Capítulo 29
O dia seguinte começou com um pequeno almoço (café da manhã) onde os residentes e os dois convidados se reuniram numa faustosa mesa, decorada com muito mau gosto, que envergava comida para o dobro das pessoas que aquelas que estavam presentes na mesa. Ainda para mais, George filho, saíra cedo para caçar com dois amigos, e Lydia, ainda não voltara.
Após esta primeira refeição, Elliot e Aurora pediram permissão para se ausentarem até aos terrenos traseiros. O senhor Ashmore, insistiu muitíssimo para que aceitassem ser guiados por tais locais por ele e por Mary, mas o casal, delicadamente recusou essa proposta, dizendo que realmente tinham preferência em descobrir sozinhos tais locais e que não queriam ser um incómodo para eles. Mesmo assim, o Senhor Ashmore insistiu firmemente, várias vezes, e foi necessário Elliot recusar quase demandando a sua privacidade para que este findasse tal sugestão. Mas não o deixou ir sem antes o relembrar da conversa que haviam marcado. Porém, não era necessário lembrete nenhum, Elliot recordava-se perfeitamente daquilo que haviam combinado na noite anterior, não conseguiu pensar em nada mais que isso durante a noite, e tinha dormido muito pouco por culpa dessa preocupação.
Quando Elliot e Aurora adentraram pelos jardins, repararam o quão mal cuidados estavam. Tendo em conta os da frente, e conhecendo os seus proprietários, já era de esperar tal coisa. Mas a peculiaridade daqueles jardins em específico, era que, embora estivessem um pouco mais cuidados que os da frente, continuavam horrendos. Não era um jardim inglês bem cuidado, mas também não era simplesmente uma mata deixada á sua natureza selvagem. Seria um lugar bem mais agradável se fosse alguma dessas duas coisas. Era um misto entre um jardim geométrico e um mau gosto por uma tentativa de simular o selvagem e o invulgar. Como se a própria natureza não exercesse em si mesma todas as propriedades para se tornar selvagem, os senhorios decidiram dar-lhe essa aparência de um modo muito mal executado.
Ao fundo do jardim, existia porém, um banco velho de madeira, onde algumas heras brotavam. Estava recatado, e certamente ninguém os incomodaria em tal parte. Elliot e Aurora dirigiram-se para lá e sentaram-se por cima da madeira e das heras.
- Acho que é o melhor que pudemos fazer, não me parece que haja muita beleza a ser encontrada aqui. – Aurora falou ao passo que o sol beijava a sua pele de morena voluptuosa, fazendo-a semicerrar os olhos já de si rasgados.
- Além de ti...nenhuma. – As palavras de Elliot saíram naturalmente, sem nenhuma tentativa de dizer outra coisa que não aquilo.
- Oh Elliot! Sabes que embora me aprese a alma ouvir isso, não sei o que te responder... – Aurora falou rindo com as faces rosadas pela presença de um pouco de vergonha, sem perceber o quão verdadeiras tinham sido aquelas palavras. – Mas tenho que te pedir desculpa por insistir em vir. Eu realmente achei que fosse ser de outra forma, apesar dos teus avisos prévios, julguei que pudessem ter mudado, admito até, que por saber que já não os vias desde criança, pudesses ter feito algum mau julgamento do carácter deles, e que eles até fossem pessoas agradáveis. Agora entendo o quão errada estava nessas minhas conjeturas...
- Não há mal nenhum Aurora, eu entendo o porquê de teres pensado dessa forma. Eu mesmo cheguei, nas minhas divagações, a deparar-me com tais perguntas. Achei que realmente eu podia ter exagerado, nos meus tenros doze anos, em julgamentos precipitados, ou que o meu pai pudesse ter agido na separação, movido por algum ciúme ou desavença que me fosse desconhecido. Mas agora sei, sem incertezas, que não. Eles são realmente deploráveis...
- Verdade, pelos menos George parece-me mais equilibrado e sensato, tenho uma certa pena que esteja fadado a estes parentes....
- Partilho do teu sentimento Aurora. De facto, fora daqui, estou certo que muitas oportunidades se abririam para ele, mas permanecendo aqui, com este pai, aquela irmã...não sei realmente do que será a sua sorte. Penso que a irmã mais velha também era dotada de mais carácter e inteligência, se lhe seguir as pisadas de se ir embora, talvez encontre felicidade.
