Capítulo 10
No dia seguinte ao jantar com Robert, Elliot se decidiu a visitar Aurora ainda pela manhã. Teve a fortuna de esta se encontrar em casa, pois apareceu sem qualquer aviso prévio. Pensou em esperar que esta lhe escrevesse, ou ele próprio escrever-lhe, mas como era Sábado e possuía de tempo, e a viagem fazia-se menos de meia hora, decidiu fazer-se ao caminho, desta vez munido de carruagem.
Quando bateu á porta ninguém contestou. Decidiu contornar a casa até ás suas traseiras onde havia um bom campo de cultivo, parte para alimento, parte com flores. E lá estava ela. Envergava um vestido quase em trapos, muito velho, muito encardido. Certamente era usado para quando tratava dos seus jardins e cultivos. E mesmo assim Elliot não podia deixar de lhe apreciar toda a graça que lhe era conferida. Aurora se apercebendo da presença de Elliot ficou extremamente ruborizada e atrapalhada com a sua aparência, ainda que esta não provocasse qualquer desconforto ao visitante. Por esse motivo, mal o viu, cumprimentou-o muito apressadamente e foi se trocar.
Elliot se havia dirigido ali para convidar Aurora a passear com ele pela cidade. Com certeza haveria várias distracções e coisas para verem, já que já tinha tido o prazer de apreciar a paisagem bucólica com tão sublime companhia, queria agora também, experimentar os prazeres da cidade acompanhado da mesma pessoa. Ao início Aurora ficou renitente em aceitar. Se iriam sair juntos para a cidade as pessoas com certeza os veriam e começariam a falar. Era impossível não falarem. Por muito que ela não fosse uma pessoa da alta sociedade, ou minimamente rica, era relativamente conhecida pelas pessoas do povo, e até mesmo por vários burgueses que eram amigos dos seus mais variados serviços. Quanto a Elliot, certamente haveria pouca gente que não saberia de quem ele se tratava, ainda que nem sempre associassem o nome com o rosto. Aurora não queria ter de ouvir rumores infundados sobre a sua condição muito menos que a sua virtude fosse posta em causa. Mas uma vez, que na sua consciência, nada fazia de errado, aceitou por fim a sugestão do jovem.
Depois de se trocar, Aurora saiu de casa com uma saia clássica de um azul muito escuro, quase preto, usada na cinta por baixo dos seus seios, a blusa era de um azul muito suave. Nos seus ombros e braços trazia um lenço branco que fazia mais de adereço que agasalho. Tinha uma aparecia extremamente calma, respeitável, e de maneira nenhuma denegria a imagem do seu parceiro, muito pelo contrario.
Quando chegaram a cidade, e entraram a dentro das feiras e comércios locais, envoltos na azafama das vendas Aurora por fim proferiu:
- Fiquei tão feliz quando o vi hoje na minha casa. Peço desculpa pela falta de modos na altura, mas como não esperava ninguém, não estava de modo algum apresentável, e por isso me retirei tão abruptamente. Peço imensa desculpa por tais atos descuidados que possam ter induzido em erro a sua ideia do prezo que tenho por si. Fiquei realmente felicíssima com a sua visita. Aliás, hoje mesmo lhe escrevi, a convidá-lo para me vir visitar durante a tarde de Domingo. Costumo fazer um bolo ótimo acredite, gostaria de o partilhar consigo.
- Não se preocupe com isso. De modo algum me provocou desagrado com qualquer das suas atitudes. Mas não havia necessidade de se sentir envergonhada. Acredite que mesmo assim toda a beleza que lhe é conferida estava visível á mesma. – Elliot corava enquanto falava, e Aurora ao ouví-lo se ruborizava também. – Quanto ao outro convite, sem dúvida terei o maior prazer em aceitá-lo, mas digo-lhe que mesmo que tivesse recebido a sua carta antes de sair para a vir visitar, teria vindo á mesma.
- Recai em mim uma honra e um contentamento incomensurável com tais palavras senhor. Vou tentar com tudo aquilo de que sou dotada fazer um lanche aprazível, com todo o carinho, apenas para si.
- Fará de mim o mais feliz dos homens com tal gesto.
Continuaram a passear, e a conversar das trivialidades da vida. Comentavam aquilo que por ali se vendia e se comprava. As cores, os sons, as pessoas, a azafama do homem moderno. Viram algumas peças de exímios pintores de rua, e Elliot, ao se lembrar do gosto da jovem por desenhar e pintar deixou-se demorar para que esta pudesse apreciar com calma.
