Quatro
"Eu dei o melhor de mim para você e não há nada melhor para fazer, a não ser chorar pela última vez... Ainda estou aqui, sentada sozinha e desejando que todos os meus sentimentos desapareçam. Tenho que superá-lo, não há nada a fazer, a não ser chorar pela última vez. Uma última lágrima, antes de deixar tudo para trás. Vou expulsá-lo da minha mente dessa vez, parar de viver uma mentira. Eu sei que terei que ser forte, pois toda a minha vida continua... Mas eu vou chorar uma última vez." ♥♥♥One last cry — Marina Elali ♥♥♥
Sarah
Sábado é sempre o dia em que eu tento dormir até mais tarde e não fazer absolutamente nada, a não ser ler ou assistir a minha série favorita; eu nunca consigo. Geralmente quando acordo pela manhã, fico olhando o teto extremamente branco do meu quarto e pensando em como a minha vida é um pouco patética.
Eu tenho um trabalho do qual adoro e pelo qual sou imensamente grata. Tenho uma família incrível, um pouco afetiva demais, isso me sufoca às vezes... Mas eu os amo muito. Tenho uma coleção de sapatos e livros, que fariam inveja a qualquer mulher. Tenho um carro lindo, clássico, um Ford Maverick 87, azul metálico, presente do meu irmão Estevan.
Eu tenho um peixe dourado, porque eles são muito mais fáceis de serem cuidados do que um gato ou cão e, também porque a minha prima Hayle achou que eu quisesse um no meu último aniversário. Ainda assim... Eu me sinto sozinha, quando deixo a minha mente totalmente vazia, sem grandes problemas ou preocupações; eu me sinto incompleta.
Tem algumas coisas do meu passado que eu tentei enterrar e seguir adiante. Entretanto elas simplesmente não me deixam, como se estivessem enraizadas em minha alma, calcificadas em meus ossos.
Sem a possibilidade de serem simples lembranças um dia, mesmo que dolorosas, mas ainda lembranças. Mesmo que eu engane a mim mesma e aos outros principalmente, ainda deixo o meu passado ter algum poder sobre mim. Embora pequeno, ele ainda está aqui, me prendendo e podando os meus passos sem que exista a possibilidade de deixá-lo ir. E são esses momentos a sós que me fazem melancólica, como se eu finalmente olhasse para dentro de mim e enxergasse o meu coração; enfim eu percebo o quanto ele ainda está machucado.
Soltando lentamente a respiração que eu nem percebi que estava prendendo, jogo o meu edredom de lado e saio da cama, indo ao banheiro, enquanto mentalmente planejo o meu dia. Limpar a casa, lavar a minha roupa, visitar os meus pais, passar no mercado e por fim; afundar-me no sofá com um pote de sorvete e se eu tiver alguma sorte, alguns brownies da minha mãe.
São quase cinco da tarde, quando eu estaciono na minha garagem. Almocei com os meus pais e passei algumas horas divertidas com eles, antes de ir ao supermercado. Eu desço do meu carro, pego as sacolas e caminho até a porta.
Meu celular toca na minha bolsa no instante em que pego as minhas chaves e abro a porta. Eu as deposito minhas compras na mesa da cozinha antes de atender.
É minha prima Samantha e eu já tenho um sorriso no rosto antes de dizer — alô — é sempre assim quando ela me liga.
— Hey Sam, como vai minha prima favorita?— pergunto enquanto caminho até a geladeira e pego uma garrafa de água.
Ouço seu sorriso do outro lado da linha antes dela responder.
— Não deixe minha irmã te ouvir dizer isso, Sarah, você sabe que é errado ter preferidos em nossa família.
Eu rio também, minha família é muito grande, do tipo que lota uma igreja em um casamento e em um velório também. E sim, é errado ter preferidos; embora todo mundo saiba que a Sam é a minha e eu espero ser a dela também.
— Ela sabe que eu a adoro, mas você é especial. — Jogo-me no sofá e tiro meus sapatos, que alívio. — A que devo a honra de sua ligação, senhorita Rodrigues?
—Primeiro, te liguei porque você esqueceu completamente da minha existência e não me venha com essa estória de que sou especial, sua ingrata.
—Quanto exagero Sam, eu te liguei há três.
— Sim, tanto faz. — ela diz com um suspiro exasperado, dramática.
—De qualquer forma, o que era tão urgente. Aconteceu algo desde a última vez em que nos falamos? — pergunto enquanto deslizo os meus pés pelo tapete felpudo da sala. —E quando digo algo, quero dizer algo realmente relevante e não as loucuras da nossa família.
