Capítulo VII.
— ESTOU completamente agradecida, senhor Gerwin, mas...
— Por favor, aceite ao menos o vinho e as bruschettas. — estendera gentilmente a cestaria e ofereceu-a ela. A senhorita, ainda envergonhada com o estado, disfarçou as mãos trêmulas sobre o vestido e, então, aceitara os aperitivos e a taça de vinho que Ambrose lhe dera. Um silêncio reconfortante alastrou-se enquanto aproveitavam os lanches.
Enfeitava na escuridão as estrelas e a majestosa Lua quando retornaram a casa apalacetada. Augusta adentrou a ala e direcionou-se sozinha ao quarto: tirou as vestes e atirou-se à cama sem hesitação. “Quando isso vai parar de atormentar-me?”, pensou ao observar as mãos trêmulas. Os arregalados olhos perambularam sobre elas, acobertadas por um familiar sangue.
— Não... — Um arrepio atingira a espinha, acompanhado de incontáveis lágrimas: — Pare, por favor... — procurou o ar na respiração ofegante. Num súbito segundo, as entranhas de seu corpo pulsaram por misericórdia. Um vazio ocultou-a da realidade e apenas a angústia a cercava.
— Um... Nada disso é real. — As entranhas retornaram a pulsar.
— Dois... Acalma-se, Augusta. — Uma desconhecida maresia sufocou-te.
— Três... Ninguém irá descobrir o teu castigo, Augusta. — Uma penumbra imperou em... “A senhorita também está fastuosa e fascinante, como o habitual.”, as inesperadas falas de Ambrose surgira e levou-a novamente à realidade. Procurou nelas um aconchego na alma agoniada. Sorriu ao se recordar: — Jamais me chamaram de senhorita e nem me convidaram para uma ocasião. — sussurrou. — Se, ao menos, fosse uma aristocrata... Os meus sentimentos não necessitariam de se tornar tão secretos.
— Estou extenuada de tanto andar! — Dulci adentrara súbita o pequenino cômodo com uma mala em mãos e debruçou-se premente na cama. A jovem assustou-se, e saiu de seus devaneios. — Augusta...
— Pois não?
— Ajude-me a tirar este espartilho. — Breve, respirou: — Apesar de amar usá-lo, é impossível coçar as costas com ele! — Dulci retirou o vestido e ficou deitada na cama, esperando-a.
— Deveria ter suplicado ao Leopold, entendestes? — brincara Augusta, afrouxando os laços da peça e, quando a retirou, perguntara: — Onde coça?
— Neste exato lugar. Muito obrigada. — agradeceu Dulci ao sentir as mãos esfregando-se na dorsal das costas. Revelara: — Caso pedisse ao Leopold, poderia até mesmo engravidar, visto que ele é um sujeito que se eu brechar: embucharei!
— Não consigo imaginá-la prenha.
— Nem eu... — falou brincalhona e continuou: — E ele quer ter inúmeros filhos comigo!
— Ele conseguira adiantar em pouquíssimo meses o que não fizeste em vinte e oito anos. — debochou a colega.
— Caso continue provocando-me, colocarei incontáveis velas à imagem de São Raimundo Nonato e rezarei por incontáveis filhos teus! — ameaçara, ainda brincalhona. Então, constou pensativa.
— Algum problema?
— Sabe, Augusta... Confesso que tivera a sorte de Leopold interessar-se por mim com minha idade. Entretanto, estou preocupada contigo, amiga. Uma moça de vinte e cinco anos inupta sofre pela solteirice nessa sociedade, e digo por mim mesma. Tu deverias olhar-se mais, Augusta.
— Agradeço a tua preocupação, Dulci.
“Tu deverias olhar-se mais, Augusta”, relembrou.
“Tu deverias olhar-se mais”, outra vez.
— Tuas mãos estão trêmulas, acontecera algo? — indagara a amiga, retirando-a das ilusões.
— Nada.
Entreolharam-se firmes.
