🎄CAPÍTULO ÚNICO🎄
Parado na entrada, segurando um dos meus cartazes como se fosse um bilhete dourado. Alto e magro, com a pele tão clara que parecia brilhar sob o sol fraco da manhã. Cabelos escuros, sedosos, caíam sobre os olhos emoldurando um rosto quase angelical. Seus lumes, profundos e escuros como a noite, refletiam uma coragem que parecia desproporcional à sua voz, que soava hesitante.
━ Oi, vi o anúncio... Será que ainda está contratando?
Por um instante, fiquei sem palavras. Era como se um anjo tivesse descido à minha porta. Mas, claro, rapidamente varri esse pensamento e voltei à minha habitual reserva. Não estava ali para admirar ninguém; precisava de um ajudante.
A primeira impressão foi ótima, admito. Chan-woo parecia ser exatamente o tipo de pessoa que eu precisava: jovem, talentoso e, acima de tudo, disposto. Mas, para alguém como eu, que sempre foi amante do silêncio e da solidão, conviver com ele parecia uma tarefa que exigiria mais paciência do que eu imaginava.
Naquele primeiro dia, não demorou para que a verdade sobre sua personalidade vibrante se revelasse. Assim que começamos a organizar os materiais para as primeiras peças, ele começou a falar. No início, era até agradável. Ele descreveu com detalhes como as tardes no Lar do Sol eram preenchidas por projetos artísticos improvisados - esculturas feitas de papelão, argila doada e até restos de madeira.
Eu esperava que ele se aquietasse após um ou dois minutos, mas isso não aconteceu.
Chan-woo parecia ter uma energia infinita para tagarelar. Ele contou sobre o dia em que quase incendiou a cozinha ao tentar assar biscoitos, sobre a irmã mais nova que ele "adotou" no Lar e que adorava pintar - mesmo que os desenhos dela fossem quase sempre rabiscos coloridos sem forma. Falou sobre seu sonho de um dia ter uma ceia de Natal de verdade, com uma mesa cheia de comidas que ele só tinha visto em comerciais de TV.
Não havia chegado nem à metade do dia, e minha cabeça já latejava. Não conseguia me concentrar no trabalho com tanto barulho, mas não tive coragem de mandá-lo calar a boca. Ele estava tão animado, e, no fundo, eu sabia que ele só queria compartilhar o que parecia ser uma vida cheia de esperança, apesar das dificuldades.
- Hyung, você já passou o Natal com muitas pessoas? - ele perguntou de repente, me arrancando dos meus pensamentos.
Parei de amassar a argila por um instante, olhando para ele. O que eu deveria dizer? Que meu Natal mais memorável foi o primeiro que passei sozinho, longe de toda a confusão e fingimento de felicidade?
- Não sou exatamente fã do Natal - respondi, mantendo o tom seco e curto.
Ele me olhou como se eu tivesse dito que Papai Noel era uma fraude.
- Como assim? Natal é incrível, Eun-sii! É uma época de união, de amor, de... - ele começou, mas eu levantei a mão para interrompê-lo.
- Chan-woo se você quer manter este emprego, talvez seja uma boa ideia focar mais no trabalho e menos em discursos natalinos - disse, tentando parecer firme, mas sem soar rude.
Ele corou um pouco, murmurando algo como "Desculpe", mas, claro, isso não durou muito. Minutos depois, lá estava ele novamente, falando sobre como adorava fogos de artifício na véspera de Natal, mesmo que só os visse da janela do orfanato.
Chan-woo era eficiente. Apesar de falar o tempo inteiro - literalmente, o tempo inteiro - ele conseguia trabalhar com uma agilidade que me surpreendia. Non primeiro dia as peças estavam mais adiantadas do que imaginava ser possível.
- Muito bem, Chan-woo. Acho que por hoje é o suficiente - disse, enquanto limpava as mãos sujas de argila.
Ele parou, parecendo um pouco nervoso. Não era a reação que eu esperava, considerando o entusiasmo que ele demonstrara o dia inteiro. Depois de alguns segundos de silêncio, ele perguntou, hesitante:
- Eun-jae hyung... Será que eu poderia receber pelo dia de hoje?
Ergui uma sobrancelha. Não era comum alguém pedir pagamento no mesmo dia, especialmente por um trabalho temporário, mas algo na forma como ele evitava meu olhar me deixou intrigado.
- Algum problema? - perguntei, cruzando os braços.
Chan-woo respirou fundo, como se estivesse reunindo coragem para dizer algo.
- Eu... Não tenho para onde ir esta noite.
Aquilo me pegou de surpresa.
