Capítulo 24
"A dor é um peso que aprendemos a carregar, mas nunca sozinhos. O alívio vem quando encontramos alguém disposto a dividir o fardo."
— Harry Locke
Pov Harry
Há dias em que a saudade nos toma de forma avassaladora. Hoje é, sem dúvida, um desses dias. Lembro-me de uma frase que ouvi uma vez: "O pior dia do luto não é no funeral, é nos momentos em que você está mais feliz – nos aniversários, nas comemorações, quando você recebe uma boa notícia e deseja compartilhá-la, mas se lembra de que aquela pessoa não está mais ali para ouvir." E isso é verdade. São nesses momentos felizes que sinto mais a falta de meu irmão. Foi no meu dia da formatura, quando olhei para a plateia e não vi você me aplaudindo. Foi no nosso aniversário, quando acordávamos com nossa família fazendo uma festa no quarto, com os cupcakes da mamãe, embora todos soubessem que quem realmente os fazia era a Tia Bella, mas mamãe insistia em dizer que era ela.
Nunca mais fizemos isso, irmão. Não faz mais sentido sem você.
E hoje é mais um desses dias, mas longe de ser feliz. Lembro-me de ter acordado pela última vez com seu "bom dia". Você estava empolgado, mandou uma mensagem logo cedo, falando dos últimos ajustes para sua tão sonhada competição. E eu estava me preparando para voltar a Londres, para te ver, para conhecer a sua garota. Mas quando cheguei em casa, você não estava lá. Só encontrei a mamãe desesperada, e foi ali que nossa felicidade se despediu para sempre.
Passei o dia com nossos pais, levei a crianças e a Maya para passar o tempo com eles. Por alguns momentos, elas conseguiram fazer a gente esquecer o que estava se passando, mas sempre havia aqueles momentos em que a mamãe se afastava, com os olhos vermelhos de tanto chorar. Ela tenta ser forte, mas sei o quanto ainda dói.
Agora está tarde. Já deixe a nossa sobrinha em casa e não sei mais o que fazer, a não ser ir para nosso lugar, o lugar onde sempre nos encontramos para nossas partidas. Gostaria que você estivesse lá, esperando por mim, como sempre.
— Oi, desculpe. Eu não sabia que alguém estava aqui — digo ao ver uma jovem ruiva sentada no banco.
Ela olha para cima, enxugando discretamente algumas lágrimas.
— Oi, eu sei que este é o lugar de vocês, já estou indo — diz ela, começando a se levantar, mas eu a seguro pelo braço, fazendo-a me olhar.
— Não precisa, pode ficar — falo suavemente, ao perceber que ela está chorando. Ela lembra dele. — Está tudo bem?
Ela assente e, de repente, se joga nos meus braços, chorando sem controle. Meu corpo se tensa enquanto a acolho, o som de suas lágrimas se misturando com o silêncio ao nosso redor.
— Shh — digo, acariciando seus cabelos. Sei que ela não quer ouvir palavras bonitas ou consolos vazios. Ela precisa apenas de um abraço, de alguém que compreenda o seu luto, o luto que não teve permissão de viver.
— Por que ele fez isso, Harry? Por que insistiu tanto? — ela diz, em meio ao choro. Eu não entendo, mas deixo-a se acalmar para perguntar sobre o que está falando.
— Do que você está falando? — Pergunto, suavemente, tentando entender.
Ela respira fundo e começa a falar, ainda com a voz entrecortada.
— Era meu aniversário. Um dia antes, ele descobriu que hoje era meu aniversário e me perguntou o que eu faria. Falei que nada, que não comemorava meu aniversário. — Ela pausa por um momento, e eu começo a entender. — Ele então disse que íamos comemorar juntos. Me acordou com um belo café da manhã... — Ela sorri, mas não é um sorriso de alegria, é um sorriso que carrega o peso das lembranças. — Depois saímos, ele me levou para almoçar, me trouxe ao seu lugar favorito. Dançamos e conversamos. Ele me perguntou qual era o meu grande sonho.
Ela pausa novamente, tentando controlar suas emoções.
— Falei que queria participar das Olimpíadas e tentar um patrocínio para viver de patinação artística, buscando uma vida melhor. Logo depois, encontramos minha mãe e o marido dela. Assim que me viram, começaram a brigar comigo, dizendo que eu acabaria voltando para eles, implorando por perdão por não ter nada. Henry não gostou, e me prometeu que iríamos ganhar aquela competição, para eu nunca mais precisar deles. Então fomos ao estádio treinar, passamos horas lá, fazendo uma pausa apenas para tomar um café. Quando voltamos... eu não sei o que aconteceu. Só sei que acordei no outro dia no hospital, algemada.
— Hoje é seu aniversário? — Pergunto, tentando esconder a surpresa.
Ela assente com um sorriso triste, e sem pensar, puxo-a para meus braços, apertando-a forte contra meu peito. Ela suspira aliviada, como se precisasse daquilo. O que deveria ser um dia de felicidade, se transformou no seu maior pesadelo.
