Capítulo 36
Os pais de Aurora iriam permanecer em Inglaterra durante cerca de mês e meio, portanto só iriam embora no final de Setembro. Até lá, era ponto assente que iriam aproveitar o tempo o melhor possível. Na primeira semana em que lá estiveram, Elliot arranjou-se de maneira a ter tempo para confraternizar com os pais de sua esposa, e continuar a tratar da sua vida profissional. O bom, é que ainda era Agosto e não haveria muito que fazer, nem mesmo na cidade. As pessoas aproveitavam o tempo para o ócio, para a família, o lazer e o prazer de nada fazer.
A temporada de bailes ainda se desdobrava numa e noutra mansão ou casas de bom nome. Elliot e Aurora receberam alguns convites que depressa declinaram. Não era um ambiente que apetecesse muito a ambos, e como os pais de Aurora não se mostraram muito coniventes com a ideia nem se quer ponderaram.
Fizeram passeios pelos montes e campos que rodeavam a residência Ashmore, tanto a cavalo como de carruagem, por entre pradarias e encostas verdejantes que ainda tinham algumas flores que ainda não haviam secado do Verão. Elliot e Aurora conheciam todos os cantos e recantos daqueles locais e eram sem dúvida os melhores guias. Não que Glória e Juan não conhecessem a zona, a casa onde viviam anos antes, a casa de Aurora, não ficava assim tão distante quanto isso da de Elliot, mas no tempo em que habitaram a Inglaterra acabaram por não ter esse prazer tantas vezes assim,pelo menos não com aquelas despreocupação.
No final da primeira semana, Lucy e o seu marido, tal como o pequeno filho, já se haviam encontrado com os pais de Aurora que eram quase como família para eles também. Posteriormente, Elliot convidou-os a cearem com eles assim que tal lhes fosse possível, e tal convite foi aceite e concretizado alguns dias depois.
Na semana seguinte, Elliot já se encontrava relaxado o suficiente para conseguir levar uma conversa com o pai de Aurora. E a partir de uma certa altura, ambos conseguiam levar a conversa levemente e realmente sabiam que gostaram um do outro. Não por Juan ser o pai da sua esposa o, no caso de Juan, por Elliot ser o marido da sua filha, haviam chegado a conclusão que mesmo que nenhum laço familiar os unisse, se dariam muito bem. Elliot descobriu que talvez tivesse mais a ver com ele do que o aquilo que imaginava. Embora fossem figuras de forças físicas completamente díspares, eram ambos almas que se compadeciam pelas mesmas coisas, e por vezes demasiadamente bondosos.
Durante essa semana, tiveram oportunidade de viajar até algumas terras vizinhas conhecendo algumas casas que estavam abertas para visitas, como museus, e Juan teve a oportunidade de participar numa ou outra caçada com Robert, o qual já conhecia dos anos em que vivera em Inglaterra. Ficou extremamente contente por saber que eram da mesma família agora, mas nunca soube, nem chegaria a saber, de todo o tumulto que a sua filha causara, sem querer, no coração daqueles dois homens.
Numa noite na terceira semana, Juan se ocupou a desenhar com Aurora na sala, ele que a havia ensinando, a maioria das coisas pelo menos. Juan tinha um talento e um gosto especial pelas artes. A sua esposa estava num outro cómodo com Adelia trocando algumas ideias de seja lá aquilo que fosse. Glória não precisou que lhe dissessem, ela podia ver isso perfeitamente, que Adelia era quase como uma mãe para Elliot e sentiu necessidade de criar um laço com ela, e a governanta, rapidamente se compadeceu de aceitar. Elliot lia num dos cadeirões, embora não com muita atenção, depressa se deixava fascinar pelos desenhos tanto de um como de outro.
- Elliot, a caso o senhor não quer desenhar ou pintar também? – Interrogou Juan ainda olhando para o retrato que fazia da filha com um aparo e tinta da china.
- Ah não, não... faço-o raramente, e não com muita mestria. Aprecio-o observar tanto o processo como os trabalhos finais sem dúvida, mas, confesso que não é de todo a arte com a qual me entendo melhor no diz respeito a fazê-la.
- Mas toca pianoforte muitíssimo bem meu pai! É um excelente pianista! - Aurora falou retirando os olhos da sua aguarela e incentivando Elliot a tocar.