Sam adora me ligar para contar as novidades da nossa família.
Ela sempre ocupa meu tempo para dizer que a namorada do seu irmão Tito era feia e se vestia feito vadia. Ou que o marido da nossa prima Cristina estava saindo com uma moça do trabalho. Minha avó Carmen retirou uma verruga muito grande das costas e coisas desse tipo.
A maior parte do tempo, eu fico horas a ouvindo relatar os acontecimentos como uma repórter apresentando um telejornal e sempre rio horrores, a última vez fiquei com soluços por horas, depois de tanto rir. Sam tem um dom natural para falar e ser ouvida, é quase impossível não se deixar envolver por suas narrativas fantásticas.
Mas hoje eu não estou no clima.
—Você é tão chata Sarah, acaba com toda graça da vida.
Eu coloco o telefone no viva voz e o deixo em cima da cama enquanto me troco. Estou tirando minha saia, quando ela continua.
—Mas falando sério. — ela diz, mudando o tom de voz para quase um sussurro — Você não vai acreditar em quem acabei de ver na oficina do Tito.
Eu fico parada, a saia na metade dos meus joelhos esperando ela continuar. De repente ela fica em silêncio, algo que não combina de forma alguma com a Sam e eu sinto um pequeno aperto no estômago, quase posso jurar que não vou gostar do que ela vai me dizer.
—Quem?— pergunto sentando-me na cama e pegando o celular na mão outra vez. — Quem Sam?
Escuto um suspiro do outro lado da linha. Sim, eu realmente não vou gostar.
— O Nick. Ele estava na oficina do Tito minutos atrás e o Estevan estava junto também.
Eu fico quieta por alguns minutos, meu corpo imóvel apenas permitindo que o meu cérebro processe essa informação.
Na verdade não estou triste, apenas surpresa. Um pouco chocada.
Eu sabia que um dia ele iria voltar, sua família e todos os seus amigos estão aqui, então era de se esperar que isso acontecesse mais cedo ou mais tarde. Foi mais tarde, mas enfim aconteceu...
Nicholas Campbell, meu ex-namorado, meu único amor. Ficamos juntos por quatro anos. Quatros anos que foram uma vida inteira.
Ele é ou era — essa informação ainda é desconhecida para mim— muito amigo do meu irmão Estevan e meu primo Tito, irmão da Sam.
Cresceram juntos praticamente, embora Nick não tenha nenhuma descendência mexicana. A família dele era vizinha da família da Sam e foi fácil criarem esses laços.
Me apaixonei por ele ainda na adolescência, mas a diferença de idade de sete anos entre nós foi um empecilho imenso na época.
Meu irmão ciumento e dezenas de primos intimidadores também não tornaram as coisas mais fácies. Sendo assim, por alguns anos eu apenas o amei platonicamente, observando cada passo que ele dava.
Sempre estávamos muito próximos e eu sabia que ele também sentia algo por mim.
Foi no meu aniversário de 19 anos que eu finalmente criei coragem e me declarei. Claro eu estava um pouco bêbada e incentivada pela Sam e sua irmã Hayle, praticamente o agarrei em minha festa.
O restante dos acontecimentos desse dia ainda são meio nebulosos para mim.
Só sei que minha tática funcionou e Nick enfrentou meu irmão Estevan e meu primo Tito, colocando em risco a sua amizade com eles, para ficar comigo.
Eu sabia que ele me amava e eu o amei mais ainda em troca.
Vivemos intensamente esse tempo que ficamos juntos e meu coração tinha certeza de que ele era o único. Nada que eu fizesse, sonhasse ou planejasse na vida, não incluía Nick. Meu mundo girava ao seu redor e eu tão cegamente, acreditava que fosse tudo para ele também.
Quando ele resolveu se mudar para Chicago, para trabalhar em uma das maiores firmas de advocacia de lá, um sonho que ele sempre alimentou, eu o apoiei. É claro, achando que pudéssemos encarar um relacionamento à distância. Acreditando piamente que o nosso amor era sólido o suficiente para isso. Sólido como uma montanha, embora fosse tão frágil quanto um castelo de areia.
Eu já fazia planos para me mudar também e morar com ele, poderia trabalhar em Chicago facilmente, tinha tudo sobre controle. Porém, no meio do caminho, entre muitos telefonemas e milhares de mensagens, algo mudou.
Mudou para o Nick.
Eu não sabia dizer o que era, mas apenas o sentia cada vez mais distante, a cada novo contato ele se tornava diferente para mim. Eu não queria me desprender, não queria deixá-lo ir, não queria perdê-lo. Eu gastei todos os meus esforços, fiz tudo o que podia para salvar a nossa relação.