— Eu sinto muito, minha pequena sereia — sussurro, lembrando-me do primeiro filme que assistimos juntos, em que ela disse que aquele era seu favorito por causa da cor do seu cabelo.
— Eu o amava, Harry. Eu o amava. — Sua voz carrega tanta verdade, tanta dor. As lágrimas se tornam mais intensas.
— Saiba que seus sentimentos eram recíprocos, Cássie. Meu irmão te amava. Você foi o primeiro e único amor dele. — Ela começa a chorar novamente. Eu a envolvo ainda mais forte em meus braços, mas a dor dela é difícil de suportar, assim como a minha. A vida dela inteira foi marcada por sofrimento, e o dia que deveria ser o mais feliz acabou se tornando o mais triste de todos. Henry morreu no dia do seu aniversário.
— Eu queria tanto ter tido a oportunidade de dizer o quanto eu o amava.
— Ele sabia, Cássie. Não tenho dúvidas disso. — Respondo suavemente, enxugando suas lágrimas. — Feliz aniversário, minha sereia. Feliz aniversário. — Eu a afasto um pouco e limpo as lágrimas que escorrem pelo rosto dela. — Um dia, você ainda vai ser muito feliz. Lembre-se, as coisas boas sempre vêm depois das tempestades. Você já passou por tantas, tenho certeza de que Deus está preparando algo muito especial para você.
Ela solta uma lágrima, mas não a enxugo. Olho profundamente nos seus olhos e, sem mais palavras, a beijo. É um beijo diferente de todos os outros. Ele é intenso, carregado de dor, de angústia, mas também de amor. Não sei explicar o que sinto por essa garota. Ela é a minha tempestade e, ao mesmo tempo, minha calmaria.
— Não — ela me empurra, afastando-se de mim. — Não podemos. Não é certo. — Ela me empurra novamente, com mais força. — Você não pode me beijar. — Ela dá um tapa em meu peito, e vejo o desespero em seus olhos. — Não pode fazer eu me apaixonar por você. — Ela treme em meus braços, e a confusão toma conta de mim.
— Calma, vamos resolver isso. Me desculpe, tá? — Sussurro, tentando acalmá-la.
Nesse momento, Emma me manda uma mensagem perguntando por que não fomos treinar. Explico rapidamente o que aconteceu, e ela me pede para levar Cássie para sua casa. Sei que não posso deixá-la sozinha, e também sei que ela não aceitaria minha companhia.
Eu entendo o medo dela. Eu também sinto o mesmo.
— O que está fazendo? Você disse que ia me levar para casa — ela diz, com a voz falha.
— Emma está chamando, e como nossa treinadora, não podemos desobedecer. É uma questão de ética.
— Dane-se sua ética! Ela nunca funcionou para mim! — Ela responde com raiva, e vejo o desespero em seu rosto. — Eu sempre tentei ser uma pessoa boa. Mas, para que? Do que adiantou?
Ela dá um sorriso forçado, enquanto limpa o rímel borrado de seu rosto. Respira fundo, nervosa. Lágrimas escorrem silenciosamente por suas bochechas.
— Venha aqui — digo, estendendo minha mão. Ela se aproxima e segura minha mão com força, caindo novamente aos prantos. Cassie se encurva contra meu peito, soluçando sem controle. Está tremendo tanto, como se todo o peso do mundo estivesse sobre ela. Seu choro é o de alguém desolado, alguém que carrega uma dor insuportável dentro de si.
Fecho os olhos, tentando não me deixar abalar, enquanto a conforto. Mas é tão difícil. Saber que a dor dela é a mesma dor que sinto desde que perdi meu irmão.
— Shh — sussurro, acariciando seus cabelos. Não falo para parar de chorar, ela precisa disso, precisa do seu luto, deixar sua dor sair de dentro de si. Continuamos nos abraçando, e é reconfortante encontrar algum conforto, mesmo que por breves momentos. Eu sempre tive que me manter forte pela minha família, mas hoje só quero sentir isso com ela.
— Me deixa ir embora, por favor — ela tenta sair dos meus braços, mas não tem forças suficientes para isso.
— Queria ter te conhecido em outro momento — falo, meu coração apertado. — Me arrependo tanto de não ter largado tudo em Nova York e ter vindo quando meu irmão me chamou. Eu poderia ter passado mais tempo com ele, visto sua felicidade. Podia até ter evitado o que aconteceu. — Agora sou eu quem não consigo me controlar. — Eu te odiei por tanto tempo, Cassie. Eu me odiei por ter dito aquelas coisas para você. — Puxo o rosto dela para perto de mim, e falo com a dor estampada no meu peito. — Eu me odeio por estar apaixonado por você.
Eu a mantenho em meus braços, o som do seu choro ainda ecoando dentro de mim, misturado com o peso do meu próprio luto. Minha mente gira, tentando entender o que estou sentindo, mas é difícil. A dor de perder meu irmão nunca vai passar, e agora, vejo Cassie, com a mesma dor que eu, e tudo que posso fazer é segurá-la.
