14
Bolo de cenoura
Ficar ao lado de Elizabeth foi difícil. Eu não sabia o que dizer muito menos como puxar assunto, tudo o que me vinha à mente eram as palavras de Gart. Por sorte, a jovem parecia mais receptiva e volta e meia fazia algumas perguntas na qual eu devolvia com as mesmas.
—Você é daqui Sofia?
—Não, e você?
—Também não — seus olhos cristalinos foram até o céu — Não sente saudades de casa?
Dessa vez fui eu que mirei a abóbada celeste.
—Para ser sincera, não sei — senti as palavras fluirem pela minha boca — É claro que eu tenho saudades da minha terra, mas é como se eu sentisse falta das coisas que vivi lá — fiz uma pausa — Eu sei que preciso voltar mas...
Olhei para os dedos, era a primeira vez que parava para pensar naquele assunto.
—Eu gosto daqui...
—Acho que te entendo — a voz de Elizabeth parecia distante — Também sinto falta da minha cidade.
Mais uma vez ficamos em silêncio, no entanto, logo Elizabeth fez outra pergunta.
—O vendedor da loja é seu namorado?
Senti minhas bochechas ficarem vermelhas. Ao meu lado a jovem riu.
—Me desculpe por ser tão intrometida.
—Não, imagina — me recompus — Gart e eu somos amigos...
—Mesmo?
Ela pareceu pensativa mas não tive coragem de perguntar o que se passava em sua cabeça. Ao invés disso, troquei de assunto.
—Você mora aqui perto?
—Pode se dizer que sim.
Ela se virou indicando um pequeno sobrado de aspecto europeu do outro lado da rua.
—Parece piada não é? Como alguém não conseguir ir tão longe sem se cansar tanto.
A encarei pensativa. A loja ficava a três quarteirões dali.
—Outra pessoa não pode pode te ajudar?
—Eu moro sozinha, mas está tudo bem, sou mais forte do que aparento ser.
A encarei sentindo um desconforto no peito. Elizabeth era simpática e mesmo com seu jeito delicado sua palavras eram fortes e sinceras.
—Me desculpe — falei.
—Pelo o quê?
—Bom... não ter te dado muita atenção quando ia até a loja.
—Ah! Tudo bem, imagino que você seja muito ocupada, afinal de contas, tem muitas poções naquela loja.
O motivo não era bem esse.
Pensei me sentindo constrangida.
—De qualquer forma você me parece uma pessoa bem legal Sofia.
A vi ficar de pé, imediatamente fiz o mesmo.
—É melhor eu ir.
—Se sente melhor?
—Sim, só precisava descansar um pouco, estou novinha em folha!
Sorri diante da pose que ela fez. Definitivamente sua aparência estava bem melhor.
—Amanhã vou de novo lá na loja.
—Tudo bem.
—Até amanhã Sofia!
A vi se despedir e caminhar em direção ao sobrado. Em minhas mãos eu apertava firme a cesta.
Fique longe dela...
...
No dia seguinte Elizabeth apareceu na loja como havia dito. Quando nossos olhares se encontraram ela imediatamente sorriu.
—Sofia!
Senti a atenção de Gart sobre mim mas o ignorei.
—Elizabeth, como se sente?
—Estou bem, obrigada.
Observei a linha de suor que descia pela sua testa.
—De qualquer forma por favor sente-se.
Puxei um banquinho apontando para que ela se acomodasse.
—Vou pegar sua poção.
Fui até Gart que me entregou a chave, no entanto, antes de soltar o objeto ouvi sua voz sussurrar.
"O que eu te disse?"
Com essas palavras martelando em minha cabeça peguei a poção retornando em poucos segundos. Elizabeth esperava sentada no banquinho, assim que me viu seus olhos sorriram.
Qual é o problema?
Sorri de volta lhe entregando a poção.
—Obrigada Sofia.
—Quer que eu a acompanhe até sua casa?
—Agradeço a preocupação, mas vou ficar bem, até mais!
Assim que vi sua figura sumir do meu campo de visão a voz de Gart preencheu a loja.
—Você é mesmo impossível.
—Eu tentei ficar longe tá bom! Mas não deu, além do mais ela me parece uma boa pessoa.
—Disso eu sei.
—Então qual é o problema? — o encarei irritada — Pelo visto eu tenho que ficar longe enquanto você pode ficar perto dela!
—Do que está falando?
—Eu via vocês conversando toda vez que subia para pegar as poções!
Gart suspirou, em seguida levou o indicador e o polegar até a ponte.
—Afinal de contas qual é o problema?
Mesmo que eu insistisse ele continuou em silêncio.
—Tudo bem, se não quer me dizer não diga, mas não vou ficar longe dela sem nenhuma explicação.
Dito isso fui até a parte dos fundos, peguei minha bolsa e saí da loja com o peito doendo.
O que foi isso?
Meus pensamentos nublavam minha cabeça enquanto eu seguia a esmo pelas ruas.
O que deu em mim?
Com a cabeça cheia não percebi que uma pequena multidão se aglomerava logo a frente. Curiosa fui até lá vendo que as pessoas rodeavam uma garota sentada no chão quente.
—Elizabeth!
Fui até ela empurrando as pessoas ao redor.
—O que foi? Você está bem?
—Sofia... oi de novo...
—Vêm, vou te levar para casa, consegue ficar de pé?
Ela concordou se apoiando em mim. Ao redor a multidão se dispersava enquanto iamos a passos lentos até o sobrado.
—Obrigada, não achei que ia estar tão mal hoje.
No decorrer do caminho seu semblante havia melhorado. Agora ela conseguia ficar de pé sozinha.
—Deixe-me te oferecer algo como agradecimento.
—Não precisa.
—Por favor, eu insisto.
Sem receber um segundo convite a acompanhei até o interior da casa. Como imaginei, toda a mobilia e decoração lembravam em muito os velhos filmes europeus de famílias ricas. Pelo visto, Elizabeth vinha de linhagem nobre.
—Sente-se, vou pegar um suco para nós duas.
—Eu posso...
—Não se preocupe Sofia, eu já estou melhor.
Seus olhos pareciam insistir. Me acomodando no sofá com ornamentos dourados observei a casa. O espaço era amplo, muito bem iluminado e aconchegante porém estranhamente silêncioso. Quanto Elizabeth retornou trazia uma bandeja de prata nas mãos deixando-a sobre a mesinha de centro.
—Não vou incomodar? Se alguém estiver dormindo...
—Está tudo bem, eu moro sozinha.
—Ah, entendi.
Mais uma vez olhei a casa. Parecia grande de mais para uma única pessoa.
—Trouxe bolo de cenoura com calda de chocolate, espero que goste.
—Bolo de cenoura?! — encarei o quitite sentindo meu peito se inflar de alegria — Eu amo bolo de cenoura, minha avó sempre fazia!
No fundo me culpei por ter esquecido de algo tão incrível. Agora já tinha uma nova receita para fazer quando chegasse na casa da árvore.
—Que bom!
Elizabeth sorriu como uma criança.
—Sabe, a receita também é da minha avó mas o talento dela não passou para mim.
—Vejo que temos muito em comum.
A jovem se acomodou na poltrona da frente.
—Já experimentou bolinhos de chuva — disse pegando um pedaço do bolo. Elizabeth me encarou com os grandes olhos azuis.
—São aqueles de massa frita com açúcar?
—Esses mesmos!
—Ah! Eu tentei faze-los, mas nunca acertava o ponto da massa!
—O segredo está na quantidade de leite...
Não sei quanto tempo passei na casa de Elizabeth, mas quando olhei pela janela o sol já tinha avançado no céu, nenhuma das duas se deu conta do tempo. A conversa apenas fluia.
—Acho melhor eu ir, já tomei muito do seu tempo.
—Eu é que devo ter te segurado aqui, sinto muito Sofia, não percebi as horas passarem.
—Está tudo bem.
Eu já estava de pé indo em direção à porta quando ouvi sua voz me chamar.
—Sofia...
—Sim?
Seus olhos azuis brilhavam alegres. Elizabeth não se parecia em nada com moça debilitada de mais cedo.
—Que tal tomar um café da tarde aqui amanhã? Prometo tentar acertar nos bolinhos de chuva!
Encarei seu sorriso me sentindo animada.
—É claro.
—Legal! Então até amanhã Sofia!
—Até amanhã Elizabeth!
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