Capítulo XI.
SEM quaisquer hesitações, Ambrose abandonara as companhias das freiras e da aristocrata — que o paparicavam, para perseguir a sua senhorita pelas ladrilhadas ruas solitárias em meio ao tempestuoso toró.
— Lá vai-se à pecadora… E, ainda, seduzira o coitado primogênito Gerwin. — disse o padre Hess às moças, que se entreolharam incrédulas e até invejadas. — Somente nos resta esperar o pior, agora.
— Seria ela sua amante, padre? — indagou uma freira e o sacerdote apenas assentira. — Ao menos, poderia ser uma mulher titulada ou abastada como amante. E, ainda o agrediu! Que azar, um homem desse é tão... — devaneara de bochechas rubras.
— Uma noite contigo é meu almejo... — Também devaneara a endinheirada, auspiciosa.
— Caso eu não fosse freira... — sussurrou a outra freira. — Seja qual teu nome e existência, é uma serpente mascarada.
Pouquíssimo tempo demorou para Ambrose alcançar os disparados passos dela entre as vielas próximas à basílica. Os constantes lacrimejos da mulher enleavam-se nas gotas da chuvarada, que avolumou mais. Alguns trovões clamavam no silêncio. Encostada em uma anosa parede duma ruela, a senhorita escondia-se lastimosa perante os próprios tormentos. O aristocrata constou-a apreensivo, esquecido do tapa dado (que não lhe ardera tanto). Aproximou-se repentino. Nem a chuva, nem as vestes encharcadas incomodavam-nos, apenas a melancolia em seus peitos.
CABUM...! Outro estrondoso trovão.
— Senhorita... — Com a chuva pairada sobre a própria carne e vestimentas, embebeciam a camisa, o colete e a calça: demarcando o másculo corpo. Ele colhera-a em seus braços. Aquelas gélidas temperaturas aqueceram-nos num segundo e a mulher finalmente sentira um aconchego para as dores. Ele sussurrou: — Minha amável senhorita... — Em um demasiado silêncio, o conselho de Leopold Guth ecoou na mente de Ambrose: “Como temes que ela se arrisque, então deveria também arriscar-se… Além da certeza de que a protegeria caso necessário”. Lentamente o céu acalmou-se: começaram as nuvens a beirar-se e a luminosidade ressurgiu num sopro vívido.
— Senhor Gerwin.
— Hum...?
— Meu pecado é amar-te e creio que nem Deus me perdoará.
— Quem te falara isso?
— O padre Hess.
— Apesar da excelência como sacerdote, as suas ideologias são extremistas e materialistas, minha senhorita.
— Mas...
— Unidos podemos estar. — revelou alisando a trança acobertada pela úmida mantilha com uma mão. A outra pousava sobre a cintura da mulher.
— E se todos nos descobrirem?
— Então te protegerei.
— Irá arriscar-se tanto por mim?
— Sim... Por ti, arriscarei até meu destino.
— Não asneire, senhor Gerwin. — vê-la gargalhar o fez sorrir. Seu aroma alecrimado unira-se com a emanação das terras molhadas. Arrepiou ele ao sentir o delicado toque dela sobre a sua nuca e avistou as suas negras íris cintilantes vagarem-se no seu corpo que pouco transparecera sobre as vestimentas. Ele também controlou-se para não desejar o busto marcado pelo corset. — Seria melhor retirarmos, acredito eu.
— E tu viestes como?
— A pé, oras.
— O grão-ducado é afastado da basílica. Por favor, acompanha-me em meu cavalo.
— Seria xucro de minha parte...
— Eu insisto.
— Está bem, te acompanharei então. — sorriram os dois. Uma ínfima incerteza penetrou sobre a cabeça da senhorita, porque já deduziu o peso das consequências que lhe pesarão e lhe afogarão pelo amor: já sabia.
Como o nascer do Sol,
Meu amor por ti é inevitável.
Como o pôr do Sol,
Ver-te é deleitável.
Por ti encaro os meus tormentos,
Futuro... Desejo e destino.
Sinto-me perto do divino,
Meu paraíso é ter-te nos pensamentos.
Na seguinte manhãzinha pintara o horizonte de cores áureas e róseas. Os pardais cantarolavam numa álacre melodia. Às seis horas, Augusta já perambulara pelo palacete com as habituais tarefas. Enquanto subia as escadarias do salão principal, viu os austeros olhos da governanta Geraldine a ti, com uma dourada bandeja em mãos. Num instante, temeu da possível descoberta.
— Houvera algum problema, senhora La Ru?
— Tua colega: a Josette, acordou adoentada e sequer avisou-me a ingrata.
— Oh! Quem adoentara? — Lilith apareceu repentina e, ao avistá-la, reverenciaram-na.
— Uma mera criada...
— Coitadinha! Então, convoque um médico a ela, La Ru.
— Seria desnecessário, Vossa Alteza.