- O que você quer dizer com isso? - indaguei, sem esconder minha perplexidade.
Ele olhou para o chão, mexendo nas pontas da camisa como uma criança prestes a confessar uma travessura.
- Eu saí do Lar do Sol há três dias. Já devia ter saído quando fiz 18, mas eles deixaram que eu ficasse um pouco mais porque não tinha para onde ir. Agora não dava mais. Não têm como manter alguém da minha idade lá.
Fiquei em silêncio, assimilando o que ele acabara de dizer. Chan-woo continuou, a voz baixa e cheia de uma vulnerabilidade que me desarmou.
- Desde que saí, tenho dormido em um abrigo, mas é pequeno, e enche rápido. A essa hora, provavelmente já está lotado.
Ele encarou-me finalmente, e vi em seus olhos uma mistura de vergonha e resignação.
- Só preciso do pagamento de hoje para... Sei lá, conseguir comer alguma coisa e, talvez, achar um lugar onde eu possa passar a noite.
Senti um aperto no peito que não sabia ser possível. Como alguém que tinha tão pouco podia exalar tanta felicidade? Como ele conseguia falar sobre esperança e sonhos quando mal tinha um teto para dormir?
Pensei na minha própria vida, confortável e solitária. Eu tinha mais do que precisava, mas ainda assim vivia preso a uma apatia constante.
- Espere aqui - disse, sem pensar muito.
Fui até a gaveta tirei uma quantia suficiente para que ele pudesse passar a noite em algum lugar decente e voltei. Quando entreguei o dinheiro, seus olhos se arregalaram, mas ele não recusou.
- Obrigado, Eun-jae hyung. Isso significa muito pra mim.
- Não me agradeça - resmunguei, tentando esconder o desconforto que sentia. - Apenas apareça amanhã no horário certo.
Ele sorriu, aquele sorriso que parecia capaz de iluminar o ambiente inteiro.
- Estarei aqui. Prometo.
E com isso saiu, deixando minha oficina estranhamente vazia.
Naquela noite, pela primeira vez em anos, me peguei questionando o que realmente significava o espírito natalino.
E, como prometido, lá estava ele na manhã seguinte. A mochila pendurada em um dos ombros, roupas claramente inadequadas para o frio intenso dos últimos dias, segurando um kimbap em uma mão e um copo de bubble tea na outra. Mesmo envolto no vento gelado que cortava a pele, parecia imune ao desconforto, com aquele sorriso radiante.
Enquanto ele mordia despreocupadamente o kimbap, eu o observava da porta da oficina. Meu café preto esfriava na caneca que segurava, lembrando-me do fato de que meu armário estava cheio de comida que eu raramente tocava. Era estranho como Chan-woo, com tão pouco, parecia viver mais intensamente do que eu.
- Bom dia, Eun-jae hyung! - saudou animado, mesmo com a boca parcialmente cheia.
- Bom dia - respondi, ainda lutando para me ajustar à energia contagiante dele.
Ele entrou sem cerimônia, tirando os sapatos na entrada com um movimento ágil, como se já estivesse acostumado com o espaço.
- Trouxe café da manhã - disse gesticulando com o bubble tea. - O hyung já tomou café?
- Tomei - respondi, mostrando minha caneca pela metade.
Chan-woo franziu a testa, examinando-me como se tentasse desvendar algum segredo oculto.
- Só café preto? Não é saudável começar o dia assim.
Dei de ombros. Era minha rotina há anos. O café preto era rápido, eficiente e o suficiente para mim. Pelo menos era o que eu dizia a mim mesmo.
- Você pensa demais - ele comentou de repente, apontando com o kimbap.
- O quê?
- Seus olhos. Dá para ver que o hyung está sempre pensando. E não no bom sentido - disse ele, sorrindo, antes de dar mais uma mordida no kimbap.
Fiquei sem palavras por um momento. Quem era esse garoto para analisar minha vida com tanta confiança? Ele tinha razão, claro, mas isso não significava que eu queria ouvir.
Chan-woo não esperou por uma resposta e começou a falar sobre as ideias que tinha para o dia. Ele queria experimentar algumas técnicas novas com as peças menores e até sugeriu adicionar detalhes pintados à mão que ele mesmo se ofereceu para fazer.
Olhei para seu sorriso, aquele sorriso perfeito que parecia carregar toda a luz que eu havia esquecido de procurar. Mesmo com a vida difícil que levava, mesmo enfrentando o frio com roupas inadequadas e sem saber onde dormiria na próxima semana, ele sorria.