Ele deixava de ligar um dia. Eu acreditava em sua desculpa idiota, mesmo sabendo que era uma mentira. Ele deixava de responder uma mensagem no outro dia. Eu mesma me enganava, tornando a tarefa de me fazer de boba mais fácil ainda.
Até ele terminar comigo por e-mail, sem direito a replica, já que ele nunca respondeu os mais de cem e-mails que eu mandei em seguida. Era o meu último suspiro. Depois disso eu tive que aceitar que ele não me queria mais, que talvez eu não significasse tanto assim e sequer merecia um adeus, onde pudesse olhar em seus olhos.
Eu me senti aos pedaços, devastada. Como se tivesse perdido o meu coração e sem nenhuma chance de recuperá-lo novamente. Fiquei em luto por muito, muito tempo e mesmo assim nunca mais o procurei.
Meu irmão sofreu muito mais do que eu, se sentiu traído, ainda que eu não possa afirmar ter me sentido diferente.
Faz quase dois anos que não nos vemos, Nick sequer veio passar o Natal com os pais nesse meio tempo. Me perguntei algumas vezes, se era apenas para não me encontrar. Para não ser confrontado por mim; algo que eu jamais faria, eu ainda tenho algum amor próprio. Embora ele tenha sido uma das poucas pessoas que realmente me conheceu, para quem eu me mostrei por inteira. Alguém a quem eu me entreguei e me dispus a amar incondicionalmente.
Agora ele está de volta e é estranho, por falta de adjetivo melhor.
Eu não tive nenhum outro relacionamento depois dele, nem mesmo encontros sem importância. Eu somente vivi todo esse tempo como uma viúva, incapaz de esquecer o seu amado.
Tenho medo de vê-lo e meu coração reconhecê-lo como o único que já amei. E se eu ainda o amar? Gostaria de estar com alguém, de ter alguém na minha vida.
— Sarah? Você ainda está ai querida? Fale comigo. — A voz de Sam me desperta dos meus devaneios. Será que fiquei muito tempo quieta?
—Estou aqui Sam e não estou chorando. — digo com um sorriso, tentando ser engraçada. — Eu apenas fiquei surpresa, você sabe que faz muito tempo. Mas está tudo bem.
— Se você diz, então está certo. — Sam diz, sem parecer acreditar em mim — Que tal nos encontrarmos para conversar? Podemos sair para dançar.
— Claro, porque uma danceteria é o lugar mais adequado para se conversar. Eu não consigo ouvir nem os meus pensamentos, Sam.
— Pode ser que não seja o melhor lugar para conversarmos, mas eu estava pensando mesmo na tequila que terá lá.
— Tom está viajando outra vez? — eu pergunto, me referindo ao seu noivo.
— Sim, duas semanas no Alabama, eu me sinto entediada. — ela diz com um suspiro — Além do mais, seria ótimo falar sobre a sua vida amorosa um pouco.
— Ou a falta dela. — digo, suspirando também — Não quero falar sobre o passado, ou qualquer pessoa que viveu lá.
— Podemos apenas beber e dançar.
— Você pode beber e dançar, enquanto eu te trago em segurança para a casa. — eu a corrijo, me jogando na cama — Hoje não querida, mas não se preocupe comigo; eu ficarei bem.
— Você não precisa passar por isso sozinha e nem precisa fingir que não está triste, eu te conheço, Sarah... Melhor do que ninguém.
— Me sinto perfeitamente normal, Sam. — eu enrolo uma mecha de cabelo de forma nervosa — Eu já te disse e não entendo por que você pensou que isso me abalaria.
— No seu lugar, eu ficaria terrivelmente abalada. — ela confessa em um sussurro.
— E por quê? Tudo isso é passado. — falo com firmeza, tentando parecer crível para os próprios ouvidos.
— E se vocês se reencontrarem de repente, como acha que vai se sentir?
— Acho que será estranho e desconfortável e eu estou torcendo para que isso não aconteça.
— Isso será inevitável, desde que ele é tão amigo do seu irmão e do meu também. Acabei de lembrar que sexta-feira é o aniversário do meu pai. Acho que o Nick estará lá.
Jesus... Eu me esqueci dessa bendita festa. Em outra ocasião a possibilidade de me reunir com toda a minha família para compartilharmos boa comida e boa música, me deixaria pulando de alegria. Agora eu só quero me esconder embaixo da cama.