— Trata-se de uma ordem, por favor. Será por minha conta. — continuara a nobre ascender as escadas, até perceber o comparecimento da serviçal: — Que esbelta cintura! — Quando a escutara, um envergonhado sorriso surgira nos lábios.
— Substitua-a. — A governanta ainda permanecera a conversa, entregando-lhe a bandeja. — Tu já conhece os serviços dela, correto?
— Conheço. — Augusta subira as escadarias e, antes de dirigir-se ao quarto do primogênito, observou a jovem aristocrata ir à sala de instrumentos musicais. Em paredes ornamentadas, enfeitavam-se pinturas — e fotografias monocromáticas, de Ambrose. Em todas essas, a masculinidade, nobreza e vaidade eram perceptíveis. Controlou-se para evitar as dedilhações diante das artes. “Caso o pintasse, poderia dispor em telas a sua exuberância e beldade?”, ponderara. Destrancou a porta do quarto de Ambrose e trancou-a novamente, e repousara a bandeja acima da escrivaninha. “Onde está ela?”, recordou-se da máscara. Recolheu as roupas e acessórios espalhados e encolheu as cortinas. Quando o constara adormecido, disse: — Um bom dia, Vossa Alteza. Já és manhãzinha. — Quando aproximara-se dele, suas mãos guiaram-se aos fios que resplandeciam dourados ao Sol: como uma portentosa pintura. Repentinamente, Ambrose puxou-a pela cintura e a pôs na cama em seus braços nus, como o peitoral másculo.
— Bom dia, minha senhorita. — beijara-lhe o pescoço e ela discreta gargalhou.
— Pare, por favor! — pronunciara risonha. “Que suave gargalhada”, refletiu ele. — Há quanto tempo estás acordado? — questionara-o, exalando um aroma amadeirado e o frescor do hálito.
— Já fizestes algumas horas... — continuou a beijar o pescoço.
— Pare, por favor! — insistira, retornando a rir.
— E caso eu não pare?
— Irei vingar-me! — Num instante, a senhorita depositara incontáveis ao pescoço de Ambrose, que se manteve quieto e contente. — Não sente cócegas?
— Não, senhorita.
— Organizarei vosso quarto, agora. — revelou ao entreolharem-se.
— Espere, por favor. Permaneça um pouco ao meu lado. — reforçara o aperto na cintura e beijou-lhe a sua mão. — Se eu pudesse...
— “Se eu pudesse” o quê?
— Se eu pudesse, faria amor contigo neste exato momento.
— Nadica disso! — exclamara, acanhada. Decidiu então mudar o assunto, alisando o lívido bigode dele: — Levanta-se e coma as tuas frutas compotas¹ e o steak tartare². Entendestes?
— Está bem. — sorriu.
Enquanto os dois encontravam-se às escondidas, passaram-se fugazes os tempos. Fora na quarta-feira que Lothaire, o pai de Ambrose, finalmente retornara da viagem e, para padecer mais, ele já lembrava-se da fatídica conversa com o filho a respeito do matrimônio. No escritório, eles permaneciam-se calados diante dum orvalho no luar que beirara inferiormente as nuvens do noturno céu. Lothaire, encostado numa poltrona com estofado de tons avermelhados, lia os jornais locais e tragara o seu charuto tuxedo enquanto vistara discreto o próprio primogênito. Ambrose encostara-se à parede pensativo, com o livro de Romeu e Julieta: obra de Shakespeare, nas mãos. Num movimento repentino, o velho senhor colocara o charuto num cinzeiro de cristal.
— Acredito que já saibas a razão de nossa conversa, não, Ambrose? — questionara Lothaire, acedendo outro charuto.
— Sim, meu pai. — falara, após colocar na mesa o livro.
— Então, franco serei nas palavras.
TOC, TOC…!
— Entre. — pronunciara Lothaire ao escutar batidas na porta. Então, a senhorita adentrou ao requintado cômodo e Ambrose sentiu-se castigado, pois bem sabia que deveria omitir as palavras para protegê-la.
— Com toda a licença. — reverenciou ao colocar na mesa central a áurea bandeja com irish moonshine, fatias de queijos, frutos secos e carne defumada. Depositara a bebida numa taça de cristal.
— Então, tu já tens uma mulher na mente, Ambrose? — Quando a escutou, tanto ele quanto a senhorita estremeceram-se silenciosos. Repetiu: — Tens?
Enquanto distraído com a bebida e os jornais estava Lothaire, Ambrose e a senhorita entreolharam-se discretos e ele percebera a sua temerosa feição. Recordou-se de seu pedido:
— ... Não, não tenho...
GLOSSÁRIO e REFERÊNCIAS:
• ¹: forma de conserva de frutas ou vegetais, por meio de cozimento desses em açúcar ou em suco de fruta.
• ²: prato de carne de vaca ou de cavalo crua, sendo picada e misturada em vários condimentos, podendo ser servida com uma gema de ovo crua.
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