Depois de saírem do grande mercado de feira que se estabelecia ali todos os fins de semana, foram para as ruas da cidade mais arranjadas e mais caras por sinal, ruas onde habitavam várias famílias de burgueses de grandes posses. Onde existiam lojas do comércio local, de vestuário, de acessórios, joelharias, de caça, cafés requintados...Apesar dos dois jovens viveram no campo e não no centro urbano, viviam suficientemente perto para conhecer as peculiaridades das gentes deste sitio. A mutação da cidade era inevitável. O que era certo hoje não o era amanha. No entanto não deixava de ser agradável sentir que se pertence á cidade. Seria impensável tanto para Elliot como para Aurora imaginarem-se a viver permanentemente no meio urbano, no entanto não podiam deixar de apreciar os prazeres providos por ele.
Porém, num sitio lutado com tantas gentes diferentes, muitas são as gentes que já são conhecidas. Quando os dois jovens iam a passear por uma dessas ruas onde existiam lojas de modistas que confeccionavam vestuário feminino, onde alias, Aurora tinha trabalhado, viram sair de uma delas Elionor Brewer. Era tarde de mais para Elliot voltar para trás. Ela saiu da loja e se voltou para descer a rua por onde eles subiam, e uma vez que iam mesmo quase a passar pela loja, foi impossível não existir contacto visual.
Elionor alegrou-se muitíssimo por ver Elliot, mas quando olhou para o seu lado esquerdo e o viu acompanhado por uma mulher, a cólera foi impossível de se lhe dominar. Principalmente depois de perceber de quem esta se tratava.
- Não te conhecia acompanhado de tão pouco destintas companhias. Certamente que o campo te empobrece as ideias. – Proferiu Elionor com o olhar cravado em Aurora.
- Não te conhecia detentora de uma língua tão suja e de umas ideias tão primitivas. Porque motivo atacas uma mulher que já foi submissa aos teus serviços? Aurora nada fez para merecer um ataque desses da tua parte. – Elliot respondeu rispidamente a Elionor.
- Ah Elliot, declinas todos os convites que eu faço, todas as amabilidades, todas as nossas amizades, e depois vens á cidade passear com uma empregada de cozinha. Se bem me lembro a querida Navy, que aqui a sua amiga veio substituir, já se encontra de boa saúde, e como tal já foi dispensada dos seus serviços há uns dias. Se soubesse de tal relação há mais tempo já mais haveria permitido que pisasse o chão da minha casa.
- Chega! – Elliot berrou diretamente a Elionor - Não possuis realmente atributo algum. Nem de carácter nem de beleza. Tenho pena daquilo em que te tornaste. Não achei, contudo, que apesar da raiva em que te vês embriagada, fosses capaz de proferir palavras tão hediondas. – Elliot agarrou firmemente na mão de Aurora e saiu num passo rápido daquele local, continuando a rua por onde passeavam. Não desejava proferir mais insultos, e muito menos obrigar Aurora a ouvi-los da boca de Elionor dirigidos a si. Aurora nada disse durante o embate entre os três, sentia a tensão que a presença dela criara, e de certa forma não sabia como responder aos insultos de Elionor, e Elliot era muito mais rápido a contra argumentar com esta. Mas sentia-se profundamente triste. Não pelos comentários de Elionor mas por toda a situação em si. Só pararam já mais a cima numa rua já sem ninguém que constituía uma das saídas para a parte rural.
- Desculpe-me Aurora!...Não sei como me desculpar a mim e a ela por este comportamento! Peço-lhe por tudo... que seja capaz de esquecer tais palavras. Nunca me passaria a mim pela cabeça jugá-la como inferior a mim, e isso é tudo o que importa!!...Penso ser tão merecedor da sua companhia como você é da minha... Por isso apelo aos seus sentimentos. Não deixe... por esta imbecil intervenção, de despender parte do seu tempo comigo. Acredite que a grande parte, se não todos os outros meus amigos e bons conhecidos, não terão este comportamento insurreto e de completa falta de decoro... – Elliot falava ofegante e espaçadamente, pelo constrangimento, pela discussão, e pela pressa que tivera em sair da beira de Elionor, quase como se sentisse em si a culpa, que na realidade era somente de Elionor. Apesar dos insultos que ouviu serem dirigidos á mulher que o acompanhava este parecia muito mais afetado por ouvi-los do que ela.
- Por favor não peça desculpa! O senhor defendeu-me quando não teria a obrigação de o fazer. Eu é que lhe agradeço do fundo da alma por isso. Eu mesma o devia ter feito. Peço eu desculpa. Mas não sabia o que dizer. Foi uma situação que me deixou realmente constrangida. Mas digo-lhe que concordo com aquilo que o senhor disse. Tenho pena dela. Não havia necessidade de se comportar dessa forma. Mas a verdade é que o faz porque tem grandes afeições por si...
- Não Aurora! Isso não são afeições ou amor. Certamente não o será. É uma obsessão, e uma obsessão nunca concretizada. Até aqui, consegui desculpar as suas falhas e ser cego á sua falta de conduta moral, ainda que não prezasse a sua companhia. Mas não consigo desculpar isso. – Reparando que ainda segurava firmemente a mão de Aurora, Elliot libertou-a suavemente.
