12 - Doctor Who?
No domingo pela manhã, levanto depois das 10h. Brian e eu passamos a madrugada vendo televisão e ele acabou dormindo no sofá; parecia tão tranquilo e cansado que decidi não acordá-lo. Ontem na festa ele me contou que muitas vezes não conseguia dormir temendo acordar com o barulho das bombas, essa deve ter sido uma das poucas vezes que conseguiu dormir sem ter pesadelos com a guerra desde que entrou para o serviço militar.
O observo deitado no sofá, coberto pela manta cheia de desenhos de flores que minha mãe me deu quando eu ainda morava na casa dos meus pais. Sorrio. Vou sentir sua falta quando partir. Bom, se conseguir partir. Não sei mais a quem recorrer ou como ajudá-lo e por isso decido pesquisar na intenet mais um pouco sobre viagens no tempo. Deixo Brian sozinho na sala e vou para a cozinha, sento à mesa e levanto a tampa do computador na minha frente. Pesquiso por pessoas que afirmaram ter viajado no tempo, mas nada parece real, nenhuma dessas história é tão concreta como a de Brian e nenhum deles viajou da mesma forma que ele.
- Como você vai pra casa, Brian? - sussurro enquanto afundo o rosto em minhas mãos.
Continuo procurando por qualquer coisa que possa ser útil e encontro artigos interessantes sobre portais e fendas no tempo. Mas onde pode ter um portal que leve alguém de volta para 1942 em Chicago? São tantas perguntas e nenhuma resposta.
Estou prestes a ler outro artigo quando alguém bate na porta e eu corro para atender antes que Brian acorde. Ninguém merece ser acordado quando se consegue pegar no sono depois de um tempo lidando com insônia.
- Hanna? O que faz aqui? - saio para o corredor e fecho a porta atrás de mim.
- Vim trazer seu carro. De nada. - sorri e me entrega a chave.
- Ah, valeu.
- Vamos entrar. Tenho que te contar o que aconteceu depois que o Alex viu você com aquele gato do Brian! - ela tentar tocar a maçaneta, mas bloqueio a passagem.
- É melhor conversarmos depois. - me mantenho na frente da porta.
- Por quê? Tem algo lá dentro que não quer que eu veja? - fala desconfiada. - Você passou a noite com ele! - aponta. - Ele tá peladão lá dentro!
- Tá maluca? Não é isso. - digo e ela desanima. - Sim, o Brian está lá dentro, dormindo, mas é só isso.
- Vocês não...? - Hanna mexe as sobrancelhas.
- Não!
- Nenhum um pouquinho?
- Não, Hanna. Não aconteceu nada. - me encosto no batente da porta. - Nós ficamos vendo TV e ele apagou no sofá. Brian passou por uns problemas no passado e por isso tem dificuldades pra dormir. - dou de ombros. - Vi que ele estava dormindo tranquilo e não quis acordá-lo.
- Hum. - Hanna parece não ter engolido a história e abro a porta.
Ela põe metade do corpo para dentro e vê Brian dormindo pesadamente no sofá, usando ainda a mesma roupa da festa, mas sem o paletó e os sapatos.
- Tá, acredito. - segura a bolsa no ombro.
Fecho a porta e então me arrisco a perguntar algo para minha amiga. Sei que é melhor evitar o assunto sobre quem Brian realmente é e de onde veio, mas se não falar sobre isso com alguém, vou acabar ficando maluca.
Isso se eu já não estiver completamente louca.
- Hanna - troco o peso de uma perna para outra. - , se alguém te falasse que é possível viajar no tempo, você acreditaria?
Ela pensa por um instante e diz:
- Não sei... mas agora que você falou, lembra daquele cara esquisitão que eu namorei há uns anos? - ri. - Todo mundo chamava ele de Ted doido. O cara era pirado, vivia falando que tinha encontrado uma fenda no tempo...
- Fenda no tempo? - a interrompo lembrando do que li na internet. - Ele achou mesmo uma?
- Sei lá, eu terminei com ele antes que me contagiasse com toda aquela parafernália de nerd. - Hanna faz uma careta. - Mas por que está perguntando isso?
