Capítulo 20
Mesmo no meu pior dia, será que eu mereci, querido,
Todo o inferno que você me fez passar?
- Taylor Swift
Pov Cassie
A sala de dança estava iluminada por uma luz suave, que filtrava-se através das grandes janelas de vidro. As paredes eram de um branco imaculado, decoradas com espelhos que refletiam cada movimento que eu fazia. O som de uma música instrumental suave preenchia o ambiente, suas notas delicadas criando um fundo perfeito para tudo que eu estava sentindo.
Nunca fui boa dançarina, mas a cada passo que eu dava, sentia uma mistura de força e leveza. A sala estava vazia, e eu me aquecia enquanto esperava pelo meu parceiro de patinação, mesmo sem fazer ideia se ele iria aparecer. Passei a noite em claro tentando entender o que aconteceu; estávamos bem, até ele me deixar sozinha no meio da pista de dança, sem nenhum motivo.
— Olá — Emma me cumprimenta. — Boa técnica — ela comenta sobre os meus passos de dança.
— Estava me aquecendo — desligo o som. Olho novamente o celular para confirmar que ele já estava atrasado. — Acho que não vai ser necessário — digo, ao vê-la começar a se aquecer. — Tenho certeza de que as desculpas de ontem não eram só por me deixar lá sozinha. — Um nó se forma em minha garganta, e ela entende perfeitamente o que quis dizer.
Pego minhas coisas para ir embora, mas, enquanto espero o elevador, ele aparece. Ficamos nos olhando por um tempo.
Eu não entendo ele; ontem estava tudo bem, e, do nada, ele me deixa e vai embora sem explicações. Agora chega atrasado e não diz nada. O que ele está querendo?
Ele vai direto para a sala de dança sem dizer nada, tira o casaco e começa a se aquecer. Olho para Emma, e ela apenas sorri, sem saber o que dizer.
Ela pede para eu entrar, e eu obedeço. Passamos a manhã toda treinando sem que ele olhe na minha cara. Eu nem sei por que ele está me tratando assim.
Passamos horas treinando levantamento. Estamos exaustos, principalmente ele. Na patinação artística em dupla, uma das coisas principais é força e equilíbrio. E é bem mais difícil quando se começa depois de adulto.
— Já chega — ele me coloca no chão e deita-se no tapete. — Preciso de um tempo.
Emma entrega uma garrafa de água para ele e desliga a música.
— Vinte minutos — ela diz e sai da sala. Como não pretendo ficar perto dele sozinha, vou atrás dela.
Emma pega sua filha no colo e a leva até a cozinha. Ela a coloca na mesa, e eu sento ao lado, enquanto Emma dá salada de frutas para sua bebê. A filha dela é a coisa mais fofa. Ela tem cabelo escuro e liso, que vai um pouco abaixo dos ombros, e olhos castanhos, levemente esverdeados, que combinam perfeitamente com seu tom de pele claro.
— Ela é uma mistura perfeita de vocês — digo, referindo-me a ela e ao marido.
— É mesmo. No começo, eu achava que ela era a cópia do pai, mas agora consigo ver alguns traços meus. Engraçado que, quando nos tornamos mães, nossos filhos se tornam os bebês mais lindos do mundo, e daríamos nossa vida por eles.
— Ela tem muita sorte de ter uma mãe incrível como você.
— Você não tem família? — Emma pergunta, e apenas nego com a cabeça. Posso até ter parentes de sangue, mas família, nunca tive. — Tudo bem. Quando você casar e tiver filhos, terá uma família linda. — Emma sorri, e eu faço o mesmo. Nunca pensei nisso, mas ela tem razão; ainda posso ter meu porto seguro.
Queria perguntar a ela se sabe o que está acontecendo com Harry. Tenho quase certeza de que sim, mas não tenho tanta intimidade com ela para falar sobre essas coisas ainda.
— Ele só precisa de um tempo para colocar a cabeça no lugar, ele não está com raiva de você — acho que ela entendeu perfeitamente o que eu queria perguntar, mas não tive coragem.
— Obrigada — sorrio, um pouco triste.
Ela termina de dar comida para a filha, e voltamos para a sala de dança. Ela coloca a bebê no meio de vários brinquedos e começa a passar as instruções do que vamos fazer.
Harry continua sem olhar para mim. Isso está me irritando; se ele não quer mais fazer isso, é só avisar, eu vou entender.
Quando finalizamos o treino, pego minhas coisas e vou embora. Normalmente ele me deixa em casa, mas foi torturante demais passar o dia assim com ele; prefiro ir caminhando.