- Acho que a sua filha exagera nas qualidades que me dota... - Elliot ficou um pouco rosado por aquele elogio, sempre ficava quando era elogiado por ela na frente de outras pessoas, ainda por cima sendo essa pessoa seu sogro.
- Não se acanhe Elliot! No final de contas, está em sua casa, não tem que se envergonhar. Toque um pouco para nós por favor...
- Sim Elliot! Sim, toca por favor! - Aurora nunca perdia uma oportunidade de ouvir Elliot tocar, pedia-lhe muitas vezes em momentos distintos para o fazer e deleitava-se de todas elas.
Elliot acabou por aceitar, não precisou de muita insistência, adorava tocar no pianoforte, e ainda não o tinha feito desde a chegada dos seus sogros. Tinha tocado a vida toda, e ainda não se tinha cansado. No início, estava só ele, tocando, e Aurora e Juan haviam cessado os seus desenhos para apreciarem. Juan reconheceu todo o seu talento dizendo que as palavras da filha não foram de maneira nenhuma um exagero. Pediu para que ele continuasse, e assim foi.
Após algum tempo, Glória e Adelia retornaram querendo ouvir aquela maravilhosa melodia. E uma coisa puxando a outra, Aurora aceitou cantar com Elliot ao piano, que a partir de um momento se deixou levar pela doce voz da sua esposa e contou com ela também. Depois isso, até os pais foram capazes de cantar.
Adelia, embora não tivesse cantado, estava lá presente, num estado de felicidade inabalável. Já tinha visto aquela casa com todo o tipo de gentes e festas muitos anos atrás, mas tinha saudades daquele ambiente familiar preenchido, onde se ouvia muitas pessoas falando, ou cantando, carinhosamente umas por cima das outras.
*
No final de Setembro, quando faltava menos de uma semana para os pais de Aurora retornarem á Argentina, Elliot decidiu organizar um grande jantar, como há muito aquela casa não via. Quando o seu pai ainda era vivo, costumava dar algumas festas e bailes, então era comum encher aquela mesa e outras mais com convidados. Mas Elliot nunca sentiu o mesmo gosto por grandes reuniões, e acabou por fazê-las só por decoro uma vez ou outra, mas rapidamente desistira dessas tentativas. Contudo, a intenção daquela noite era distinta, e tanto ele como a sua esposa se encontravam felicíssimos. Na mesa, além do casal residente e de Adelia, estavam os pais de Aurora, Lucy e o seu esposo, o seu filho também estava presente embora com uma empregada num dos quartos, Robert, acompanhado de Judith, que havia sido apresentada numa tarde anterior uns dias antes, Isabel e William também haviam comparecido acompanhados do pai de Isabel, o senhor Kenward, Henry, embora sem a esposa, Raphael na sua presença de amigo e não de médico, e também Lydia havia comparecido assim como George.
Não foi fácil para Elliot reunir todas aquelas pessoas. Mas no fim de algumas conversas, de algumas cartas enviadas, e de alguma dose de persuasão para com alguns dos convidados, lá conseguiu fazê-lo. Enquanto o fazia, lembrou-se de uma outra pessoa, de Elionor. Já não falava com ela fazia vários meses, encontrara-a recentemente na cidade, mas não trocaram mais do que os cordiais cumprimentos. Elliot decidiu que talvez aquela fosse uma boa altura para se voltarem a falar, por certo Elionor já haveria ultrapassado os seus sentimentos, e também, não queria desprezar uma boa amizade de infância agora que a sua raiva se havia dissipado. Porém, a jovem declinou o convite dizendo que por essa altura estaria dentro de uma carruagem em direção a norte, pois a família compareceria lá a um baile que embora fosse dois dias depois, teriam sido convidados a passarem lá os dias antecedentes. Elliot não insistiu, mas entendeu que mesmo que Elionor pudesse, provavelmente não viria, talvez ainda demorasse para se voltarem a falar como amigos, talvez até nunca mais chegasse a acontecer.
Contudo, as pessoas presentes já eram mais que suficientes, e embora todas fossem de bons modos, já foi o bastante para a partir de uma altura haver várias conversas distintas a decorrer na mesa separadas por pequenos grupos que se entrecruzavam criando um diálogo desorganizadamente organizado.
Após o jantar quando todos se levantaram da mesa se espalhando pela enorme sala, Robert pode apresentar Judith decentemente á sua mãe que ainda só tinha ouvido dela por cartas. O jovem estava um pouco receoso, não sabia até que ponto a mãe iria aceitar. Judith não era pobre, tinha um bom dote até, os seus irmãos homens eram todos formados e a sua irmã tinha tido um bom e promissor casamento. Mas não era de uma família dita rica muito menos nobre. Porém, Lydia, já há muito que se deixara de preocupar com a promessa feita anos antes, só queria que o seu filho fosse feliz ao lado de quem escolhesse, e não se iria intrometer mais nessa escolha. Conversaram os três, e Lydia deu a entender a Robert que se despachasse a pedi-la em casamente, se ela já tinha vinte e sete e ainda queria ter filhos não havia porque esperar mais, além disso, ele estava realmente enamorado pela jovem e parecia ser totalmente correspondido.
Isabel, travava amizade afincadamente com Lucy, tinham ambas filhos pequenos e identificavam-se naquela maternidade inexperiente, não demorou muito a que a conversa chegasse a Aurora, e que esta fosse novamente inquirida sobre o seu estado.
- Bem Aurora...digamos que comigo não foi difícil, dois meses após o casamento, e já o carregava no meu ventre. Mas tenho uma conhecida, que ficou dois anos sem conseguir engravidar. Ela falou com um boticário experiente, que lhe receitou alguns chás e ervas, e após meio ano realmente deu efeito. Hoje é mãe de três filhos saudáveis! – Lucy confessou enquanto bordava com as outras duas senhoras ao seu lado.
- Muito sinceramente, não perco muito tempo a pensar nisso... já conversei com Elliot, ele de maneira nenhuma põe pressão em mim para que lhe dê um herdeiro, vamos deixar as coisas seguirem o seu ritmo, certamente não é por falta de tentarmos... - Aurora estava convicta das suas palavras, mas realmente achava aquele assunto extremamente desconfortável.
- Querida amiga, desculpa estarmos aqui a falar-te disso...bem, a Janett Still, que penso que não vive muito longe daqui, casou há mais de cinco anos, e ainda não teve filhos, porém sempre que vejo os Still parecem-me um casal extremamente alegre e resolvido com a vida...
- Oh sim, sim...só falei porque realmente eu sempre tive em mim a vontade de ser mãe, e gostaria que Aurora o pudesse ser um dia também. – Lucy tentou explicar a sua aparente falta de decoro que foi perfeitamente compreendida tanto por Aurora como por Isabel. As duas mães porém, continuaram a conversa exaltado as qualidades dos seus filhos e partilhando as suas experiências, o que deixou Aurora um pouco sem jeito e sem saber o que responder. Decidiu levantar-se da beira delas para buscar algo que beber nas mesas onde havia vários copos pousados com bebidas espirituosas.
Elliot, estava com William, Henry, George e Brandon, marido de Lucy, num canto da sala, conversavam avidamente enquanto jogavam, sobre o quê, não é importante. Robert como estava com a sua mãe e com Judith, não fez questão de se juntar a eles. Já os pais de Aurora, Adelia, Raphael e o Senhor Kenward estavam no outro canto sentados em sofás rindo muitíssimo das histórias mirabolantes que os dois latinos partilhavam com os Ingleses. No intervalo de uma dessas histórias, Glória lançou o seu olhar para as mesas notando a sua filha retornar de lá ainda com a expressão preocupada, e a sua intuição materna, fê-la saber exatamente o porquê da filha se encontrar assim. Pediu licença saindo de onde se encontrava e foi com a filha até ao exterior passear pelos jardins naquela ainda amena noite de Setembro.
- Então minha querida...estavas tão contente, tão radiante, de repente parece que perdeste um pouco do teu encanto.
- Oh minha mãe...não foi nada, não se preocupe com isso...
- As tuas amigas já são ambas mães faz mais de um ano... é isso não é Aurora? Estavas a conversar com elas, e ambas partilham de uma maternidade ingénua que ainda estão a conhecer, é normal que falem disso a toda a hora, e que te inquietem sobre o teu estado.
Aurora mirou a mãe algo surpresa, mas já era costume ela adivinhar as coisas antes de as saber.
- Não que me incomode a felicidade delas, de maneira alguma, sinto-me também eu abençoada pelo contentamento delas, mas... ás vezes isso faz me sentir como se fosse minha obrigação ter um filho também. Sei que seria o normal a acontecer, por esta altura já seria esperado estar grávida...