- Anseio para que tal aconteça. – Fez uma pausa no seu discurso mirando o nada para depois continuar - Para além disso, sinto que é minha obrigação aconselhar-te de algo mais. – Aurora chegou-se bem perto do seu esposo, e num ato de carinho e preocupação, segurou-lhe as mãos pálidas entre as suas. – Ainda não estivemos com a Senhora que é mãe de Robert. Sei que provavelmente te vai custar dialogar com ela, mas realmente, depois de ler a missiva, tal como tu leste, eu penso que ela sofre ainda hoje por tudo o que se passou, e só deseja agora a paz e a felicidade tanto do seu filho como a tua. Certamente que o teu primo já a informou do ocorrido, por isso, quando ela se dirigir a ti, ou a nós, peço que tenhas calma, não te exaltes, e que talvez desta forma consigas esquecer o assunto.
- Eu sei, não posso dizer que lhe guardo ressentimentos fortes, mas também não posso dizer que o carinho que tive por ela um dia se mantém inalterado, imaculado. Existe, é certo, mas, não é a mesma coisa...mas prometo que de maneira alguma irei iniciar algum tipo de discussão. Não tenho motivo nenhum para o fazer, e que o tivesse, nunca o faria aqui. Não podia dar um prazer dessa estirpe a esta gente... - Elliot falou realmente aquilo que sentia, mas queria desviar daquele assunto. – Espero que a conversa que o Senhor George Ashmore quer ter comigo não nos convide aos dois a ter nenhum tipo de discussão.
- Oh sim, mais essa! Não sei o que é que ele terá para falar contigo, mas certamente será algo sério. Para nos ter convidado para o baile, sabemos que não foi por querer reatar laços familiares. Talvez te queira pedir algum recurso financeiro, ou que arranjes bons partidos para os seus três filhos...
- Não sei Aurora, se fosse há uns tempos atrás, diria que me iria pedir dinheiro. Apesar de não falar com eles, a minha tia Lydia, foi mantendo as relações, porque realmente acredita que essa é a sua obrigação como família, e chegou a dizer-me que eles se encontravam numa situação um pouco delicada no que diz respeito ás finanças. Mas parece que George conseguiu resolver isso sem que a família tivesse de abandonar esta aparência excêntrica, infelizmente. Hoje em dia, penso que não mais se encontram com tais aborrecimentos. Certamente que a questão do matrimónio dos filhos seria mais provável que isso, mas também não julgo que seja essa a razão da conversa...
- E também não me parece que tenhas chegado a alguma conclusão durante a noite...apesar de não teres dormido.
Elliot olhou para Aurora algo surpreso, achou que esta havia dormido a noite toda.
- Desculpa se te acordei durante a noite meu amor, mas realmente não consegui deixar de pensar nisso....
- Não tens que te desculpar, a partir de uma altura realmente adormeci confortavelmente. Viemos aqui para descansar, mas acho que não é isso que tens feito. Anda lá, deita-te aqui! – Aurora chegou-se para a ponta do banco e bateu com as mãos nas coxas como se indicasse o lugar onde queria que Elliot se deitasse. – Posso sempre obrigar-te, num confronto de um para um entre nós, sabes que sairía vitoriosa! – Aurora disse num tom jocoso, embora isso fosse realmente verdade.
Elliot não se debateu em aceitar o pedido, e deitou a cabeça sobre as suas coxas com todo o gosto e afeição. O sol batia contra os corpos de ambos, fazendo-os quentes, e em pouco tempo o jovem adormecera no regaço de Aurora. Esta por sua vez, entretinha-se mexendo nos seus cabelos negros, contente por ter tido sucesso.
*
Algum tempo depois, entrava pela portada encardida, o elemento que faltava. Lydia havia finalmente chegado. A Senhora tinha uma conhecida, que morava para lá das fronteiras da cidade, que havia requisitado a sua companhia. Lydia podia ter recusado, ou podia ter adiado tal pedido para poder estar presente a quando da chegada dos convidados. Mas estava com tanto receio de encarar Elliot, que não hesitou em acatar o pedido da sua conhecida. No entanto, não conseguia deixar de sentir uma culpa lancinante por não ser capaz de enfrentar a verdade de frente. Por isso, decidiu que iria de qualquer maneira ter com a sua conhecida, mas que viria a tempo do baile.
Mal encontrou os restantes membros embebeu-se de toda a coragem que podia ter sumido um dia e perguntou por Elliot e Aurora.
- Oh minha querida irmãzinha que gosto em ver-te! Esses dois...vê lá tu, não quiseram aceitar a minha companhia nem a de Mary para os guiarmos pelos jardins!