—Talvez eu esteja doente nesse dia, na verdade eu tenho me sentido meio febril ultimamente, acho que estou começando a ficar gripada. — digo em tom neutro, colocando a mão sobre a testa para enfatizar o fato, mesmo que ela não possa me ver — Seria uma pena que eu perdesse a festa, mas não posso garantir que irei.
— Você pode tentar evitá-lo, mas a cidade não é tão grande e talvez você o encontre da pior maneira.
—Atlanta é imensa e o que seria pior, do que encontrar o seu ex-namorado em uma festa da família e ter que manter um sorriso feliz?
— Não consigo pensar em nada agora, mas sempre pode piorar, acredite em mim.
— Quanto tempo você acha que ele vai ficar aqui? — pergunto, puxando o meu edredom e me cobrindo ou me escondendo — Talvez seja apenas esse fim de semana.
Sam fica quieta novamente e outra vez eu sei que seu silêncio não é o prenúncio de boas novas. Por que as pessoas não pensam duas vezes quando vão nos contar algo bom, apenas as más notícias merecem esse suspense.
— Diga logo, Sam. Eu aguento e já tenho até mesmo dois potes de sorvete com chocolate extra para afogar as minhas mágoas. — falo ao me lembrar do sorvete que ficou derretendo sobre a mesa.
— O Nick está aqui com a noiva, Sarah, eles vieram para que ela conheça os pais dele. Segundo o Tito me contou, o casamento é daqui a dois meses. — ela diz da forma mais rápida, como quem tira um curativo — Acho que ficarão por alguns dias ou mais.
— Tudo bem, já se passaram quase dois anos Sam, nós sabíamos que isso aconteceria um dia. Ele seguiu em frente. — falo com calma, ignorando a pontada que isso causa ao meu coração.
— Seguiu sim e você precisa fazer o mesmo, precisa seguir em frente.
— Eu tenho feito isso há muito tempo.
— Não se você não se permite amar outra vez, uma hora ou outra você precisa sair da caixa, Sarah. — ela diz com seriedade, mas com a voz repleta de doçura — Você ainda tem um caminho imenso a trilhar e alguém muito especial irá te encontrar.
— Não sei por que isso me fez rir... — digo com um sorriso imenso, mas sentindo meus olhos arderem com lágrimas não derramadas — Algumas coisas levam tempo e eu preciso do meu tempo para me sentir preparada... Estou quase lá.
— Ele é um idiota, você sabe disso, não sabe?
— Sim, eu sei.
— Não pense nele como alguém especial, mas sim como um completo imbecil. — ela diz com uma risada — Eu gostava dele também.
— Eu o amava loucamente, tem uma grande diferença. — eu admito, me sentindo feliz ao usar o verbo "amor" no passado — Como ela é?
— Você não deveria me perguntar isso, mas vou dizer que ela é muito feia e tem uma grande verruga no nariz.
— Não precisa mentir para mim, Sam. — eu sussurro, sem saber ao certo por que esse detalhe me interessa.
— Ela é linda, eles formam um casal perfeito e eu espero que chova granito no casamento deles.
— Nós duas sabemos que será o dia mais lindo do ano. — dou risada, sentindo as primeiras lágrimas escorrem pelo meu rosto — Acabou, Sam. Eu não posso mais me enganar, fingindo que ele vai voltar para mim, que ele vai finalmente acordar e perceber que eu faço falta, que eu sou o amor da sua vida... Esse é o último suspiro, a última batida do coração, antes que eu diga: Acabou.
— Eu sinto muito, Sarah. — ela diz com voz chorosa também.
— Eu também sinto, mas vai passar.
Durante os minutos seguintes eu apenas choro copiosamente. Sam apenas ouve calada como se mesmo a distancia a sua presença me confortasse. Sempre foi assim entre nós... Ajudamo-nos mutuamente com corações partidos e maquiagem borradas, saltos quebrados ou aquele vestido lindo que se rasga quando não deveria.
Ela é a irmã que eu não tive, uma grande parte da minha alma e coração que mora em outra pessoa. Talvez tenha sido graças a ela que eu não desabei simplesmente, quando tudo aconteceu. Algumas pessoas são incapazes de perceber que um coração magoado pode arder com uma ferida sangrenta. Ser esquecida por quem se ama, deixada para trás quando toda a sua alma e cada partícula do seu corpo pulsa por esse amor; dói fisicamente... Mas eu sei que essa é a última vez que eu sinto essa dor, assim como as lágrimas que molham o meu travesseiro secarão, o meu coração não parará de bater e nem de amar.
— Eu posso dormir com você hoje. — ela oferece, quando paro de chorar e a minha respiração fica mais controlada.
