Capítulo IV.
— AJUDAREI em que precisar, Vossa Alteza. — ficou cabisbaixa e na latebrosa consciência dele, indagou-se como seriam os seus soltos fios tão escuros quanto as penas dum corvo.
— O que faço com essa máscara? — perguntou, receoso com a resposta.
— É tão esbelta para descartar-se. — levantou a mão para alisar o acessório, porém, recuou ao perceber os próprios calos e os antigos arranhões. Então retornou a dizer: — Caso seja preciosa a ti, poderia guardá-la. — Ele pensou e repensou sobre a hipóte, e questionou a importância do objeto. Afinal, poderia ter centenas de máscaras com os mesmos materiais, mas seriam do mesmo valor à originária?
— Não sei, realmente. — suspirou e aproximou-se repentino à ela, que desandou os passos: — Como saberei?
— Somente saberá a importância de algo quando tê-lo em seu coração, acredito eu. — Ambrose entrevecera-se e a encarou sair do quarto com o devido pano e espanador. “Somente saberá a importância de algo quando o tê-lo em seu coração”… Bendita frase que no peito dele adentrou.
“Talvez… Talvez deva eu averiguar uma cartomante”, pensou quando se sentara na cadeira amadeirada do escritório de seu pai, para finalizar os seus compromissos.
O entardecer refletia-se sobre as cristalinas águas do particular lago e o vento assoprava; formando pequenas ondulações. Fadigado com os serviços, Ambrose apenas comeu peixe assado e salada e, até quando a mãe oferecereu-lhe algo apimentado (sua preferência gustativa), nem quis. Passaram-se as horas assim que ele decidiu um collation nocturne para relaxar. De branca camisa e calça marrom-café, ordenou com um sino a uma serviçal preparar alguma refeição que lhe satisfizesse e surpreendeu-se ao encontrar a mesma criada com uma áurea bandeja com louças de cerâmicas francesas: havia-se uma sopa, brioche¹, bolo de gengibre e vinho.
— Como ordenou, aqui está a sua refeição, Vossa Alteza. — O peito dele não se ardia como no baile mascarado, todavia, intrigara-se diante dela (e até a sua altura, que era pouco mais alta e curvilínea que as moças comuns).
Ao levantar-se da cadeira, derrubou alheado alguns documentos no chão. Quando pegou-os, se arrepiou até a espinha ao sentir o delicado toque da criada, que também abaixou-se para ajudar. As suas profundas íris eram enigmáticos astros num escuro céu. Elas olharam Ambrose em segundos e vê-la tão próxima de seu rosto, o fez sentir-se perante a dois aspirais secretos repletos de graciosidade.
— … Os papéis, aqui estão… Vossa Alteza.
— … Obrigado… — levantou-se e um silêncio alastrou. Então, disse o homem: — Estou tornando-me mais devaneado com esses papéis.
Ela permanecera quieta e com a cabeça curvada.
Pela primeiríssima vez, sentiu-se nervoso com as próprias palavras… Por uma mera empregada que nem se sabe o nome, ainda. Reflexivo, mudou de assunto:
— É tu que coloca o jarro de flores em meu quarto nas manhãs?
— … Sim. — revelou, pouco apreensiva. — Incomodam-te elas? Porque posso retirá-las caso deseje.
— Não, não há necessidades. São uma verdadeira beldade.
Sorriu ela: um sorriso tanto discreto e fugaz nos lábios, porém, admirou ele e prometeu jamais esquecê-lo. Ele também sorrira.
O dia seguinte foi completo de serviços e mais serviços para o primogênito. Nem almoçou, porque esteve demasiado ocupado em escrever cartas e contratos. Passaram-se dias após a integração do trabalho em sua rotina e como logo seria a época de safra, negociava o comprometimento dos fornecedores, ademais lia incontáveis relatórios que lhe mandavam. Trancafiado no escritório, os seus dias passavam-se como minutos. Anoiteceu e quando terminou todos os deveres, de passos ocultos perambulara pelos corredores com chão de mármore e ornamentos nas paredes e tetos. Adornavam alguns quadros e tapeçarias, como também as singelas pinturas a fresco e os vitrais cintilantes. A extensa cozinha era acomodada por um imenso fogão a lenha e lareira, além dos azulejos florais de cerâmica revestidos e os armários embutidos. Quando adentrara ele ao cômodo, deparou com a criada, que ensaboava o chão já suada com um metálico balde ao lado. Discreto observou-a e até sentira uma insuficiência incerta no peito.
