18
O besouro e a flor
Os dias haviam se passado, no céu as nuvens cinzentas anunciavam chuva enquanto o vento frio sacudia meu cabelo.
—Nix! Que tal essas?
Com as mãos calçados em luvas de couro me abaixei ao redor das enormes raízes onde alguns cogumelos cresciam. A fada de luz rodeava minha cabeça iluminando os lugares mais escuros.
—Está difícil de alcançar...
Estiquei a mão pela fenda quando um besouro subiu pelo meu braço. Instintivamente deixei um grito escapar da minha garganta.
—Credo!Credo!Credo!Credo!
O animal voou de mim para as raizes enquanto eu me afastava o mais rápido possível. Sem prestar muita atenção pisei em falso em uma pedra sentindo o corpo desabar, no entanto, a queda não veio.
—Gritando desse jeito até parece estar enfrentando algum animal feroz.
Gart havia me segurado. Suas mãos estavam protegidas com o mesmo tipo de luva enquanto trajava uma casaco xadrez nas cores vermelho, preto e marrom.
—Você deve estar cego então! — me afastei apontando para o animal que ainda andava pela árvore — Olha o tamanho daquilo!
—É só um besouro.
—Que bom que é apenas UM besouro...
O vi suspirar.
—Pegou os cogumelos?
Meus olhos foram do inseto até a cesta de vime que estava próximo aos meus pés.
—Faltavam aqueles ali — apontei para os cogumelos na árvore — Mas eu não vou chegar perto desse buraco!
Respirando fundo Gart me deu as costas, colocou a mão na fenda e retirou três cogumelos azuis de uma vez. Apenas o encarei mantendo distância enquanto ele pegava a cesta.
—Vamos medrosa, parece que vai chover.
Olhei para o céu cinzento ouvindo um trovão distante. Só então percebi que o barulho vinha do besouro que tinha berto as asas e voava na minha direção.
—Aaah!! Saí! Saí!!
Desesperada, sai correndo a esmo quando senti meu corpo se chocar com o de Gart.
—Cuidado!
Dessa vez a queda foi inevitável. E para ajudar, senti o impacto de algo sobre a minha cabeça.
—Aí...
—Sofia! Você está bem?!
As mãos de Gart me seguraram firme.
—Acho que estou...
Bati com as mãos na roupa retirando a poeira. Gart havia se afastado, os olhos prata surpresos e um tanto assustados.
—O que foi? — o encarei — Tem algo no meu rosto? É o besouro?!
Já ia entrar em desespero quando ele estendeu as mãos para mim.
—Não, não tem nada no seu rosto...
Nix também se aproximou flutuando ao lado de Gart.
—Então o que foi?!
Gart e Nix continuaram me olhando até que ele se aproximou levando uma das mãos até minha cabeça.
—No rosto não.
Instintivamente coloquei a mão na cabeça sentindo algo de estranho.
—Gart! Gart o que é isso?!
—Ao que parece, uma flor...
Toquei a aste e as petalas sentindo o desespero subir pelo peito.
—Por que tem uma flor aqui?!
—Deve ser alguma reação do cogumelo.
—Uma flor?!Na minha cabeça?!
O vi dar de ombros.
—Que ótimo...
—Tenha calma.
—Como é que eu vou ter calma?! Uma flor nasceu na minha cabeça!
Podia sentir a planta se mover com o vento. A sensação era estranha.
—Se desesperar não resolve nada, vamos lá para dentro.
Fazendo como ele disse cruzei os braços na frente do corpo e segui em direção à árvore. Gart e Nix vieram logo atrás com os olhos sobre mim, ou melhor, sobre a minha cabeça.
—Por aqui.
Deixei que ele tomasse a frente em direção a única porta que eu ainda não havia aberto.
—E no final das contas eu vou conhecer seu laboratório...
—Agradeça àquele besouro.
Franci o cenho seguindo-o para o lado de dentro. Seu laboratório era amplo e em nada se parecia com as salas brancas e estéreis do mundo humano. As paredes, o chão e o teto continuavam sendo os troncos da grande árvores. No centro, uma mesa comprida ostentava vários potes e tubos de ensaios enquanto nos cantos havia uma pia com fonte natural, prateleiras com caixas, potes e quadros de plantas. No lado oposto da entrada, atrás da grande mesa, havia uma escrivaninha cheia de papéis onde enormes janelas iluminavam o ambiente.
—Sente-se ali e não mexa em nada.
Gart foi até a pia onde deixou a cesta com os cogumelos. Fazendo como ele mandou sentei em um dos banquinhos em frente à grande mesa. Em um dos tubos, vi algumas flores flutuarem em um líquido transparente.
—O que é isso?
Os olhos prateados foram até mim voltando-se novamente para a pia.
—Mesmo com uma flor brotando na sua cabeça você ainda tem tempo para ficar curiosa com outras coisas, incrível...
Sem muito o que fazer esperei Gart retirar as luvas até vir na minha direção segurando uma tesoura.
—O que você vai fazer?!
Olhei espantada para o objeto.
—Preciso de uma amostra.
Ele estendeu a mão, automaticamente pulei do banquinho.
—E se isso estiver grudado no meu cérebro?! — dei um passo para trás — Vai cortar meu cerebro junto!
—Seu cabelo está na cabeça, por acaso vai ficar biruta se cortar ele?
Mesmo que Gart tivesse um bom argumento recusei. Vendo que não conseguiria chegar a lugar algum ele deixou a tesoura de lado respirando fundo.
—Tudo bem, ao menos me deixe ver mais de perto.
Ainda desconfiada voltei para o banquinho a passos lentos. Qualquer movimento suspeito eu dispararia em direção às escadas. Por sorte, Gart não fez menção alguma de pegar a tesoura, apenas se aproximou tocando com cuidado na planta que crescia em minha cabeça.
—Hmn...
Encarei o botão da sua camisa. Estava quebrado.
—Parece que está enraizada na sua cabeça.
Senti um leve puxão.
—Ai!
—Só cortar não vai resolver.
Gart se afastou.
—Quer dizer que vou ficar com isso para sempre?!
—Não seja exagerada.
Indo em direção as prateleiras o observei separar tipos diferentes de pó colorido junto de um frasco com líquido pegajoso. Depois de misturar tudo ele voltou até mim. O cheiro da mistura era horrível.
—O que é isso?
—Vai arrancar as raizes da planta sem machucar sua pele.
—Meu cabelo vai cair?
Gart olhou para a gosma e depois para mim.
—Não...
—Você não me pareceu convincente...
—Vai querer continuar com essa flor ai ou não.
Sem que eu pudesse reclamar deixei que Gart despejasse a gosma na minha cabeça. O cheiro era insuportavel.
—Preciso de um banho... urgente!
—Quieta, já está acabando.
Me encolhi o máximo que pude no banquinho enquanto sentia o líquido escorrer pelo meu cabelo. Depois que terminou, Gart deixou a tigela de lado se aproximando. Conseguia sentir uma das suas mãos segurar minha cabeça enquanto a outra puxava suavemente a flor.
—Aí...
—Já falei para não ser tão dramática.
—Parece que está arrancando um tufo de cabelo...
—Já estou terminando, fique quieta.
Nem um pouco confortável com a situação apoiei o rosto em seu peito sentindo algumas lágrimas se formarem. Aquilo doía, uma dor suportável, mas que não deixava de doer.
—Pronto!
Quando tudo terminou Gart me mostrou uma aste longa onde uma belissima flor branca desabrochava na ponta. Parecia uma rosa, mas suas pétalas eram idênticas a cetim.
—Então era isso que nasceu na minha cabeça?
Peguei a flor. Era macia e muito cheirosa.
—Confesso que agora queria ela de volta...
Gart revirou os olhos.
—Que tal encostar em outro cogumelo?
Automaticamente mudei de ideia.
—Bom, agora eu preciso de um banho!
Pulei do banquinho indo em direção à porta. Mas antes de sair me voltei novamente para Gart.
—Você é um alquimista e tanto! Mas bem que podia fazer poções mais cheirosas...
Saí do laboratório com o cabelo fedendo. No entanto, poderia jurar ter visto um sorriso no rosto de Gart enquanto ele acariciava as pétalas brancas da flor.
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