Capítulo dez
Jeferson narrando
O ônibus para praia sempre é lotado de gente e principalmente aos domingos. Por isso nesse dia não foi diferente. Desço do ônibus acompanhado de outras pessoas e sigo em frente para praia.
A praia de Ipanema me espera. Estou um pouco animado agora enquanto ando pelo calçadão, observo as pessoas, percebo que tem alguns turistas e crianças. Até agora o movimento está pouco, mas em breve essa praia vai estar lotada de gente.
O meu cansaço me faz lembrar da noite perfeita que tive. Digo isso em pensamento sendo irônico. Continuo andando por esse calçadão. As ondas do mar estão calmas e tenho vontade de dar um mergulho. Assim eu posso relaxar um pouco. Essa praia é ótima para mim.
Ando descalço pela areia, seguro minhas chinelas e paro de andar. Tiro a camisa, a bermuda e entro no mar. Eu me sinto um pouco melhor, mas ainda estou cansado. Resolvo esquecer essa minha noite ruim e começo a nadar. Enquanto eu nado vou enfrentando as ondas calmas. A água não está muito fria.
Passo por uma onda um pouco forte e sinto algo. É como se eu estivesse feliz com uma mistura de nervoso. Resolvo ignorar esses pensamentos. Continuo nadando um pouco mais e vejo crianças jogando água uma na outra. Eles estão junto com os seus pais. Parecem estar concentrados nessa brincadeira.
Estão felizes e os seus olhos brilham. É a alegria os contagiando. Volto nadando para os observar melhor. Eu fico dentro do mar, mas não estou mais no fundo. A garota de cabelos encaralados empurra o garoto loiro e ele cai de costas na água.
Os dois sorriem e começam a correr um atrás do outro. Sorrio com essa energia deles e antes que eu possa perceber sinto umas coisas estranhas. Na minha mente começo a ver imagens meio borradas. As imagens são de areia e pés de duas pessoas que estão correndo. O mar acaba sumindo do meu campo de visão.
Tudo some. Sinto como se estivesse vivendo algo nostálgico.Estou no mar, mas pareço diferente como se fosse uma visão do meu passado. Eu fecho os olhos e logo vejo uma garota correndo descalça pela areia em uma praia.
Ela corre tanto que seus pés podem bater um pouco em suas costas. A garota está sorrindo e conheço sua risada.
— Você nunca vai me alcançar — ela grita e sua voz fica em meus ouvidos como se isso fosse uma música alta saindo de uma caixa de som — Eu sou pequena e aposto que corro bem mais rápido que você.
A voz dela ecoa em meus ouvidos e me deixa tonto. Eu não consigo abrir os meus olhos e sinto a água me levando para um lado e para o outro.
— Aposto que consigo chegar primeiro que você — eu escuto uma voz de um garoto e não sei indentificar direito — Sou muito mais forte.
— Eu duvido muito — a garota grita de novo e continua correndo — Você nunca vai me alcançar. Desiste, Hulk.
Esse apelido me faz ter uma certeza de que escutei muito esse nome. É como ter uma breve nostalgia boa de poder escutar esse nome e essa voz novamente. Me faz ficar feliz.
— Desistir nessa altura do campeonato? — o garoto respira rápido enquanto corre — Eu não desisto fácil, Minnie.
— Duvido que consiga fazer isso — a garota dá uma cambalhota, mas acaba caindo e bate as costas com força na areia — Aiiiii que dor.
A garota grita sem se mexer e o garoto alto corre para ajudar ela. Esse garoto se aproxima, se ajoelha ao lado dela e está prestes a olhar para o seu rosto. Eu abro os olhos e respiro com dificuldade. Parece que o mundo está girando comigo. Espero essa tontura passar e saio do mar. Eu me jogo na areia e fico olhando para o céu.
Algumas pessoas passam, me olham e seguem seu caminho. Respiro fundo pela primeira vez e tento me acalmar. Isso foi mega estranho. Nunca tive pensamento assim e muito menos tive dificuldade para abrir meus olhos enquanto pensava. Percebo que se eu não tivesse saído logo da água podia ter me afogado, desmaiado e na pior das hipóteses podia ter morrido.
Não foi um pensamento qualquer. Foi diferente, mais forte e ainda mais confuso. Me levanto, tiro a areia das minhas costas e visto a camisa com a bermuda. Calço minha chinela e pego minha mochila. Eu decido andar um pouco para me acalmar. Por que raios estou passando por essas maluquices? Isso já está passando dos limites.
Os apelidos carinhosos ecoam em meus ouvidos e não consigo ficar em paz. Pelo menos a minha tontura passou um pouco. Esses apelidos me parecem bem familiar e as vozes das crianças insistem em me perturbar. Hulk e Minnie são criativos e acho bonito. A familiaridade que sinto é de assustar.
Tento ignorar as vozes, os gritos, o som das ondas e as risadas das crianças. Eu vim para me divertir um pouco e tentar relaxar. Preciso desse momento para mim colocar meus pensamentos em ordem. Chega de me sentir confuso e agir de forma estranha, porque não sou assim.