Ao vistá-lo, arregalaram os seus olhos e desviaram-se ao chão, voltando ao serviço. Outra serviçal que também estivera na cozinha, secando algumas louças, os constaram: sua pele de marfim destacava-se com o negro coque e o surrado avental, os afiados olhos acinzentados julgara a outra em um mínimo segundo.
— Vossa Alteza, o que desejas? — reverenciou ela.
— Apenas vim buscar uma água. — Ele espionou a criada que se mantia quieta e limpando várias vezes.
— Não precisava dirigir-se a cozinha, Vossa Alteza. O sino poderia ser escutado. — Graciosa, ela ofereceu uma taça de cristal com água fresca numa bandeja limpa.
— Já é noite e não queria incomodá-las…
— Não se trata dum incômodo, é o nosso serviço, Vossa Alteza. — sorriu gentil.
Brevemente o aristocrata as observou — principalmente a que limpava o chão. Quando tomou-lhe a coragem, surgira súbita a governanta Geraldine La Ru: uma senhora de fios grisalhos, aparentes rugas e forte corpo.
— Com toda a licença, Vossa Alteza. — referenciou. — Perdoe-me incomodá-lo, mas fui ordenada por tua mãe para chamar-te e relembrar de teu trabalho no escritório.
Ele franziu o cenho enfurecido, mas para não perder o controle, relaxou-se. Então, sorriu sarcástico e alisou o bigode (um de seus cuidados vaidosos):
— Passam-se os longevos anos desde a senhora Burchard, mas percebo que ainda preciso duma cuidadora diante aos olhos de minha mãe. — olhou ágil o reservado e discreto sorriso nos beiços da criada e sentiu-se vitorioso. Retornou aos aposentos após explicar o término do serviço a senhora La Ru. Enquanto Ambrose preparava-se para dormir, na cozinha ainda ensaboava o chão a criada e secava as louças a outra, que a observou discreta.
— Tu realmente não achas que percebi que se entreolharam? — indagou ríspida, com as sobrancelhas arqueadas e o queixo levantado. Cercou-a de repente: — Acredita que sou idiota, menina?
CLANK SPLASH…!
Caiu-se o balde repleto de fresca água com sabão com o chute da serviçal bravia. Ela viu desdenhosa a colega.
— Por que fizestes isso, Dulci? — defendeu-se, após desistir de secar toda água presente no chão.
— Simples: caso planeja continuar admirar a Vossa Alteza, será o primeiríssimo balde ao chão dentre muitos. — Atemorizada, Augusta desviou o olhar receosa das gélidas e afiadas palavras que te perfurara o peito como lâmina. Dulci continuou: — Sabes bem do que falo. Não é, Augusta?
Ela permaneceu calada.
— Responda-me, Augusta!
— Sei. — engoliu o seco.
— Sabes bem o que acontece quando meras empregadas, como nós, relacionamos com os nossos patrões. Não é, Augusta?
— Sei. — engoliu novamente o seco, já lacrimejando.
— Sabes bem o que acontece quando miseráveis, feitas nós, relacionamos com os aristocratas. Não é, Augusta?
— Sei. — De novo.
— Sabes bem a consequência disso. Não é, Augusta?
— Sei. — Outra vez.
— Aspira retornar a miséria outra vez, Augusta? — manteve-se firme a Dulci, mesmo que a possibilidade amargasse-a e marejava os seus olhos.
— Jamais! Jamais retornarei. — Ela enxugou as próprias lágrimas que saíam tímidas. Então, Dulci curvou-se de joelhos e a abraçou sem pensar, ignorando a água com sabão que encharcara parte de seu avental. Para Augusta fora um reconfortante abraço de uma irmã, todavia, para a mulher mais velha e experiente, mesmo que lhe abraçar podia sentir o persistente coração e o acolhedor sentimento adentrar na alma, era incerto o futuro que aguardava.
“Nada pior como uma calmaria antes da tempestade”, pensou ainda aflita.
GLOSSÁRIO e REFERÊNCIAS:
• ¹: pão de origem francesa, feito com alto teor de manteiga e ovo.
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