— Está bem. Vamos dormir. — vestiu a camisola e apagara o lampião quieta. Num quarto envolto pelo pretume de beges paredes e chão amadeirado, na humilde cama com colchão de lã e travesseiros de pluma; as duas permaneciam silenciosas e com mentes inquietas. Apreensiva com a amiga, estava Dulci. A amiga, além da apreensão por Dulci, também estava com os seus próprios sentimentos e o passado que lhe espreitava.
Acordado ainda estava Ambrose em seu quarto, acertando todos os arremessos no American billiards com o charuto nos lábios, após beber o forte gin craze¹. O taco situava-se nas másculas mãos, já a cabeça, ainda relembrava dos vívidos instantes com a senhorita.
“Somente saberá a importância de algo quando tê-lo em seu coração, acredito eu.”, sorrira ao encaçapar uma bola.
“Estou mais que surpresa... Estou completamente maravilhada. Agradecida, senhor Gerwin!”, encaçapara outra.
Quando mirou à bola de numeral oito... “Como desejaria ver este céu naquela praia quando criança. Talvez, aguentaria toda a dor no peito”. Pela primeira vez errou
“O que a fez lacrimejar e tremular a mão?”, questionou-se com melancolia nas íris.
“Quero que se case ainda este ano, Ambrose.”, “Como casarei dessa maneira?”, pensou e repentinas cenas apareceram em sua mente...
“... Linhas estáveis e profundas: Um amor eterno duma vida. Será aristocrata! E, tu, apenas admitirá o teu amor num peculiar dia... Em um jardim com cisnes e escultura de gelo”...
“Apenas saiba que essa máscara uniu-os para sempre”.
“Uma aristocrata em meu destino... E se negar o meu destino?”
“Tu realmente o negará?”.
— Então Deus castigara-me não só em esconder a minha paixão, mas também por me casar a força e aceitar o meu destino com uma aristocrata, correto? — sussurrou, encostando-se à mesa. — O que faço, será? — Apesar do anseio em contar à moça sobre sua lastimável situação, um pressentimento dela pedindo-lhe que casasse com uma nobre e aceitasse o seu destino (altruísmo seu) amargurava-o.
Passaram-se dois meses após a viagem do senhor Lothaire. Estava contumaz a senhora Gerwin em seus afazeres, apesar da imensa saudade pelo marido. Ocupara-se com os incontáveis passatempos seus, desde as artes e até conhecimentos científicos. Sua filha, a noviça Lilith, mergulhara-se nas românticas obras literárias apenas para que, quando o seu pai retornar, a escutaria criticá-las individualmente. Ambrose, por sua vez, mesmo com a ínfima saudade do pai sobre o peito, ainda não o perdoara com a ordem do matrimônio. Ao menos, o serviço e os românticos encontros com a senhorita distraiam-no. Todavia, sempre ao deitar-se na cama, o peso da indecisão e os segredos alcançaram-lhe como infinitas bigornas, ademais de uma pulsante revolta na alma. Guardara a máscara numa gaveta da escrivaninha, pois acreditava que seria o correto devolver à possessora do acessório.
Numa tarde calorosa, após finalizar os diários trabalhos secretariados, o homem dirigiu-se discreto à biblioteca a fim dum romântico encontro com a senhorita. Nas inumeráveis estantes, constara-a organizar e limpar cada mínimo canto cantarolando baixo. Nas mãos dele, estava um elegante buquê de cravos e rosas² vermelhas tão vivazes quanto uma arte pura. As numerosas flores prendiam-se num laço branco com brilhos nas extremidades do tecido.
— Com toda a licença. — disse ao aproximar-se dela.
— Boa tarde, senhor Gerwin. — reverenciou-o acanhada. Então, o homem entregou-lhe o buquê nas mãos. Com arregalados olhos e bochechas rubras, indagou: — É para mim?
— Aceita, por favor. Desculpe-me pela simplicidade do presente...
GLOSSÁRIO e REFERÊNCIAS:
• ¹: variação de nome para o gin.
• ²: referência à cantiga de roda brasileira:
“O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar
O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar”.
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