5
Bolo de morango
Depois do incidente no banheiro permaneci boa parte dos dias seguintes trancafiada dentro do quarto, volta e meia Nix aparecia para me fazer companhia ou apenas para insistir que eu a seguisse para comer algumas frutas, coisa na qual eu só fazia se tivesse absoluta certeza de que Gart não estava por perto. Durante uma dessas idas para buscar água em uma pequena fonte natural vinda da propria árvore, me deparei com uma cesta em cima da cama assim que retornei. Desconfiada, olhei ao redor do quarto mas pelo visto não havia ninguém ali além de Nix e eu.
—O que é isso?
Me aproximei da cama pegando o embrulho e desfazendo o laço feito com tiras de pano colorido, onde, em uma tigela de barro, estavam dois morangos, mas não morangos comuns como os que costumava ver nos mercados e nas feiras, mas dois enormes morangos do tamanho de mangas, tão vermelhos quanto rubis e ao lado deles um bilhete com vários rasbicos.
—O que é isso?
Sem entender o que estava escrito Nix se aproximou e, para minha surpresa, as linhas confusas começaram a se partir e se mover formando letras.
Minhas sinceras desculpas pelo incidente.
Gart.
Fiquei encarando o bilhete por um bom tempo, primeiro pela surpresa de ver as palavras surgirem em um passe de mágico depois pelo próprio conteúdo escrito. Jamais imaginei que Gart viesse falar alguma coisa relacionado ao banheiro, muito menos um pedido de desculpas como aquele. Ainda surpresa encarei os dois morangos. O vermelho intenso junto do aroma doce já deixavam claro o quão saborosos estavam.
—Você ajudou o Gart com isso Nix?
A bola de luz flutuou algumas vezes por cima dos morangos antes de vir na minha direção.
—Acho que você está tão surpresa quanto eu...
Segurei firme o bilhete entre os dedos enquanto uma ideia surgiu.
—Nix, por acaso o Gart já saiu?
A fada voou para cima e para baixo algumas vezes, concordando.
—Ótimo, que tal me ajudar a cozinhar alguma coisa?
...
Levei minha tigela com os dois morangos para a cozinha colocando outras travessas sobre a mesa.
—Certo! O que minha avó usava mesmo?
Puxei na memória a receita do bolo que dona Lucelia sempre fazia para tomarmos café da tarde juntas, não era algo muito complexo, no entanto, eu torcia para que tudo desse certo.
—Ovos, leite, farinha, açúcar, fermento...
Olhei em direção aos armários onde alguns potes estavam enfileirados.
—Espero que tenha algo aqui...
Para a minha sorte os potes maiores continham todos os ingredientes em pó que eu precisava exceto o fermento.
—Bom, agora me faltam os ovos, o leite e o fermento.
Olhei para Nix que flutuava suavemente pela cozinha com seu brilho dourado iluminando os objetos.
—Será que consigo achar eles por aqui?
Não precisei esperar muito por um sinal da fada quando, inesperadamente, todos os ingredientes que faltavam surgiram sobre a mesa envoltos no mesmo brilho transparente da fada. Levei longos segundos para processar o que aconteceu.
—Isso foi muito incrível...
Olhei um pouco assustada par Nix que ia de um lado para o outro na cozinha, provavelmente feliz por sua façanha ter me surpreendido tanto.
—Tudo bem — respirei fundo — concentre-se...
Tentando me lembrar do passo a passo juntei todos os ingredientes e levei a massa para o forno. No começo foi difícil acender a lenha, mas depois de mexer em alguns objetos estranhos consegui acender uma pequena chama com a ajuda de uma pastilha feita de metal que lembrava muito um isqueiro.
—Agora é só esperar um pouco.