— Não precisa, eu ficarei bem, Sam. — afirmo com a voz rouca do choro — Além do mais, eu quero dormir sem acordar no meio da noite, depois de você me dar um soco no rosto.
— Eu estava tendo um pesadelo, um cara louco está me perseguindo e eu precisava me defender. — ela conta entre risos.
— Até mesmo os seus sonhos e pesadelos são malucos.
— Eu sou louca de uma forma absolutamente apaixonante.
— É verdade... Eu te amo muito.
— Eu te amo também e estou aqui se precisar. — ela diz com um sorriso em sua voz, me fazendo sorrir também antes de desligar.
Fico deitada outra vez, olhando para o teto monotonamente branco como a minha vida. Aperto o celular entre os meus dedos, antes de fechar os olhos. Faz muito tempo em que não penso no Nick, não penso no que fomos; no que poderíamos ter sido. A maioria das vezes é muito mais simples fingir que eu o esqueci.
Saio da cama, deixando o meu celular jogado sobre ela e corro até o armário que fica no meu corredor. Abro bruscamente a porta de madeira e fico na ponta dos pés para alcançar a grande caixa na última prateleira. Essa simples caixa de papelão, cheia de fotos, cartões, bilhetes e até mesmo embalagens de bombons — sim, eu sou uma grande tola — foi durante todos esses meses; um tesouro para mim. Eu sabia que no momento em que conseguisse jogar tudo fora, seria o momento em que eu deixaria o passado ir. E embora doa terrivelmente me desprender de algo tão simbólico, eu corro até a porta de entrada com a caixa em meus braços.
Mal me importando com o fato de que após chorar tanto, eu devo estar parecendo uma doida e posso assustar o casal de idosos que mora na casa ao lado. Abro a porta e saio para o meu quintal, indo em direção a pequena churrasqueira de metal que meu pai colocou no gramado. Eu não faço ideia de como acendê-la, mas jogo todo o conteúdo da caixa, dentro dela. Corro com a mesma rapidez de antes para a minha casa outra vez e com a porta da sala escancarada, eu vou até a cozinha. Graças a Deus por ser uma pessoa organizada, pois eu sei exatamente onde tudo o que eu quero está. Fósforo e álcool.
Sim, é uma linda noite para uma fogueira... Jogo toda a garrafa de álcool sobre os papéis, acendendo o fósforo rapidamente. O fogo se alastra com facilidade, as chamas queimam e destroem centenas de lembranças em segundos. Tão facilmente se tornam cinzas que podem ser sopradas ao vento. Por que não é tão fácil assim queimar o que está dentro de mim?
Eu volto para a casa com a caixa vazia pendendo dos meus dedos e passos calmos. Fecho a porta e volto para o quarto, me enfio embaixo do meu edredom macio outra vez e fecho os olhos, desejando apenas que eu possa dormir até a próxima segunda. Meu celular vibra insistentemente ao meu lado e por um momento eu cogito apenas deixá-lo escondido sob o travesseiro. Mas vencida pelo seu barulho irritante, eu o seguro, olhando com curiosidade para o número desconhecido na tela.
— Alô. — eu digo lentamente, fazendo a palavra tão pequena soar por longos segundos.
— Sarah? — uma voz masculina soa do outro lado. Eu já ouvi essa voz antes, apenas não me lembro onde foi.
— Sim, é ela. — eu digo com muita cautela, voltando a olhar para a tela, como se magicamente o nome da pessoa tivesse aparecido — Quem é?
Ele fica mudo por um tempo e chego a pensar que desligou. Então volto a ouvir apenas a sua respiração calma. Parece um pouco assustador que alguém misterioso te ligue no início da noite e fique quieto por tanto tempo. Mas depois do telefonema de Sam, acho que nenhuma notícia seria tão ruim.
— Então, você tem um nome e um motivo para me ligar? — eu insisto, me sentindo muito mais interessada agora com a sua indecisão.
— Adam, aqui é o Adam.
— O tio da Chloe? — eu pergunto surpresa, me sentando em seguida.
— Você se lembra? — ele pergunta com um sorriso na voz.
— Você é o único Adam que eu conheço. — e o único homem para quem eu olhei duas vezes depois de tanto tempo — Aconteceu alguma coisa com a Chloe?
— Não, a Chloe está perfeita.
— Como você conseguiu o meu número? — eu pergunto, mordendo o lábio para não sorrir.
— É uma longa história. — ele diz rindo — Você tem tempo?
— Mesmo que eu não tivesse, a minha curiosidade seria maior, Adam... Mas eu diria que você ligou na hora certa.
Talvez ele nunca saiba o que essas palavras realmente significam para mim.
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