Olho em volta e vejo alguns jovens que estudam na antiga escola onde eu também estudava. Alguns estão em grupos, outros sozinhos, reconheço casais e ainda tem os famosos surfistas. De longe vejo o Diego que para mim é conhecido como filhinho de papai. Ele está com sua prancha e vai surfar nesse exato momento.
Quando olho para o lado vejo um casal andando lado a lado. Olhando com atenção percebo que se trata de Augusto e Jade. Meu amigo está conseguindo ter uma conversa com a amiga daquela garota do baile de máscaras? Eu fico surpreso e feliz por ele, mas logo balanço a cabeça ao ver que o Augusto percebe a aproximação deles e decidi se afastar dela. O meu amigo viciado em jogos eletrônicos precisa aprender a perder a timidez.
Vejo que uma pessoa está mais distante. Essa pessoa está sentada com a coluna reta e de pernas cruzadas. Me aproximo em passos lentos e percebo que ela ou ele é alto. Vejo um rosto com um pouco de sardas, magra, pele bem branca e com um cabelo ruivo bem liso que vai até a cintura. Eu reconheço de imediato. É a Analu.
— Desculpa atrapalhar — resolvo tirar a paz daquele momento, mas nem se quer me arrependo. Ela se vira assustada e me encara — Como o Rio de Janeiro parece ser pequeno. Nos encontramos novamente.
Os seus olhos são cor de avelã e ela me encara sem dizer nada. Tosse duas vezes, engole em seco e se levanta.
Analu levanta um pouco a cabeça para olhar para mim, porque eu sou um pouco mais alto que ela. Olhando agora para ela...me parece que Analu é ainda mais frágil que pensei. Parece muito mais nova que eu.
Me sinto meio mal por pensar isso dela. Posso estar errado. Só que ela tem o rostinho meigo e eu gostei dela desde quando a conheci. Nunca vou a julgar pela aparência então eu tento parar de achá-la frágil.
— Vo-você de novo — ela diz gaguejando e sorri — Que coincidência te ver aqui. Eu es-estava meditando. Você me assustou.
— Minha mãe costuma dizer que meditar faz bem, acalma, ajuda a organizar nossos pensamentos e milhares de coisas — eu digo sorrindo.
— Sua mãe está certa — ela diz triste de repente e suspira — Seu no-nome é como mesmo?
— Jeferson — digo balançando a cabeça — Eu lembro de você, Analu, e a senhorita já esqueceu um cara bonito desses?
Analu fica com o rosto vermelho e abaixa a cabeça. Eu percebo que ela parece ficar bem envergonhada por qualquer coisa ou posso estar enganado.
— Está sozinha? — eu pergunto e um vento forte passa por nós. Os fios do cabelo dela ficam grudados em sua testa por conta do vento e eu decido tirar os fios do seu rosto.
— Sim. Prefiro sair sozinha — ela sussurra me olhando enquanto ajeito seu cabelo e essa foi a primeira coisa que Analu disse hoje sem gaguejar.
— Eu gosto de vim para essa praia — digo depois que termino de ajeitar os fios meio rebeldes — É quase o ponto de encontro da galera.
— Por ser o ponto de encontro da galera — ela respira fundo antes de continuar — Eu prefiro ficar longe das pe-pessoas.
— Por que exatamente? — pergunto com curiosidade e nossa conversa rapidamente é interrompida porque vem pessoas em nossa direção.
Olho para eles e é um grupo de jovens. Eles passam por nós nos lançando alguns olhares maliciosos, outros sorriem e ainda fazem coração com a mão.
— A Garibalda aproveitando as férias com o namorado esquisito — um deles diz e assobia. Os outros começam a cantar uma música em inglês e continuam fazendo os corações.
Eu não conheço a música que cantam e o grupo se distancia de nós falando alto e com risadas exageradas. Eu encaro Analu e cruzo os braços. Penso em perguntar quem são aqueles do grupo. Quando abro a boca ela é a primeira a falar me deixando sem outra opção a não ser ficar calado.
— Não liga para eles — Analu morde o lábio — Agora você entende o motivo de eu escolher estar distante dessa gente?
— Por que disseram aquilo? — resolvo não ficar calado por muito tempo — Garibalda? Te chamam assim?
— Eu sabia que ninguém iria querer ficar perto de mim — ela sussurra novamente e se afasta de mim — Quem quer ser amigo da excluída do colégio?
Analu sai correndo como da primeira vez que nos conhecemos. Eu grito o seu nome, mas ela não para de correr. Acabo não conseguindo reconhecer mais ela porque a praia de Ipanema está começando a lotar. Me vejo sozinho e fico pensando em mil coisas. Aquele grupo deixou Analu bem triste a ponto de dizer aquelas coisas sem sentido.
Que menina misteriosa essa que conheci. Ainda preciso entender o motivo desse seu jeito de fugir. Garibalda pode ser apenas um apelido que resolveram colocar nela e nada de mais. Quero muito acreditar nisso. Olho para o céu e resolvo procurar Augusto e Jade.
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