Encontravam-se frente a frente, Elliot estava ainda bastante transtornado por aquilo que presenciara. Sentia-se realmente culpado por ter proporcionado um momento tão desagradável á jovem que o acompanhava. Já Aurora, embora constrangida, e de certa forma também ferida pelas palavras de Elionor, encontrava-se muito mais composta e em paz de espírito. Aproximou-se dele e colocou a mão no seu peito, no seu coração, como já outras vezes fizera: – Acho que encontrará uma altura em que o seu coração seja capaz de a perdoar. Não por ela, mas por si. Não é nossa função julgar ou guardar rancor. O seu coração é tão puro, tão indulgente, que certamente não quererá guardar a cólera das suas emoções para com Elionor.
Elliot comoveu-se com tais afirmações. Certamente Aurora já havia perdoado as afrontas que ouvira. Numa tentativa de se deixar contagiar pela paz dela, Elliot puxou-a para si envolvendo-a num abraço terno e quente. Como ele ainda era mais alto que ela, embora magro, a cabeça da jovem repousava agora no seu peito. Aurora ouvia o débil coração de Elliot bater descompassadamente, completamente errático. De um momento para o outro conseguiu ouvir uma sucessão de arritmias realmente alarmantes, e pelo semblante de Elliot notou que ele certamente não se estava a sentir bem. Tentou demover o abraço e pedir a Elliot que se sentasse, mas este prontamente recusou.
- Agora que já ouviu e sentiu, não dá para esconder de si que não me encontro bem. Mas fique aqui, assim, comigo, como está agora. Deixe-me abraçá-la. Prontamente ficarei melhor. Não precisa de se preocupar. – Elliot disse isso segurando firmemente Aurora contra si.
Aurora não teve outra hipótese se não a de continuar ali. Sentia-se extremamente confortável nos braços dele. Mas naquela situação sentia-se genuinamente aflita que o seu estado pudesse piorar. Com os seus braços, envolveu Elliot puxando-o contra si. Naquele momento pediu a Deus e a todas as forças que a rodeavam para que a sua paz pudesse tocar o coração de Elliot e o fizesse encontrar um ritmo sereno e continuo com pulsações fortes. Por que haveria um coração tão bondoso, tão altruísta, com tanto amor, de ter uma natureza tão enferma?
Ficaram assim, agarrados, até o coração de Elliot abrandar o bastante para que Aurora não estivesse mais aflita. Depois de tão terno e pessoal momento partilharem, não foram capazes de proferir nada mais um ao outro.
*
Começou a chover sobre ambos, e uma vez que também já passava da hora de almoço decidiram voltar á carruagem. Fizeram o caminho de mãos dadas, escondendo-se debaixo dos cobertos sempre que podiam, pois, a chuva intensificara-se de um momento para o outro. Mesmo Aurora tendo firmemente declinado várias vezes, Elliot dera-lhe o casaco para que se cobrisse pois esta não possuía nada mais que a camisa e um lenço nos ombros. Como resultado disso, Elliot estava completamente molhado quando alcançaram a carruagem. Aurora também estava bastante ensopada, mas sem dúvida que o casaco de Elliot protegera uma boa parte. Aurora, como trazia o cabelo preso num puxo atrás, não tinha os longos cabelos molhados a pingar-lhe na frente dos olhos ou nas costas. Já Elliot, tinha o seu cabelo preto solto, caíndo-lhe passando os ombros, completamente ensopado.
Depois de entrarem na carruagem e Aurora ver que Elliot se encontrava completamente molhado não conseguiu parar de sentir uma certa culpa mesmo que Elliot lhe tivesse dado o casaco à força toda. Pediu que fossem diretamente para casa dele para que trocasse de roupa e que depois iria para casa. E este como é obvio não teve nada contra tal plano, se calhar assim até a poderia convencer a jantar em sua casa.
Aurora tirara o casaco do jovem, e reparando que a sua blusa se encontrava quase seca e que o lenço estava intacto, retirou-o e sentou-se ao lado de de Elliot.
- Me permite que lhe seque um pouco o cabelo com este lenço em troca da sua amabilidade?
Elliot surpreso, mas deleitado, com tal gesto anuiu timidamente que sim. Aurora pegou no lenço e delicadamente tentou secar o mais que pode o seu cabelo, o pescoço e os ombros. E depois com uma pequena parte do lenço que ainda não se encontrava molhada limpou-lhe a chuva que pousava no seu rosto. Como eram azuis os seus olhos. Eram os olhos mais agradáveis e encantadores que Aurora vira em toda a existência. Enquanto lhe limpava as feições, o seu rosto chegou se perto do dele, e no momento em que o olhar de ébano de Aurora e o de topázio azul de Elliot se encontraram, este aproximou se dela e fechando os seus olhos fez com que os seus lábios encontrassem os dela.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro