13
Elizabeth
Depois que Gart me explicou tudo sobre Nix eu comecei a ter mais autonomia. Ele já não implicava com minhas voltas pelo comércio; por vezes, ao final do trabalho eu ficava horas a fio andando pelas barracas até tarde. Quando o sol começava a se pôr eu voltava pela trilha da floresta, sempre atenta para o caso de alguém estar observando. Assim que chegava até a grande árvore Gart sempre estava por ali colhendo algumas plantas.
—Oi!
Disse vendo-o retirar algumas ervas daninhas e arremessa-las longe.
—Me desculpe a demora.
Seus olhos foram de mim ao céu alaranjado.
—Tente chegar mais cedo da próxima vez.
—Ficou preocupado?
Provoquei vendo-o revirar os olhos.
—Não quero que você chame a atenção de ninguém.
—Não se preocupe, demorei justamente para evitar o movimento na estrada.
Gart ficou em silêncio, seus olhos prateados me observaram por alguns segundos antes dele voltar ao trabalho.
—Quer ajuda?
—Não.
—Só perguntei por educação, você sabe que eu vou ajudar mesmo assim.
Antes que ele pudesse dizer algo me abaixei enfiando as mãos na terra. Tempos atrás Gart costumava me dar broncas sempre que eu confundia as ervas medicinais com as ervas daninhas, mas com o tempo aprendi a diferencia-las e com isso as broncas também pararam.
—Uma cliente especial vai à loja amanhã.
Sua voz repentina me pegou de surpresa.
—Você não costuma avisar quem vai ou não à loja, deve ser alguém especial.
—Não quero que se aproxime dela.
O encarei com um misto de curiosidade e preocupação.
—Porquê?
Ele voltou a ficar em silêncio e eu apenas esperei até que ele voltasse a falar.
—Seu nome é Elizabeth, ela sofre de uma doença incurável.
—É contagioso?
—Não.
—Bom, então não entendo o motivo para ficar longe.
Sem que eu esperasse os olhos prateados se voltaram para mim e, por alguns segundos, vi a mais pura preocupação refletida neles.
—Para seu próprio bem Sofia, fique longe dela.
Sem contestar apenas concordei. Continuamos o restante do trabalho em silêncio, e quando a noite finalmente caiu voltamos para dentro da árvore.
Na manhã seguinte o clima na loja estava tenso, a cada segundo eu olhava para a porta esperando pela tal cliente importante. Gart por sua vez parecia preocupado e em alguns momentos eu podia perceber seus olhos sobre mim.
Assim não dá..
Larguei um pote com pílulas transparentes decidida a falar com Gart quando uma moça de pele pálida e cabelos loiros entrou. Por alguns instantes eu só consegui olhar para ela. Seus olhos eram de um azul cristalino, as pestanas tão douradas quanto fios de ouro, vestia um singelo vestido rosê com algumas flores coloridas bordadas. Sua aparecia era quase humana, isso se não fosse o par de galhadas brancas que surgiam em sua cabeça. Aquela moça era deslumbrante mas as expressões em seu rosto, mesmo que sorridente, pareciam esconder uma fraqueza quase mórbida.
—Bom dia — sua voz era tão delicada quanto sua aparencia — Acho que o sr. Vel falou de mim.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa Gart tomou a frente.
—Sim, Elizabeth, certo?
—Exato.
Os olhos pratas foram até mim pouco antes dele enfiar a mão na gola da blusa e retirar uma chave.
—Terceiro armário, segunda gaveta de cima para baixo, frasco comprido e pequeno, líquido azul, apenas uma.
Peguei o objeto um tanto perplexa. Gart nunca havia me dado permissão para subir no segundo andar, muito menos pegar uma das poções que ele dizia serem perigosas.
—Você entendeu?
—Ah! Sim, terceiro armário, segunda gaveta, frasco comprido e pequeno, líquido azul.
—Ótimo, seja rápida.
Ainda atordoada segurei firme a chave passando por trás dele em direção à única porta no final das escadas. Do outro lado um cômodo pequeno surgiu com armários que preenchiam as quatro peredes do chão até o teto. O cheiro do ambiente fazia meu nariz coçar.