Ela ainda treme em meus braços, suas lágrimas molham minha camisa, e não sei como ajudar. Eu só sei que não posso deixá-la sozinha, não agora, não nunca mais.
— Cassie... — Sussurro, tentando acalmá-la, mas ao mesmo tempo, não sei se a tranquilizo ou se apenas tento aliviar minha própria dor. — Eu sinto muito. Eu sei que as palavras não vão mudar nada, mas eu estou aqui. Eu estou aqui, e vou estar, sempre que você precisar.
Ela solta um suspiro entrecortado, ainda tentando respirar, tentando recompor-se. Penso que talvez ela só precise de tempo. Talvez ela precise de alguém que não espere que ela seja forte, que não tente consertar tudo com palavras vazias. O silêncio entre nós diz mais do que qualquer coisa que eu possa dizer agora.
Aos poucos, ela vai se afastando, mas ainda mantém a cabeça contra meu peito. Seus olhos estão inchados de tanto chorar, e seu rosto, normalmente tão expressivo, agora está apagado, como se toda a alegria tivesse sido roubada dela.
— Harry... — Ela murmura, e sua voz está quebrada, quase inaudível. — Eu não sei o que fazer. Eu... eu não sei mais como viver com isso.
Sinto um nó na garganta. Eu também não sei. Não sei como viver sem meu irmão. Como viver sem a pessoa que foi meu melhor amigo, meu apoio, meu companheiro. Como seguir em frente quando a dor é tão insuportável que parece que o mundo parou.
— Eu sei, Cássie. Eu sei. — Respondo, minha voz falha. — Eu também não sei como viver com isso. Tudo o que eu sei é que... eu não vou te deixar sozinha. Não enquanto você precisar de alguém. Não enquanto nós dois tivermos essa dor para carregar juntos.
Ela me olha com os olhos vermelhos, e por um momento, eu vejo algo ali que me deixa desconcertado. Como se, no meio da dor, ela estivesse começando a entender o que eu sinto por ela. Como se, naquele instante, tudo que eu tivesse guardado no peito estivesse se tornando impossível de esconder.
— Harry, eu... — Ela tenta falar, mas parece não encontrar as palavras certas. Eu a interrompo.
— Não precisa dizer nada, Cassie. Não agora. Apenas... fica comigo, por favor.
Ela me olha, hesitante, mas então dá um pequeno aceno, como se sua luta interna estivesse mais suave, mesmo que por um instante. E é tudo o que eu preciso, ela aqui, perto de mim, sem pressa de resolver tudo, apenas vivendo esse momento.
— Eu não sei o que eu faria sem você agora — ela diz baixinho, a voz trêmula, mas sincera.
— Você não vai precisar fazer nada sozinha, Cassie. Eu vou estar aqui. Não importa o que aconteça. — Eu falo com a firmeza que não sei de onde vem. Mas eu sei que é a única coisa que posso prometer, o único consolo que posso oferecer.
Ela respira fundo e, por um momento, o silêncio entre nós é confortável. Mas então, ela levanta a cabeça e me encara com um olhar cheio de confusão.
— E você, Harry? O que vai fazer? Como vai seguir em frente? — Ela me pergunta, como se esperasse uma resposta que eu não tenho. E a verdade é que, nem eu sei. Mas, ao olhar para ela, algo dentro de mim começa a mudar. Algo em meu peito diz que, talvez, se eu puder ajudá-la a carregar sua dor, a minha também será mais fácil de suportar.
— Eu não sei, Cassie. Mas talvez, ao menos, a gente possa tentar. Tentar seguir juntos, um passo de cada vez. Talvez um dia, a dor comece a passar. Talvez um dia, a gente consiga olhar para o futuro, sem tanto medo.
Ela balança a cabeça, um pequeno sorriso forçado surgindo em seus lábios.
— Talvez. — Ela sussurra, olhando para o chão, como se estivesse tentando se convencer. — Talvez a gente precise de mais tempo.
— Nós vamos ter esse tempo, Cassie. Vamos ter o tempo que precisarmos, sem pressa, sem cobranças. — Digo, a segurando pela mão, sentindo uma ligação que, apesar da dor, parece crescer entre nós.
A noite já está bem avançada, e o silêncio que se estende entre nós é pesado, mas necessário. A dor não vai desaparecer da noite para o dia, mas ao menos, talvez, possamos aprender a conviver com ela, a transformar essa dor em algo que nos una, não nos separe.
Eu a levo até o carro e, por um momento, fico pensando se estou fazendo a coisa certa, se a minha presença, se as minhas palavras, são suficientes para curar a ferida que, agora, nos une. Mas, ao olhar para ela, vejo uma chama de esperança, uma centelha de algo que pode crescer.
E isso é tudo o que eu preciso, por agora.
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