ela chamou, sua atenção indelevelmente fixada na obra de arte à sua frente.
— Sim, pequena? — eu respondi, curvando-me para seu nível.
— Você está doente? — a pergunta era inocente, mas portava o peso de uma percepção aguda, inesperada.
— Não, por quê? — minha resposta saiu quase automaticamente, uma defesa natural, mesmo enquanto minha mente corria para avaliar o que poderia ter lhe dado tal impressão.
— Você está falando e andando estranho — ela disse sem hesitação. — Mas terminei minha pintura.
A simplicidade de sua observação, combinada com a revelação de sua criação concluída, me pegou desprevenida. Meu coração se aqueceu com sua preocupação tão pura, contrastando com a contemplação reflexiva que eu tinha sobre os adultos em nossa volta, que pareciam não notar as mudanças sutis em mim. Ou será que notaram?
— Está perfeito, vamos embalar para você levar para casa? — minha voz era mais firme agora, encobrindo minha agitação interior com a alegria que sua obra-prima inspirava. Eu já conhecia a resposta, mas era uma forma de reconectarmos, de voltar àquele momento de criação e compartilhamento, onde a estranheza do meu comportamento se dissolvia na beleza de nossa conexão com a arte e com os outros.
— Prontinho — falei, entregando o quadro para Tiago para que fosse transportado com mais cuidado.
— Às 7h pm estarei esperando por você no "Equal Measure" — sussurrou Tiago no meu ouvido. E logo em seguida, Adrielly e Tiago desapareceram do meu campo de visão.
Antes de pensar se iria ou não, precisava terminar um trabalho. Peguei meu celular e entrei no site do banco, "Transfer Money", e fiz uma transferência de 5000 dólares para minha irmã Bianca, afinal eu fui uma ingrata.
Alguns minutos depois, meu celular tocou. Era Bianca.
— Kate? Querida, tudo bem? Você fez uma transferência bancária para mim? — falou Bianca sem muita enrolação.
— Sim, eu fiz. Você havia me emprestado dinheiro para conseguir alugar a casa, agora que eu consegui juntar o dinheiro, estou devolvendo para você — expliquei calmamente.
— Mas por quê? Você é minha irmã e eu quis ajudar. Eu não posso aceitar.
— Bianca, por favor — disse, retorquindo.
— Papillon, aceite como presente, okay? Você sabe do que estou falando, sobre o nosso segredo.
Qual das duas coisas me deixou mais indignada: o apelido que ela me chamava quando éramos mais novas ou ela mencionar sobre o "nosso segredo"?
— Tá bom, então até depois. Papillon? — disse Bianca com uma voz emocional.
— Sim? — respondi com curiosidade.
— Eu... eu estou grávida.
— Felicidades, futura mamãe. Você merece isso e muito mais — falei animada e chocada.
— Obrigada, Papillon. Agora preciso ir. Até mais.
Perdida em meus pensamentos, me perguntei: "O que uma pessoa sem responsabilidade vai fazer com cinco mil dólares?". Já sei, vou comprar a minha morte.
Tiago
Numa tarde dourada, onde o sol se despedia lentamente pintando o céu de tons alaranjados, eu e Adrielly, minha pequena crítica de arte, estávamos em uma missão especial. Após semanas complicadas, repletas de desafios tanto na galeria quanto com a pequena Adrielly, Kate, com sua paciência e sabedoria, havia sido um farol de calma e resolução. Decidi que uma forma sincera de agradecimento seria convidá-la para um jantar, um gesto simples, porém repleto de gratidão.
A loja de artigos de arte para a qual Adrielly me arrastou era como um pequeno universo paralelo, repleto de cores, texturas e possibilidades. Pinceis de todas as espessuras, tintas que prometiam transformar qualquer tela vazia em um mundo novo, esculturas que desafiavam a gravidade. Era fácil perder-se naquela cacofonia visual, um lugar onde as possibilidades pareciam infinitas. E eu me perdi, no melhor sentido possível, até ser chamado de volta à realidade.
— Tiago? — Adrielly interrompeu meus pensamentos, sua voz pequena mas carregada de uma curiosidade séria, com a naturalidade de quem está habituado a mergulhar na arte tanto quanto respirar.
— Sim, Adri? — respondi, trazendo minha atenção de volta a ela, que estava com um conjunto de pincéis nas mãos, os olhos brilhando com um tipo de entusiasmo que só as grandes descobertas podem inspirar.
— Você sabe que a Kate não é uma criança, né? Você está escolhendo pincéis infantis. — Ela me olhou com um misto de diversão e reprovação, mostrando-me os pincéis que, na minha inabilidade, eu havia erroneamente selecionado, pensando em algo que Kate pudesse gostar. Às vezes, sob a supervisão de uma alma tão jovem, eu me sentia como uma miniatura desajeitada do meu próprio pai, tentando navegar em um mundo que Adrielly já parecia entender tão bem.
Sorrindo com a astúcia de Adrielly, devolvi os pincéis ao seu lugar, agradecendo a ela por sua orientação especializada. Ela sorriu de volta, satisfeita, e juntos, continuamos nossa busca pelo presente perfeito para Kate. Queria encontrar algo que expressasse a minha gratidão não apenas pelas vezes em que ela ajudou com Adrielly, mas também pelo suporte crucial com a galeria.
No final, escolhemos um conjunto de aquarela de alta qualidade, um sketchbook de papel feito à mão e, o mais importante, ingressos para a exposição de Van Gogh, itens que sabíamos que ela apreciaria e usaria. Era uma maneira de agradecer a Kate, não apenas com palavras, mas com ações, mostrando a ela o quanto valorizávamos sua presença em nossas vidas.
Kate
A ansiedade e a excitação misturavam-se dentro de mim enquanto me preparava para o jantar daquela noite. Nunca fui boa em ocultar meus sentimentos, especialmente em ocasiões importantes como esta. Olhei para o reflexo no espelho, analisando cada detalhe, cada escolha que fiz para esta noite se tornar memorável.
Escolhi um vestido vermelho que, de alguma forma, sempre me faz sentir poderosa e vulnerável ao mesmo tempo. O tecido abraça cada curva do meu corpo, prometendo ser meu aliado nesta noite. Meu cabelo, depois de horas me debatendo entre deixá-lo solto ou preso, está agora meticulosamente arranjado em um coque baixo, com alguns fios cacheados soltos ao redor do rosto, um esforço para parecer casualmente elegante.
Enquanto me maquiava, pensava na jornada até aqui. Cada pincelada de blush era como um lembrete de que esta noite era um marco, uma conquista de muitas batalhas pessoais e momentos de dúvida. Escolhi um batom vermelho, não muito diferente da cor do vestido. Era uma afirmação, um grito silencioso de confiança.
Sentia meu coração batendo um pouco mais rápido ao ajustar os últimos detalhes: uma pulseira delicada e um par de brincos simples, mas elegantes. Respirei fundo, tentando acalmar os nervos que, apesar de minha preparação, insistiam em fazer-me companhia.
A fragrância do meu perfume favorito preencheu o ar, uma escolha pensada não apenas pela sua essência, mas pela história que carregava, pelos momentos em que o usei e senti como se pudesse conquistar o mundo.
Dando uma última olhada no espelho, senti um misto de nervosismo e empolgação. Senti-me pronta. Com um último sorriso de aprovação para a mulher no espelho, peguei minha bolsa e saí, fechando a porta gentilmente atrás de mim. O barulho do mundo lá fora me recebeu.
O estacionamento estava deserto, iluminado apenas pela luz difusa dos postes. E lá, sob a luz, estava ela. Minha bela e fatal maldição: um Range Rover preto, perfeito em cada detalhe, da pintura brilhante até os faróis impecáveis.
Ainda assim, ao abrir a porta do carro e respirar o cheiro novo do interior, eu soube que valeu a pena. Este era o meu sonho, o meu prêmio por todas as coisas que sofri.
Sim, era uma dívida, mas era a minha dívida. E cada pagamento seria uma lembrança dos meus esforços e da minha realização. Então, com um sorriso de pura felicidade, entrei no carro e dirigi para fora do estacionamento, para a estrada aberta e para o jantar que eu estava pronta para enfrentar.
𝐓𝐢𝐚𝐠𝐨
Esperava ansiosamente pela chegada de Kate, meu coração palpitando com uma mistura de nervosismo e excitação. Imaginava-a, como sempre, deslumbrante, mas o que ela apresentou superou qualquer expectativa que eu pudesse ter. Lá estava ela, caminhando em minha direção, envolta em um vestido vermelho simples, ainda assim, incrivelmente elegante. Seus cabelos presos em um coque casual, permitindo que alguns fios teimosos emoldurassem seu rosto perfeitamente, complementados por um perfume doce que anunciava sua chegada muito antes de sua presença. Sim, essa era Kate.
Assim que a vi, levantei-me rapidamente, movendo-me para puxar a cadeira à minha frente, uma oferta para que ela tomasse assento. O aroma suave e inebriante de seu perfume inundou meus sentidos enquanto me dirigia de volta à minha própria cadeira, agora enfrentando-a.
— Kate, você está divina — escapei com admiração, não conseguindo esconder meu encanto.
— Nem eu sabia que tinha talento para tanto — ela brincou, com um olhar intenso direcionado a mim, brilhante de humor e confiança.
Entre conversas fluídas e risos compartilhados, decidimos, finalmente, escolher nossos pratos. O jantar consistiu de um saboroso prato principal de frutos do mar, precedido por uma salada de carne requintada. A sobremesa foi um petit gâteau, uma pequena indulgência que havíamos, de alguma forma, adotado como nossa.
— Você sabia que esse prato tem um nome em francês? — perguntei, apontando para o petit gâteau.
— Ah, sim? E como se diz 'perdição' em francês? — ela respondeu, rindo.
— Algo como 'Kate' — retruquei, piscando para ela.
Foi durante esses momentos de felicidade compartilhada, embalados por risadas e troca de olhares, que as primeiras notas de "Until I Found You" começaram a preencher o ambiente. Num instante, os olhos de Kate encontraram os meus, cintilando com um convite silencioso que falava volumes. Embora minha cabeça balançasse numa recusa tímida, era tarde demais; Kate já estava de pé, sua mão estendida para mim, um sorriso encorajador em seus lábios.
Capitulando diante do seu entusiasmo contagiante, levantei-me e juntei-me a ela. Enquanto dançávamos ao som da música, movendo-nos lentamente em harmonia, outros casais se sentiram inspirados a fazer o mesmo, transformando o momento em uma dança coletiva de pura alegria e conexão. Kate inclinou-se para sussurrar a letra da música em meu ouvido; sua voz, doce e afinada, adicionava uma camada de intimidade e encanto ao momento que já se mostrava inesquecível.
Ali, nesse instante, envolvido na suavidade da melodia e na proximidade reconfortante de Kate, eu sabia que estava vivendo um daqueles raros momentos perfeitos, onde o tempo parece suspender sua marcha implacável para nos brindar com a oportunidade de respirar, amar e simplesmente ser.
— Georgia, wrap me up in all your... (Georgia, envolva-me em todos os seus....) — ela sussurrou, sua voz envolvendo minhas inseguranças.
— I want you in my arms. Oh, let me hold you (Eu quero você em meus braços. Ah, deixe-me te abraçar) — completei, sentindo a conexão se fortalecer.
Naquele momento mágico, quando a música ainda ecoava pelo espaço, trazendo consigo uma sensação de leveza e encantamento, eu caminhei com tranquilidade em direção à nossa mesa. As palavras escaparam de meus lábios quase sem esforço, um elogio sincero à multifacetada Kate.
— Você tem vários dons.
Ela, sempre misteriosa e carregada de profundidades inexploradas, respondeu apenas com:
— Segredos — um sorriso enigmático emoldurando suas palavras.
Aproximando-me, entusiasmado com o mistério que estava prestes a desvendar, anunciei uma surpresa, ciente de seu gosto por elas, apesar de sua habitual ansiedade. Enquanto ajudava Kate a se sentar, a atmosfera vertia um certo tipo de espera, uma expectativa que estava prestes a ser preenchida.
— Claro que eu não deixarei você esperar — disse, já mergulhando a mão no bolso em busca da surpresa prometida.
No entanto, foi nesse preciso momento que a noite tomou um rumo inesperado. A voz de um homem, tão calorosa quanto o sol da tarde, quebrou a barreira do som, chamando por Kate.
— Kate? Ay dios mío, eres tú? Que linda eres!
A figura que acompanhou essa voz era igualmente magnética: um homem alto, de porte atlético, cachos bem definidos adornando a cabeça e um tom de pele que falava de dias sob o sol.
— Rodríguez! — Kate não conteve seu entusiasmo ao reconhecê-lo, levantando-se prontamente para um abraço repleto de saudades. Assistir a esse reencontro provocou uma sensação incômoda, uma mistura de surpresa e um leve desconforto que eu lutei para esconder.
Esse momento de reencontro se estendeu, deixando-me um tanto quanto desconectado. Contudo, Kate, percebendo minha presença ainda à mesa, fez as introduções.
— Então, Tiago, esse é o Rodríguez. Fomos colegas desde a escolinha até o final do fundamental. Rodríguez, este é Tiago, irmão da Adrielly e dono da galeria de arte onde trabalho.
O aperto de mão entre Rodríguez e eu veio acompanhado do convencional:
— É um prazer — palavras lançadas no espaço junto com um sorriso que buscava ser caloroso.
Rodríguez, acompanhado de amigos, optou por não se juntar a nós, mas seu olhar prometia uma estadia prolongada na cidade. Isso introduziu um novo elemento de intriga ao nosso já interessante cenário.
A lembrança da surpresa preparada para Kate me trouxe de volta à realidade, embalada pela sua animação genuína.
— E a surpresa? — ela perguntou, seus olhos brilhando com pura curiosidade e expectativa.
Era hora. Com um movimento sutil, retirei os ingressos do bolso. Estes não eram apenas um presente, mas um convite para adentrarmos juntos em um mundo repleto de arte, música e talvez, descobrir mais alguns segredos. A surpresa prometia mais do que uma noite especial.
— Tiago, isso é simplesmente maravilhoso, muito obrigado. Conte com a minha presença — ela proclamou, um brilho de gratidão iluminando seus olhos.
— Que tal uma carona? Afinal, temos um dia cheio de trabalho esperando por nós amanhã — sugeri, minha atenção voltando-se para Kate.
— Ah, não, obrigada — ela recusou, deixando-me inicialmente confuso. No entanto, a confusão evaporou quando vi Kate deslizando a chave de um carro sobre a mesa.
— Parabéns — eu disse, um sorriso leve e genuíno se formando em meus lábios.
— Então, vamos? — perguntei a Kate, que apenas assentiu com a cabeça, sua atenção se desviando momentaneamente para acenar para Rodríguez, que retribuiu o gesto à distância.
Saímos juntos, observando Kate se dirigir a um Range Rover preto imaculado.
— Combina com você — murmurei para mim mesmo, vendo-a desaparecer em seu novo veículo.
— Até amanhã, chica — acenei para ela, enquanto ela se afastava.
Kate virou-se para mim uma última vez, retribuindo meu aceno com um sorriso deslumbrante que iluminou a noite.
Enquanto ela se afastava, não pude deixar de pensar em como uma simples noite pode trazer tantas reviravoltas e surpresas. A química entre nós era palpável, e as risadas compartilhadas, os olhares furtivos e a dança improvisada foram como pinceladas de uma obra de arte em construção. E assim, com o coração leve e a mente cheia de expectativas, voltei para casa, ansioso pelo que o futuro nos reservava.
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