- Estou certa que não o fizeram com má intenção. Pelo que conheço de Elliot ele é uma pessoa que presa a sua privacidade. Agora se me desculpas vou-me retirar para os ir cumprimentar. – Lydia fez uma pequena reverência e saiu até aos jardins traseiros.
Olhou por todo o lado, e quando finalmente os seus olhos encontraram as duas figuras, ficou parada, petrificada. Não sabia o que dizer, não poderiam simplesmente dizer um "Bom dia" e conversar naturalmente? Antes que se decidisse o que dizer viu a mão da mulher que observava se levantar no ar e acenando, como se a estivesse a cumprimentar.
Pé ante pé Lydia dirigiu-se a Aurora, que ainda mantinha Elliot adormecido sobre si. Quando finalmente a encarou de frente, principiou a desculpar-se muito aflitivamente, e deixou cair pelos seus olhos um par de lágrimas. Aurora interrompeu-a antes que ela começasse realmente a chorar, pondo um dedo nos lábios num gesto que requisitava silêncio. Só então Lydia se deu conta que Elliot dormia pacificamente. Apesar de notar de longe que ele estava deitado sobre a esposa, não achou que estivesse de facto a dormir.
- Vamos conversar num tom mais baixo Senhora, está bem? E por favor, não irrompa em choro ou em desculpas, não é necessário. Eu não lhe guardo nenhum ressentimento ou rancor, e sei que sofreu muito também por todo este tempo. Não há motivo para se rebaixar dessa forma.
- Acho que entendo agora o porquê do meu filho ter sentido por si afeições puras... meu Deus, eu sei de tudo o que se passou, sei que Elliot leu a missiva que eu escrevi, e apesar de Robert não me ter confidenciado isso na carta, imagino a discussão que deve ter acontecido, e como Elliot deve ter ficado...não posso deixar de me sentir culpada!
- Não pense assim...sabe, depois de me cometer a pensar sobre esse assunto, resolvi que realmente não vale a pensa perder nem mais um minuto com tal coisa. E pensando bem, ainda bem que tudo aconteceu dessa forma, ainda bem que a senhora aconselhou Robert a não se declarar, e ainda bem que Robert não confessou tais sentimentos ou tais provas de um dia os ter tido a Elliot. Caso contrário, provavelmente Elliot e eu nunca nos teríamos aproximado, e nunca teríamos casado... - Dizendo isto, Aurora olhou, sorrindo, para o semblante de Elliot que permanecia sereno no seu regaço.
- Ama-o realmente, e profundamente, estou certa disso. Os meus olhos não me enganam...
- Posso dizer com a toda a verdade de que sou dotada que sim, que o amo verdadeiramente, e que todos os dias agradeço a Deus por me dar a possibilidade de o continuar a amar.
- Oh querida.... não imagina a felicidade com que me dota em saber de si, e dele, tão felizes um com o outro.
Aurora e Lydia trocaram mais algumas palavras e em pouco tempo o ambiente e alma pesada com que Lydia chegara tinham desaparecido. Elliot acordou então, e os olhos azuis abriram a medo desbravando a luz, e depois, percebendo que Aurora conversava com alguém ao seu lado, levantou-se do colo de sua esposa ainda sonolento, meio acordado meio a dormir, e olhou para a figura com que esta conversava. Quando viu que era a sua tia, acordou realmente, abrindo os olhos em surpresa. Não estava á espera de acordar e ver a sua esposa a conversar calmamente com a mulher que queria evitar encontrar naquela casa. Afastou-se de rompante desviando o olhar e se sentando, ainda a assimilar a situação.
- A tua tia chegou, finalmente, e veio á nossa procura mal adentrou as grandes portadas. Mas como estavas a dormir tão bem, não te acordei. Não achei que fosses acordar nesse sobressalto. – Aurora falou como se toda a situação fosse perfeitamente normal, e não houvesse nenhum clima tenso para ser resolvido.
- Acho que a minha esposa e a minha tia me queriam matar do coração. – Elliot falou para si sem que as duas senhoras percebessem o que ele disse, e sem olhar em direção da sua tia.
- O que é que disseste? – Aurora perguntou sem realmente ter percebido uma única palavra.
- Nada Aurora, não disse nada... - Elliot continuava sem encarar Lydia, e sem saber o que dizer.
- Elliot, meu querido sobrinho, quero pedir desculpa por tudo. Não só por teres lido a tal carta, ou por ter influenciado alguma decisão de Robert, mas por tudo, por tudo o que possa ter causado sofrimento em todos nós. Mas o importante agora é que tu e Aurora são realmente felizes um com o outro, o vosso amor é puro, e desinteressado de interesses vulgares. O que importa mais que isso?
- Nada, nada mais importa! – Aurora respondeu por Elliot segurando a sua mão e sorrindo de canto a canto.
- Acho que a minha opinião já nem se quer é necessária, posso ver que já dialogaram entre as duas. Se Aurora não tem nenhum tipo de renitência em lhe mostrar perdão, então eu também não o terei. Já que não o consigo fazer dessa forma tão simples com o seu filho, pelo menos posso fazê-lo consigo. – Elliot finalmente conseguiu olhar a sua parente de frente e responder a seu pedido.
- Não sabes o peso que me sai da alma por ouvir tais palavras, meu querido! A única coisa que faria de mim uma pessoa plenamente feliz e em paz, era saber que tu e o meu filho já se encontravam de boas relações.
- Ah não se preocupe! Eu estou certa de que Elliot em breve será capaz de o fazer... - Aurora respondeu antes que Elliot pudesse dizer alguma coisa sobre o assunto, e como este concordava com a esposa, decidiu nada mais acrescentar sobre isso. Os três prosseguiram a conversa modestamente, Elliot ainda não estava completamente indiferente ao tumulto ocorrido, mas pelo menos conseguia perdoar a tia verdadeiramente.
*
Depois de almoçarem, e de uma grande mostra de más maneiras por parte de Mary e da Senhora Jane, que se exibiam como raridades perante alguns convidados que já haviam chegado para o baile, o senhor Ashmore dirigiu-se a Elliot, e os dois se encaminharam para o andar de cima onde ficava o escritório do dono da casa.
- Penso que chegou o momento para me satisfazer a curiosidade meu tio. – Elliot olhou inquisitivamente o seu parente procurando uma resposta rápida.
- Ah sim, claro...mas sente-se, sente-se primeiro, não é necessário ficarmos de pé! – O Senhor Ashmore estava realmente nervoso, as mãos estavam um pouco suadas e limpava a testa reluzente repetidamente com um paninho de seda.
- Então? Do que se trata? – Elliot voltou a questionar já sentado, cravando os olhos no indivíduo.
- Bem, sabe, não sei muito bem por onde começar é que...é um assunto algo complexo...
- Algo complexo? Achei que eram só trivialidades. - Elliot proferiu rindo ironicamente.
- Ah sim, sim...pois. Bem, o assunto que tenho a tratar consigo talvez seja um pouco mais sério...
- Isso eu já entendi. - Elliot estava a perder a paciência com aquele entrave.
- Ora, portanto, o que quero falar consigo...é sobre o seu testamento.
Elliot ficou atónito com aquilo que ouviu. Nem nas suas suspeitas mais controversas na noite anterior tinha imaginado aquilo. Não conseguia dizer nada, deixou que o tio prosseguisse com aquilo que realmente era do seu interesse.
- Elliot, não me leve a mal, por Deus! Mas como sabe as coisas da morte discutem-se em vida. - O senhor Ashmore envergava agora uma confiança pomposa de quem nada faz de errado.
- Onde quer chegar com isso? - As palavras de Elliot saíram ríspidas e em raiva, já imagina, agora, o que se seguiria.
- Este é de facto um assunto muito indigesto, que não me deixa nada satisfeito, meu querido sobrinho! Mas devido á sua saúde, ao seu coração, sabe...- conteve-se, pois temia as suas palavras.
- Ao meu coração debilitado, é provável que morra antes de si. É isso que quer dizer? - Elliot encarou o tio e as suas palavras tiveram um tom de gozo, mas receosas da grande possibilidade de serem verdade.
- Não exatamente! Mas...sejamos sinceros. Morrerá antes do meu filho George certamente. Dado que ainda não tem filhos, nem irmãos, os parentes mais próximos, com direito legítimo a herdar a sua casa, serei eu, e por sua vez o meu filho.
Elliot não conseguia acreditar nas atrocidades que ouvia. Vinha preparado para um monte de propostas indecentes, mas não aquilo. Discutir as minúcias da sua morte, daquela maneira, não estava de todo nas suas conjeturas. Sentia o seu coração se acelerar e se desritmar no seu peito. E doía, doía imenso, que um membro da sua própria família lhe quisesses espetar uma faca no peito daquela forma. Porém, não podia mostrar nenhum sinal de fraqueza, não ali, onde a sua própria morte era trazida como assunto de mesa de escritório, como uma trivialidade, um negócio.
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