- Por nada, é bobagem. - tento conter minha curiosidade. Se Ted conseguiu encontrar uma fenda no tempo, talvez seja possível mandar Brian de volta. - É para um trabalho das crianças da escola. - minto.
- Ensinam sobre viagem no tempo hoje em dia nas escolas? Caramba...
- Pois é, né? - abro a porta para entrar. - preciso fazer uma coisas agora, obrigada por trazer o carro. - balanço a chave que está em minha mão. - Escuta; eu vou te ligar. Provavelmente ainda hoje.
- Tá legal, então. - ela tem um olhar de dúvida. - Você tá bem mesmo?
- Tô ótima. - começo a fechar a porta. - Eu te ligo. Te amo.
Fecho a porta e vejo que Brian acabou de acordar. Ele está dobrando a manta e a deixando sobre o sofá.
- Bom dia. - sorri. - Desculpa ter dormido no seu sofá.
- Sem problemas. Você falou que não costumava dormir bem, ontem finalmente conseguiu.
- É. Não tenho uma boa noite de sono desde quando cheguei em 2022. - ele retorna ao dia em que nos vimos pela primeira vez, na escola. - Naquele dia meu corpo estava estranho e sonolento o tempo todo.
- Verdade. Você cochilava em qualquer lugar que encostasse a cabeça. - rio ao lembrar de Brian cochilando no banco do pátio em frente à escola e no carro enquanto eu o trazia para casa. - Enfim, tenho uma novidade que acho que vai te animar. - mudo de assunto. - Vou fazer um café e aí te conto tudo.
- Tudo bem. - ele assente e me acompanha até a cozinha.
Finalmente Brian vai ouvir alguma teoria que possa lhe dar esperanças de voltar para 1942. Porém, é estranho pensar que mandá-lo de volta pode mesmo acontecer ainda que não tenhamos encontrado o relógio.
Eu estava começando a me acostumar com a ideia de tê-lo sempre por perto.
Brian
Katie e eu estamos sentados à mesa da cozinha. Ela toma um gole de café e repousa a xícara sobre a mesa antes de começar a falar:
- Brian, você quer mesmo voltar para 1942, não é?
- Quero. - digo. - Por mais que eu esteja amando tudo isso, o futuro, os televisores, as pessoas que conheci. - sorrio para ela. - Apesar de gostar dessa vida ainda preciso fazer muitas coisas em 1942. - admito, mas estou triste com isso. Gosto de viver aqui; com todas essas coisas novas e por incrível que pareça, no futuro sinto que tenho uma vida normal. - Prometi para minha família que voltaria depois da guerra, prometi ao meu amigo Eric que entregaria para sua esposa algo que ele me deu antes de morrer...
Katie afirma com a cabeça.
- Sabe que sempre teria com quem contar se escolhesse ficar, não é? - ela entrelaça os dedos sobre a mesa.
- Sei. - cubro suas mãos com a minha e acaricio sua pele com o polegar. - Eu me adaptei melhor aqui do que em qualquer outro lugar que já estive.
- É estranho pensar que quando você for e estiver lá... já vai estar morto em 2022. - diz confusa. - Isso é loucura.
Ela leva as mãos para longe da minha e se encosta contra a cadeira.
- Enfim - solta a respiração. - , eu pesquisei um pouco sobre como viajar no tempo e encontrei algo sobre fendas temporais... a teoria diz que através delas é possível ir e vir entre o passado e o futuro.
- Onde existem essas fendas? - coloco os cotovelos sobre a mesa.
- Esse é o problema. - me fita. - Mas talvez alguém possa nos ajudar com isso.
- Quem? - a notícia me alegra um pouco, essa pode ser uma forma de voltar para casa, porém também me entristece pelo mesmo motivo. Estou dividido.
- É um cara que a Hanna namorou. Ele era meio nerd, fã de Star Wars e Doctor Who.
- Doctor Who? Que tipo de doutor é esse? - pergunto e ela ri.
- É uma série de televisão sobre viagem no tempo e alienígenas. - esclarece. - Então, a Hanna me disse que ele sempre falava sobre fendas temporais e até mesmo contou que tinha encontrado uma. - Katie sorri tristonha. - Se for verdade, existe uma chance de você voltar.
Tamborilo os dedos sobre a mesa e penso sobre o assunto. Até agora essa tem sido a única teoria que pode mesmo me levar para 1942.
- Quando podemos falar com essa pessoa?
- Acho que primeiro precisamos ser sinceros com Hanna - aperta os lábios. - e contar tudo a ela.
- E se ela não acreditar em nós?
Katie fecha os olhos e joga a cabeça para trás, depois volta a me encarar e diz:
- Ela vai ter que acreditar. Vamos fazê-la acreditar. - afirma.
- Está bem. - sorrio em agradecimento. - Obrigado, Katie. De verdade.
- Não foi nada. - sem jeito, ela desvia o olhar. - Agora chega disso. - levanta. - Não quero despedidas chorosas quando você for embora, tenente. - solta um riso.
- Certo. - ergo as mãos na frente do corpo. - Sem despedidas chorosas.
Vou sentir falta de Katie quando partir de volta para 1942, mas vou sentir mais falta ainda do que poderia ter acontecido se eu não fosse embora ou se fosse alguém desta época, que não estivesse há anos de distância no espaço e no tempo.
***
Mais tarde, vamos até a casa de Hanna. Apesar da bagunça causada pela festa na noite anterior ainda deixar restros pelos cantos, o local fica bem diferente durante o dia e sem todas aquelas pessoas. Nós a encontramos na sala, vendo televisão, mais especificamente um esporte em que dois homens lutam usando... fantasias?
- Acaba com ele, Rey Mysterio! - ela levanta do sofá de repente. - Isso aí! - soca o ar.
O lutador na televisão joga o outro quase em cima do público que vai a loucura. Faço uma careta, isso deve ter doído.
- Ah, vocês chegaram. - ela desliga o televisor. - O que tanto queriam me contar? Estou ansiosa. - volta para o sofá e vamos para o seu lado.
- É... - Katie escorrega os dedos pelos cabelos. - Não quero fazer rodeios, mas por onde posso começar?
- Acho que eu devo começar. - digo. - Hanna - encaro a amiga de Katie. - , nós, eu preciso da sua ajuda.
- Ah, meu Deus, você está devendo dinheiro? - uma ruga se forma entre suas sobrancelhas. - Não está devendo aos tráficantes de Chicago, está? Eles são péssimos...
- Não tem nada a ver com dinheiro, Hanna. - Katie a corta. - Brian não é daqui e ele precisa voltar para o lugar dele... em outro tempo.
- Do que vocês estão falando? - Hanna tenta entender.
- Eu não perteço a 2022, Hanna. - falo de uma vez. - Vim acidentalmente de 1942 com a ajuda de um experimento do governo.
Hanna nos olha com o rosto inerte e fica de pé. Ela anda um pouco pela sala e diz:
- Isso é uma pegadinha daqueles programas de televisão! - bate palmas. - Eu descobri tudo, Jimmy Fallon. Pode sair de onde estiver escondido! - Hanna corre pelo cômodo da casa e começa a olhar atrás das cortinas.
- Hanna, isso é sério! - Katie levanta. - Não é pegadinha. - pega o celular na bolsa e mostra para sua amiga a matéria de jornal sobre o meu desaparecimento. - Olha essa notícia, foi publicada em 1943, um ano depois que Brian conseguiu usar a máquina do tempo. A matéria diz que ele nunca foi encontrado, ou seja, ele ficou preso aqui; no futuro.
- Caramba... - Hanna lê a página. - É você aqui nessa foto! - olha para mim e aponta para a tela. - Isso não é edição mesmo?
- Por que a gente faria algo assim? - vou até ela e seguro em seus ombros. - Não estamos mentindo, Hanna. Sou do serviço militar dos Estados Unidos, estava servindo durante a segunda guerra quando encontrei um relógio esquisito que me trouxe a 2022. - falo e ela continua me encarando com os olhos arregalados. - Não cosegui encontrar o relógio e agora estou preso aqui.
- Ele precisa voltar, Hanna. - Katie suplica. - A vida toda dele está lá.
- Tudo bem, tudo bem. - Hanna respira com dificuldade. - Então você veio dos anos 40 direto para 2022 por meio de um relógio criado pelo governo?
- Sim.
- E agora você precisa voltar para o passado?
- Sim.
- E por que está pedindo a minha ajuda? Eu não tenho uma máquina do tempo. - ri com nervosismo.
- Você não tem uma máquina do tempo, mas conhece alguém que entende do assunto. - Katie ergue uma das sombrancelhas.
- Não! - nega com o indicador. - Não, não e não!
- Por favor, Hanna. - Katie juntas as mãos na frente do rosto como se estivesse rezando. - Liga pra ele, vai. Ele pode ajudar.
- Não mesmo! - Hanna põe as mãos na cintura. - Sabe o que vai acontecer se eu ligar pra aquele maluco? Ele vai achar que quero voltar e vai ficar uns seis meses no meu pé como quando a gente terminou. - olha para o lado. - Por isso não vou ligar.
- Por favor. - peço com sinceridade. - Não faça por mim, mas sim pela Katie.
Hanna lança um olhar furioso para sua amiga e depois se volta para mim.
- Tá! - bufa. - Vou falar com ele.
Ela pega o celular na mesa de centro da sala e disca um número na tela.
- Sabe o número dele decorado? - Katie pergunta com um sorriso.
- Cala a boca. - aproxima o telefone da orelha. - Está chamando.
- Coloca no viva-voz. - Katie diz e sua amiga deixa o celular sobre a mesa de centro.
- O que é viva-voz? - quero saber, mas então logo descubro quando a pessoa do outro lado da linha atende o telefone em alto e bom som.
- Oi, xuxu. Sabia que você ainda ia me ligar.
- Credo, Ted! - Hanna revira os olhos. - Não estou ligando pelo que você está pensando. Preciso de um favor. Na verdade, é para um amigo da Katie. Você lembra dela, não é?
- Sim, claro. - ele responde. - Mas que tipo de favor?
- Então, sabe quando você estava estudando aquelas paradas de viagem no tempo e fendas temporais, portais...? - Hanna enrola uma mecha do cabelo com o dedo.
- Sei. Na verdade, ainda estudo sobre tudo isso. Estou escrevendo um livro...
- Tá, tanto faz. - a loira o interrompe. - Escuta; uma vez você falou que havia encontrado uma fenda temporal. Era verdade?
- Ah, era sim... quero dizer, é meio complicado de explicar. Eu nunca testei para saber se realmente funcionava, mas ao que tudo indica, é possível que funcione. - diz. - Por que está tão interessada nesse assunto? Você detesta esse tipo de coisa. Foi por isso que terminamos, lembra? - dá uma risada.
- Eu sei, mas não sou eu quem está interessada nisso, é o amigo da Katie. - pega o telefone na mesa. - Ele precisa encontrar essa fenda, Ted.
- Nossa! - ele suspira. - Nunca encontrei outra pessoa que quisesse achar uma fenda temporal.
- Ele precisa mesmo. É sério.
- Tá legal. - o rapaz no telefone faz uma pausa. - Vocês podem vir me encontrar no meu laboratório hoje à noite?
- Ele tem um laboratório? - cruzo os braços.
- Laboratório nada. - Hanna abana a mão na frente do rosto. - É só o porão da casa dos pais dele.
- Ei! - Ted protesta do outro lado da linha. - Está equipado como um laboratório de verdade!
- Ótimo, Ted. - Katie diz. - A gente se vê hoje a noite. Obrigada.
- Vou esperar por vocês. Até mais, meu xuxu... - Hanna desliga antes que ele continue.
- Está vendo o que eu faço por você? - se vira e fica cara a cara com Katie. - E por você também. - aponta para mim. - Preciso de uma bebida antes de ver o Ted Doido. - afunda no sofá.
Lanço um olhar para Katie e nós dois rimos. Hanna é engraçada, talvez um pouco estressada, mas é uma boa amiga. Pelo menos agora sei que não preciso me preocupar tanto. Katie sempre vai ter com quem contar quando eu não estiver mais aqui.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro