I
“Querida Helena, hoje, assim como em todos os demais dias que se passaram depois que te conheci, pensei em você. Faz muito frio aqui, o vento sopra a todo tempo, e eu imagino que do outro lado do oceano há uma brisa a bagunçar seus cabelos. Ah!, como tenho saudades de tocar-te!
O que tem aquecido meu coração é a lembrança do teu sorriso, ainda que esteja congelado na pequena fotografia que trouxe comigo. Estás comigo a todo instante, Helena, e jamais hei de deixar-te.
Peço que perdoe-me por escrever somente agora, amada minha. Têm sido dias difíceis aqui. Perdemos muitos dos nossos. Também não posso deixar de lamentar pelas vidas que tiramos. Penso que muitos daqueles homens que caíram tinham alguém para quem voltar, Helena. E agora eu estou com medo. Logo iremos partir: a missão de Montecastello será a mais difícil e perigosa para nós, mas é também a chance de mostrarmos nosso valor.
Fazer parte da FEB sempre foi meu sonho, e eu tenho certeza de que nossa vitória é iminente, entretanto, temo pelas baixas. Sei que posso não regressar, mas não me permito perder as esperanças, Helena.
Partiremos pela madrugada, e, caso o pior me aconteça, Lena, peço-te somente que não me esqueças, que me eternize em sua memória, em seu coração. Espero vê-la em breve.
Com amor, Cássio. ”
Itália, setembro de 1945.
— Não acredito que está lendo essa carta novamente, Helena! — resmungou a irmã mais velha, enquanto gesticulava com as mãos.
Helena moveu-se subitamente, nem notara que a irmã havia entrado no quarto.
— Me sinto próxima quando leio estas palavras — disse, num tom queixoso.
— Hum…— Elise nunca demonstrara interesse por histórias de amor. — E este símbolo meio apagado? — perguntou, enquanto arrancava o envelope envelhecido das mãos de Helena. — É uma serpente?
— Sim. Era o símbolo da infantaria. Uma espécie de brincadeira da época com “A cobra está fumando”, pois havia quem dissesse que era mais fácil ver uma cobra fumando cachimbo, do que o Brasil na Guerra.
― Você sabe muito sobre isso, hein, maninha.
― Pesquisei muito sobre, desde que descobri esta carta nas coisas da vovó. Queria ter podido conhecê-la. Queria saber mais sobre eles, como se conheceram… queria ter a sorte de viver um amor assim.
― Helena, ele morreu na guerra. Lembra? A mamãe nos contou....
― Eu sei. Mas isso não diminui a beleza do sentimento que eles viveram.
― Mamãe acertou em dar a você o nome dela… É uma romântica sonhadora ― disse Elise enquanto saía do quarto.
Os ventos de agosto ainda sopravam com vigor no Rio de Janeiro. Helena e Elise caminhavam lentamente, lado à lado, pela Baía de Guanabara, rumo ao Parque do Flamengo.
Helena estava pensativa, perguntava a si mesma o porquê estava indo somente agora ao Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial. Talvez quisesse saber mais sobre o pracinha, ou quem sabe entender mais sobre o amor interrompido que sua avó vivera, avó esta que ela nem conhecera.
― Se não fosse por esta vista maravilhosa, eu nem teria vindo ― resmungou a irmã. Helena não respondeu.
“Não deveríamos fazer isso”, dizia mentalmente o jovem de cabelos escuros ao irmão, enquanto seguiam as garotas.
“Teoricamente não estamos fazendo nada de errado!”, rebateu o mais jovem, que possuía um olhar tão vívido quanto o azul do mar.
“Sabemos que foi você que a fez encontrar aquela carta”, acusou.
“Talvez eu tenha dado um empurrãozinho…”, sorriu o outro.
“ E você fez isso novamente hoje?”, perguntou com a sobrancelha levantada. O irmão lançou-lhe um olhar travesso.
“ É a minha natureza…”
Helena segurava o envelope amarelado entre as mãos. O painel com os quatrocentos e sessenta e sete nomes dos soldados estava lá, parecia chamá-la silenciosamente. Não foi difícil encontrar o nome que procurava. Sentia uma estranha conexão com aquele painel e com os objetos que lá estavam expostos.
O museu estava praticamente vazio naquela ala. Talvez aqueles fragmentos de memórias não fossem tão importantes para o público, ou então ela apenas havia dado sorte de ter ido num dia tranquilo.
Pouco mais à sua frente estava um rapaz franzino. Aparentava ter aproximadamente a idade de Elise: dezoito anos. Ele segurava alguns papéis na mão, uma caneta e também trazia a tiracolo uma câmera fotográfica, parecia confuso e atrapalhado entre fotografar e fazer anotações. Helena não gostava muito de observar as pessoas, achava muito inconveniente. Ela mesma sempre corava quando percebia que havia alguém observando-a. Infelizmente não era sensitiva o bastante para perceber que nas últimas horas estivera sendo seguida.
Uma forte rajada bagunçou os cabelos da menina, levando consigo não apenas o cheiro adocicado do seu perfume, mas também o envelope que ela tinha nas mãos. Sem demora ela saiu em disparada atrás da carta. Não poderia perdê-la. Helena tinha consciência de que naquele momento se assemelhava a uma criança correndo atrás de um balão. Em sua corrida inusitada, ela acabou colidindo com o rapaz franzino. Os papéis e a caneta dele foram ao chão, e ela agradeceu aos céus pela câmera estar presa ao corpo dele, pois não estava em condições de pagar pelo possível prejuízo que o moço teria.
― Me desculpe ― ela disse, enquanto recolhia os pertences do rapaz do chão e também o seu envelope que havia pousado ali.― Eu só estava tentando recuperar isso ― ela balançou o papel, enquanto devolvia os dele.
― Tudo bem, isso acontece com as melhores pessoas. ― respondeu ele timidamente. ― Espera… este é o símbolo da DIE? ― Apontou para a mão dela.
― É, sim. Minha avó recebeu essa carta de um soldado, no período da guerra.
― Você se importa se eu fotografar? É um projeto meu, sabe, sobre a guerra. Meu avô também serviu à FEB. A propósito, muito prazer. Meu nome é Caio.
― É claro que pode, mas eu vou querer saber mais sobre o seu projeto. Prazer em conhecê-lo, Caio. Meu nome é Helena.
“ Sabia que estava tramando alguma coisa, irmão. Mas como sabe que ela vai encontrar a reencarnação de Cássio através deste rapaz? ”, indagou o celestial.
“ Ela já encontrou.”, respondeu o cupido sorridente.
1015 palavras
*FEB: Força Expedicionária Brasileira
*DIE: Divisão de Infantaria Expedicionária
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