Terceiro armário, segunda gaveta, líquido azul.
Segui as instruções encontrando as poções. A cor do líquido era de um azul vibrante, quase neon, o conteúdo não dava mais do que duas gotas.
O que será que isso faz?
Deixando minha curiosidade para depois guardei o frasco no bolso, fechei a gaveta e tranquei a sala. Quando alcançei o penúltimo degrau da escada pude ver a jovem debruçada no balcão. Gart estava curvado ao seu lado acariciando o ombro ossudo da jovem. Ao notarem minha presença eles rapidamente se endireitaram. Gart voltou para de trás do balcão e a jovem sorriu. Por algum motivo senti algo doer em meu peito.
—Aqui.
Entreguei o vidro para ele junto da chave voltando o quanto antes para os fundos da loja.
Os dias seguintes passaram na mesma. A moça de olhos azuis voltava a cada dois dias, Gart me pedia para buscar o remédio e quando eu voltava os dois paravam de conversar. Toda essa situação estava me cansando, pela primeira vez não tinha curiosidade de saber nada sobre a poção muito menos sobre a mulher, e toda vez que Gart percebia isso me olhava preocupado.
—Vou sair mais cedo hoje...
Falei pegando minha pequena bolsa de tecido florido sentindo seus olhos sobre mim.
—Vou comprar algumas coisas para fazer o jantar.
—Nix pode conseguir isso para você.
—Quero olhar os produtos dessa vez, até depois.
Saí sem olhar para trás. Lá fora o sol estava alto e as ruas quentes. As várias vozes chegavam aos meus ouvidos juntos dos aromas. Pelo menos ali eu conseguia pensar em outra coisa que não fosse Gart e a mulher.
—Boa tarde, quanto estão os tomates?
Caminhei devagar pelas barracas de hortifruti, provei algumas frutas, doces e queijos que os comerciantes ofereciam para degustação. No final das contas saí com um pedaço de carne defumada, algums tomates e batatas além de temperos.
—Isso deve ser o suficiente.
Olhei para a cesta quase cheia. Por sorte, havia sido uma cortesia.
Nix pode cuidar do resto.
Distraída, demorei para notar que uma mulher se escorava em uma árvore distante da multidão. Por impulso corri até ela no exato instante que suas pernas fraquejaram.
—Ei! Tudo bem?
Olhei com espanto para a jovem de cabelos loiros, olhos azuis e chifres brancos.
—Me desculpe... só estou um pouco casada.
Levei um tempo para assimilar que era a mesma jovem que ia até a loja.
—Tem um banco ali, consegue se escorar em mim.
Ela concordou e com um pouco de dificuldade fomos até o banco.
—Obrigada — a vi respirar fundo.
Tive vontade de me despedir com um breve sorriso, dar as costas e ir embora, mas alguma coisa dentro de mim me impediu.
—Eu já volto.
Deixei a jovem sozinha retornando pouco depois com uma garrafa de água.
—Aqui.
—Ah, não precisa...
—O dia está quente, beba, vai se sentir melhor.
Com um sorriso delicado ela aceitou a garrafa dando alguns goles, quando chegou na metade ela fechou o frasco e olhou para mim com bondade.
—Obrigada, eu estava precisando.
Retribui o sorriso.
—Não foi nada.
—Você é a moça que trabalha na loja de poções, não é?
Concordei um tanto incomodada.
—Acho que não nos conhecemos muito bem, meu nome é Elizabeth.
—Sofia, é um prazer te conhecer.
Um curto silêncio recaiu sobre nós.
—Será que posso abusar um pouco mais da sua gentileza?
—Do que precisa?
Seus olhos azuis voltaram-se para mim como uma criança.
—Pode me fazer companhia mais um pouco? Sabe... só até eu me recuperar.
Mais uma vez tive vontade de inventar alguma história e recusar o pedido, no entanto, seu sorriso meigo me convenceu do contrário.
—Tudo bem...
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