- Eu demorei algum tempo a engravidar de ti, e depois disso, eu nunca mais consegui engravidar...bem, saiu-me muitíssimo bem á primeira diga-se de passagem – Glória sorriu pondo o braço a volta da sua filha, bem mais alta que ela – mas a minha irmã, tua tia, nunca conseguiu, e não foi por falta de tentar acredita! Aquela mulher teve vários casos extra-conjugais, e nunca teve filhos com nenhum deles. Por isso, não sei Aurora, acho que não nos está propriamente nos genes sermos abençoadas com uma fecundidade profunda e divina... Mas não é por isso que valerás menos, nem tens como saber se realmente o problema é teu. Elliot não casou contigo para ter um herdeiro, estou certa disso, tal como tu estás. Casou contigo porque te ama. Se vierem a ter um filho será ótimo, ficarei imensamente contente minha querida, mas não sintas que é isso que ditará o teu valor, nem fiques a pensar no assunto, porque aliás, isso até costuma ter o efeito contrário! – Glória riu desvalorizando um pouco aquele assunto. E Aurora pareceu ter a mente menos carregada depois daquele momento de afetividade. Se chegasse a ter um filho, gostaria de ter uma relação tão boa com ele como a mãe e o pai tinham consigo.
*
O resto da noite decorreu o melhor possível. Juan e Glória riam muito alto e ao fim da noite já falavam espanhol para os Ingleses, provavelmente já era o vinho a falar mais que eles. George fora o primeiro a ir embora, tinha que comparecer numa outra festividade dois dias depois e a viagem ainda era longa, por isso, quando bateu as duas da manhã já se encontrava numa carruagem em direção ao local. Lydia ficou, e foi embora apenas quando Robert também se decidiu a ir acompanhando Judith a casa. Já há muito que não passava uns dias na companhia do filho, e decidiu aproveitar a oportunidade para o fazer não regressando de imediato á outra mansão Ashmore, mas ficando na residência de Robert. Quanto aos outros, permaneceram todos em casa de Elliot, incluindo Raphael. Tinha avisado a empregada de sua casa para o virem chamar lá caso fosse alguma emergência, mas realmente rezou para que tal não fosse necessário pois também já havia bebido uns copos de vinho a mais. Elliot levou todos aos respetivos quartos, dizendo que os empregados noturnos estariam disponíveis para qualquer coisa que necessitassem, quando chegou a vez de levar Raphael, Elliot não pode deixar de pensar que muito raramente tinha visto aquele homem ser outra coisa que não um médico a tempo inteiro, ficou contente por ele ter aceite retirar aquela noite para se divertir.
- Fiquei muito contente por ter vindo Raphael, é sempre bom ver o homem para lá do ofício.
- Oh sim sim, e eu muito satisfeito fiquei em comparecer, tenho-lhe a dizer que, como esperado, tem muito bom gosto, tanto na comida como no vinho!
- É, eu entendi que gostou, principalmente do vinho, o Senhor e todos ou outros! – A verdade é que praticamente toda a gente tinha ficado pelo menos ligeiramente embriagada com aquele serão, as únicas pessoas que se contentaram com apenas um par de copos, haviam sido Elliot e Lydia e talvez George. Porque todos os outros a partir de um momento acabaram por perder a conta, ainda que ninguém houvesse transposto os limites do razoável.
- Ah não me pode atirar isso á cara! Só não bebe mais porque a sua saúde, e eu, não lhe permitimos isso. Se não, estaria igual a mim, com a mesma cor nas bochechas! Bem, boa noite meu amigo Elliot, já é tarde, e imagino que ambos precisamos de dormir, se bem que imagino também que ainda tenha tempo para outros prazeres com a sua esposa... – Raphael falou em tom cómico enaltecendo o quão rosada a sua face estava.
Elliot foi apanhado de surpresa por aquele comentário, e depois de se rir daquela honestidade de pensamento, decidiu responder-lhe da mesma maneira sincera.
- Talvez, já que o senhor não está em condições de o fazer, vou pedir á minha esposa que me faça um outro tipo de "exame"... Boa noite Raphael, até amanhã! – Elliot não esperou por resposta. Dirigiu-se para o seu quarto onde Aurora já o esperava, sentada no penteador, com a mesma intenção que ele.
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