— Olá, Gail, tudo bem? — sento no balcão enquanto ele guarda alguns copos. — Quer ajuda?
— Não precisa, já estou terminando. E você, por que não veio com o garoto hoje?
— Ele está bem estranho desde ontem à noite, e eu nem sei exatamente o porquê.
— Tem certeza de que não sabe? — ele solta essa e sai. O que ele quis dizer com isso?
Saio do balcão e vou para meu apartamento. Entro e vou direto para o banho.
Por que eu deveria saber? Ontem estávamos bem, e do nada ele me deixa sozinha e não fala mais comigo. Tomo um banho rápido, visto um moletom quentinho e me deito no sofá, tentando esquecer tudo que aconteceu durante o dia. Não consigo deixar de ficar com raiva; ele insistiu em começar tudo isso, então tenho o direito de ficar com raiva, não ele.
Acordo com o som insistente de batidas na porta. Levanto do sofá, bufando, com as mãos ainda trêmulas por tudo o que tentei ignorar o dia inteiro. É ele. Sei que é.
Abro a porta com força, pronta para explodir, mas antes que eu possa dizer uma palavra, ele começa, sem nem me olhar direito, com o olhar perdido, entre arrependido e desolado.
— Me desculpa, por favor. Eu... eu sei que fui um idiota. — Sua voz sai embargada, e ele passa as mãos pelo cabelo, como se buscasse alguma maneira de aliviar a tensão.
Cruzo os braços, tentando me manter firme, mas meu coração já está fraco. — Ignorar minha existência o dia todo e só agora aparecer? Você tem ideia de como eu me senti? Eu não estava entendendo nada.
Ele finalmente me encara, e vejo um brilho no olhar dele, uma dor que está constantemente em seus olhos. — Não é isso... É a minha família. Eles... eles nunca vão aceitar a gente junto, nunca vão entender, e eu estou tão confuso. Eu amo estar com você, mas sei que quanto mais ficamos juntos, mais difícil vai ser te deixar partir.
As palavras dele me atingem como um golpe. Claro que eu sabia das dificuldades, das diferenças que a família dele nunca escondeu, mas ouvir isso da boca dele torna tudo mais cruel.
— Então, o que isso significa? Que você vai continuar me deixando de lado quando eles estiverem por perto? Que vamos ensaiar sem trocar uma palavra? Como vamos manter isso?
Ele dá um passo em minha direção, a expressão desesperada, os olhos suplicantes. — Estou tentando, juro. Eu só... eu só quero estar perto de você, mas não estou conseguindo separar as coisas.
Quero acreditar. Mas, naquele momento, toda a esperança se mistura com a raiva e com o cansaço de sempre ser a exceção, de ter que lutar para permanecer na vida de alguém. Olho para ele, tentando encontrar as palavras, mas tudo o que consigo é um longo suspiro.
— Talvez devêssemos parar por aqui. Não precisamos fazer isso se você não quiser, eu dou meu jeito, sempre dei.
O silêncio entre nós é denso, pesado, preenchido apenas pelo som suave das nossas respirações entrecortadas. Mal consigo olhar para ele, mas, ao mesmo tempo, não quero desviar o olhar. Ele está ali, bem na minha frente, mas parece que há um abismo entre nós, um abismo que as palavras mal conseguem atravessar.
Ele levanta os olhos, e vejo que estão brilhando, carregados de uma dor que reconheço, porque também está em mim. Sinto meus próprios olhos marejarem, e, por mais que eu queira segurar, o nó na garganta se desfaz, e a primeira lágrima desliza pelo meu rosto.
— Eu não queria que fosse assim — ele murmura, a voz quase um sussurro. — Queria que tudo fosse mais fácil. Queria que a gente pudesse simplesmente... ficar junto, sem todo esse peso.
Minhas mãos estão trêmulas, e as levo ao rosto, tentando conter as lágrimas que insistem em cair. — Eu também queria. Queria que nada disso importasse, que não existisse essa barreira entre a gente. Porque... eu... Eu gosto muito de estar com você.
Ele fecha os olhos por um segundo, e vejo seus ombros tremerem, como se as palavras o atingissem em cheio. Ele estende a mão e segura a minha, com uma força desesperada, quase como se eu pudesse escorregar pelos seus dedos a qualquer momento.
— Eu queria tanto nunca ter te conhecido. Queria continuar odiando a mulher que eu nunca vi na vida, era tão mais fácil. Porque agora que conheço a mulher que meu irmão era apaixonado, eu não consigo — a voz dele falha, e uma lágrima escorre pelo seu rosto, caindo sobre nossas mãos entrelaçadas. — Não importa o que aconteça, eu não consigo te odiar, porque eu vejo em você exatamente o que meu irmão me falava por horas no telefone.
Essas palavras me atravessam, e toda a tristeza que estava guardada explode em soluços silenciosos. Ele me puxa para perto, e eu encosto a cabeça em seu peito, ouvindo as batidas do seu coração, sentindo a intensidade do que há entre nós, mesmo com todas as dificuldades. Ali, abraçados, as lágrimas se misturam, e sinto que, de alguma forma, apesar de tudo, ainda temos um ao outro.
— Vamos terminar o que começamos, vamos ganhar aquele torneio e você vai embora, e nunca mais vamos nos ver. — Assinto e ele vai embora me deixando sozinha com minhas lágrimas.
⛸️
Pov Harry
Estou escorado no capô do meu carro, os cotovelos apoiados e as mãos entrelaçadas diante do rosto. O peso de tudo o que está acontecendo parece me esmagar. Emma está ao meu lado, em silêncio, mas sinto o olhar dela sobre mim, firme e calmo. Conheço esse olhar, é o jeito dela de dizer que sabe o que é melhor, mesmo quando eu não quero ouvir.
Suspiro e, depois de alguns segundos, deixo escapar o que está me corroendo por dentro. — Eu não consigo parar de pensar nela, Emma. Dizer para Cassie que não podemos ficar juntos... foi a pior coisa que já fiz. Mas minha família... minha mãe... eles nunca vão aceitar.
Emma coloca uma mão no meu braço, e o gesto, embora pequeno, é uma âncora para mim.
— Eu sei, Harry. Sei que está doendo. Mas... se você continuar assim, cada vez vai ser mais difícil. Vocês dois vão criar um vínculo que só vai machucar mais quando, um dia, não puderem continuar.
Eu a olho, tentando processar o que ela está dizendo. Parte de mim quer revidar, dizer que não entende, que esse sentimento por Cassie não é algo que posso simplesmente enterrar.
— Então é isso? Você acha que eu deveria deixá-la? Ignorar tudo que sinto por ela só porque... minha família nunca vai aceitar?
Emma respira fundo, como se escolhesse as palavras com cuidado, e seu olhar permanece firme. — Estou dizendo que, talvez, essa seja a única solução. A mais difícil, mas a única. Porque, se vocês continuarem juntos, escondidos, vivendo nesse limite... só vão se machucar mais. Quando chegar o momento em que não poderão mais esconder, a dor será ainda maior.
A cada palavra dela, sinto um aperto maior no peito. Ela está me dizendo o que eu já sabia, o que venho tentando evitar. Desviar o olhar para o chão é a única coisa que posso fazer, porque o peso das palavras dela é grande demais para encarar.
— E se eu nunca encontrar alguém que me faça sentir isso de novo? — murmuro, sentindo a garganta apertar. A ideia de viver sem Cassie, de fingir que nunca existiu, parece insuportável.
Emma aperta meu braço, com um olhar suave, mas que ainda carrega aquele peso inabalável.
— Talvez você nunca encontre, Harry. Talvez ela seja única. Mas, ao deixá-la agora, você está permitindo que vocês dois sigam um caminho que seja possível, que não esteja cercado de proibições, de medo. Vocês merecem isso, ambos merecem.
Fecho os olhos, tentando segurar a dor que me sufoca, mas as palavras dela se repetem na minha mente. Emma está certa — eu sei disso. Ela está certa, mas saber disso não torna nada mais fácil.
O silêncio entre mim e Emma é interrompido pelo som dos passos de alguém se aproximando. Não preciso olhar para saber que é Cassie. Reconheceria a presença dela em qualquer lugar, como se o ar ao meu redor ficasse mais denso, mais difícil de respirar.
Ela está lá, no canto do rinque, trocando os sapatos pelas lâminas de patinação com movimentos cuidadosos e precisos. Seus olhos se voltam para a pista, evitando os meus, mas sei que ela sente minha presença. Tudo o que conversamos, tudo o que eu disse para ela sobre como não podemos ficar juntos — as palavras parecem estar suspensas no ar, nos cercando e tornando o espaço entre nós quase insuportável.
Eu calço meus patins e deslizo para o centro da pista, me aquecendo sem pensar muito, meus movimentos automáticos, mecânicos. Sinto quando ela começa a patinar também, a alguns metros de distância. O gelo parece ser o único lugar onde não precisamos falar, onde as palavras ficam suspensas e a dor entre nós se transforma em movimento.
Começamos o treino sem trocar uma única palavra, sincronizando os movimentos que já conhecemos tão bem. Eu levanto o braço, e ela faz o mesmo, giramos em direções opostas, deslizando pelo gelo até quase nos encontrarmos. Quando nos olhamos rapidamente, o impacto é como um choque. Nossos olhares se encontram e, por um segundo, o que existe entre nós é uma mistura de tristeza e saudade. Não conseguimos disfarçar.
Ela se posiciona à minha frente, esperando o momento para o próximo passo — o salto combinado. Respiro fundo, tentando ignorar o aperto no peito, e seguro sua mão, apenas o tempo suficiente para que ela impulsione o salto. Ela gira no ar com a graça de sempre, e, quando aterrissa, há uma fração de segundo onde sinto sua mão de novo na minha, antes de ela se afastar.
A cada movimento, me esforço para não pensar no que tudo isso significa. Mas o treino segue como uma dança silenciosa, uma dança cheia de tudo que não dissemos. Ela se aproxima novamente para o giro final, onde a seguro pela cintura, e sinto sua respiração perto de mim. Há um momento de hesitação, onde sei que ela sente o mesmo que eu: a vontade de se entregar, de deixar que tudo o que nos impede de estarmos juntos desapareça. Mas, em vez disso, completamos o giro e nos soltamos, mantendo a distância necessária.
Quando o treino termina, nós dois estamos ofegantes, não pelo esforço físico, mas pela tensão no ar, pelo peso de tudo o que estamos carregando. Ela se afasta lentamente, o olhar fixo no gelo, e eu fico ali, vendo-a se afastar, sentindo que o espaço entre nós nunca pareceu tão vazio.
Depois do treino, tudo o que quero é um pouco de silêncio, um pouco de distância do que acabei de sentir. Dirijo até a casa da minha mãe, onde deixei Maya.. Ela deve estar esperando ansiosa por mim, sempre tão feliz de me ver, e isso, pelo menos, é algo que me faz sentir menos peso.
Chego, estaciono, e entro em silêncio, sabendo que minha mãe está no jardim. Maya vem correndo, as patas pequenas batendo no chão, e pula nas minhas pernas, abanando o rabo com aquela alegria que só ela sabe ter. Abaixo-me, acaricio a cabeça dela e deixo que aquele momento me acalme um pouco, como se, por um instante, nada estivesse errado.
Mas então, ao me levantar, meus olhos caem sobre a porta do quarto de Henry. Está entreaberta, o quarto intocado, como ele deixou. Antes que possa me convencer do contrário, empurro a porta e entro, como se uma parte de mim estivesse presa ali, junto com todas as lembranças que Henry deixou.
O quarto ainda tem o cheiro dele, uma mistura do seu perfume amadeirado que ele sempre usava. É como voltar no tempo. Minhas mãos tremem um pouco quando pego uma das fotos sobre a cômoda — Henry e eu, lado a lado, sorrindo como se o mundo não pudesse nos atingir. Eu sorrio de volta para a foto, mas o sorriso logo se dissolve.
— Desculpa, Henry — sussurro, a voz embargada. — Eu não planejei isso... me apaixonar pela Cassie. Eu sei que ela era sua, que você a amava. Eu... eu nunca quis que fosse assim.
Seguro a foto com força, sentindo a culpa me consumir. É como se ele estivesse ali, olhando para mim, me lembrando de tudo que eu devia a ele — e que, de alguma forma, eu estou traindo.
Sento-me na beira da cama, as memórias pesando sobre mim. Cada canto deste quarto me lembra dele. O violão encostado na parede, os livros empilhados sobre a mesa. Ele era meu melhor amigo, meu parceiro, o irmão mais incrível que eu poderia ter. Agora, estou apaixonado pela garota que ele amou. E isso me deixa dividido entre a felicidade e a dor, entre o amor e a culpa.
— Eu sinto tanto a sua falta — murmuro, a voz quase inaudível. — Eu daria tudo para te ter de volta. Para ouvir você me zoar, me dizer que estou sendo um idiota por tudo isso.
Respiro fundo, tentando conter as lágrimas que ameaçam vir. Mas sei que, de algum modo, Henry sempre estará aqui, neste quarto, nessas lembranças. E, talvez, em algum lugar, ele me perdoe por tudo isso. Mesmo que eu ainda não consiga me perdoar.
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