Enquanto isso limpei a mesa separando um dos morangos. Com ajuda de uma faca piquei a fruta em vários pedacinhos e levei ao fogo com açúcar. A geleia chegou ao ponto no mesmo instante que o bolo, quando os dois finalmente esfriaram juntei ambos até que a sobremesa finalmente ficou pronta. Desde que cheguei aquele mundo não havia visto Gart ou Nix comerem outra coisa que não fossem frutas, legumes e sementes, e mesmo com a incerteza de que eles gostariam ou não eu estava mais do que satisfeita com o resultado. Vovó teria ficado feliz e isso já bastava.
—Pronto Nix, agora eu só precisva de um papel e um caneta, será que...
Antes que eu pudesse terminar os dois surgiram sobre a mesa com o mesmo brilho dourado.
—Você é incrível, sabia?
Contente com o elogio Nix começou a fazer circulos no ar enquanto eu pegava o pedaço de papel e a longa pena azul. De início fiquei em dúvida se Gart entenderia alguma coisa até me lembrar do bilhete que recebi.
Obrigada por me acolher em sua casa.
Atenciosamente
Sofia.
Olhei pra as três linhas por várias e várias vezes até me convenser de que o recado era o suficiente para expressar minha gratidão. Depois disso parti o bolo, peguei um pedaço para mim e levei até o quarto. Afinal de contas, era mais do que suficiente para duas pessoas e uma fada.
...
Os dias passaram devagar, Gart saia quase todas as manhãs e eu aproveitava sua ausência para conhecer os cômodos da casa. Em minhas buscas descobri mais um quarto, um pequeno armazém e outras duas varandas menores que se encontravam em lados opostos da grande árvore. Havia também duas portas que sempre permaneciam trancadas, uma nos corredores dos quartos e outra em uma parte mais afastada, bem abaixo de uma escadaria que levava até as raízes que sustentavam tudo. Depois que minha exploração chegou ao fim comecei a me dedicar à limpeza que durava o suficiente até a volta de Gart. Toda vez que isso acontecia eu me enfiava de volta no quarto. Eu uma dessas manhãs, enquanto eu varria a varanda principal vi algo se mover na minha visão periferia.
—Eu já estou terminando aqui Nix — continuei varrendo as folhas — Não precisa se preocupar comigo.
—Não estou preocupado.
Levei um susto com a voz de Gart. O mesmo estava escorado no tronco na parede me observando com seus olhos prateados.
—Ah, oi...
—Oi.
Um curto silêncio caiu sobre nós. Nossa última interação havia sido com o incidente no banheiro e a troca de bilhetes. Sendo sincera, eu sequer sabia se ele havia gostado do bolo, mas como o mesmo foi diminuindo ao longo dos dias levei aquilo como um sim.
—Você voltou cedo...
Tomei coragem para dizer enquanto segurava firme a vassoura afastando algumas folhas imaginárias.
—É.
Mais uma vez o silêncio, e dessa vez não fui eu que o interrompi.
—Estava muito bom.
O encarei.
—Oi?
—Seu bolo, estava muito bom.
—Ah, obrigada, confesso que achei que tivessem jogado fora...
—Eu não faria isso, até porque Nix me mataria, ela adorou.
Não contive um sorriso.
—Você conseguiria fazer outro?
Não consegui disfarçar a surpresa em minha cara. Gart por sua vez parecia um tanto constrangido já que seus olhos encaravam a vastidão da floresta.
—Outro?
—É, aquele acabou...
Os olhos dele continuavam fixos no horizonte mas algo me dizia que sua atenção estava totalmente voltada para mim.
—Claro, eu posso fazer outro.
—Ok, se precisar de algo peça a Nix, ela vai te ajudar.
Sem dizer mais nada o vi caminhar em direção a saída segundos antes da fada aparecer flutuando na minha direção formando zig zags.
—Algo me diz que você estava ouvindo toda a conversa.
A fada continuou com suas acrobacias no ar.
—Fico feliz que tenha gostado do meu bolo.
Olhei em direção a entrada com um sorriso no rosto.
—E pelo visto não foi única.
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