Os dias passaram em um ritmo frenético, com as entregas se acumulando e a pressão aumentando. Mal tinha tempo para respirar entre uma encomenda e outra, e Chan estava sempre lá, ao meu lado, trabalhando incessantemente. Sua energia parecia inesgotável. Enquanto eu me afundava nas pilhas de trabalho, ele aparentemente navegava com uma leveza que não conseguia entender.
Na tarde de quinta-feira, dia sete, saí para atender alguns clientes. Chan, como sempre, ficou na oficina, absorto em seu trabalho. Quando voltei mais tarde, mal pude acreditar no que vi.
A oficina, que sempre fora um ambiente escuro, quase estéril, estava transformada. Um pequeno pinheiro, que havia esquecido em um canto junto com outras plantas, estava decorado com pequenas peças de cerâmica que tinham saído com defeitos. Luminárias de LED, que nem lembrava de ter, estavam espalhadas por todo o ambiente, iluminando o espaço com uma luz suave e acolhedora. A atmosfera sombria que costumava dominar o lugar dava lugar a uma sensação de calor e vida, uma centelha de espírito natalino se acendendo ali, no meio daquele caos de cerâmica e encomendas inacabadas.
Chan-woo estava no meio da oficina, sorrindo com uma energia contagiante, os olhos brilhando com a satisfação do que havia feito.
- Hyung, olha! Eu pensei que isso poderia ajudar a deixar o ambiente mais alegre! - ele disse, seus olhos fixos em mim, esperando por minha reação.
Fiquei parado por alguns segundos, minha mente tentando processar aquilo. Meu olhar fixou-se nas luzes e na tentativa de uma decoração alegre, mas meu único sentimento foi ira, o fato dele ter feito aquilo sem a minha permissão.
- O que você está fazendo? - minha voz saiu mais áspera do que pretendia. - O que é isso? - perguntei ríspido. Eu não conseguia esconder a raiva que subia do fundo do meu peito.
Ele recuou ligeiramente, surpreso com meu tom. Não costumava ser grosso com ele. Chan parou de mexer nas decorações e me olhou, o sorriso que sempre carregava no rosto estava um pouco... murcho, mas ele ainda tentava manter a empolgação.
- Eu... Eu só queria deixar a oficina mais alegre para o Natal. Achei que poderia ajudar, já que você não parecia se importar...
Ele estava nervoso, deu para sentir. Mas, sinceramente, minha paciência estava no limite. Eu odiava o Natal, não suportava todo esse sentimentalismo, e menos ainda que alguém tentasse impor essa "alegria" em cima de mim.
- Não precisamos disso! - gritei, cortando suas palavras. - O que a decoração tem a ver com o trabalho, Chan-woo? Aqui não é lugar para isso!
- Eu... eu só pensei que poderia deixar o lugar mais... bonito - ele murmurou, a empolgação de antes desaparecendo, substituída por um olhar de confusão e tristeza.
- Vá embora. Volte amanhã para cumprir o seu trabalho, mas tire tudo isso daqui. Agora.
Pude ver a expressão dele se transformar. Chan olhou para o chão, como se estivesse tentando não chorar. Fui cruel, eu sei. Mas naquele momento, parecia que só estava tentando restabelecer a ordem, a racionalidade, e afastar o que me incomodava. Ele não disse mais nada. Não reagiu, nem tentou argumentar. Apenas saiu apressado, sem olhar para trás.
Voltei meu olhar para a oficina, começando a remover as decorações que ele tinha feito. O pinheiro de Natal caido ao lado da mesa, e a sensação de raiva e frustração continuava comigo. Fui desligando as luzes, com os dedos tremendo, sentindo o peso da decisão que acabara de tomar. Mas de repente, um som de chuva batendo nas janelas me fez parar.
Foi então que olhei para baixo, para o canto onde ele deixava a mochila. Confuso, me aproximei do balcão e, ao olhar para o chão, percebi algo que me fez gelar por dentro. Chan-woo tinha saído... sem nada.
Ele havia ido embora sem a mochila, sem qualquer coisa além da roupa do corpo. Ele havia saído correndo, chorando, sem se preocupar com seus pertences, sem nada. Apenas fugido. E eu... eu não percebi.
O som da chuva aumentou, e algo apertou meu coração. A dor no meu peito ficou insuportável, como se o ar tivesse sido comprimido de dentro para fora. Ele não tinha saído com pressa. Ele havia saído porque eu o expulsei sem pensar.
De repente, uma memória distante me atingiu como um soco no estômago. Tinha apenas 18 anos quando meus pais me expulsaram de casa. Eles não quiseram me ver depois que me assumi gay. Eu só tinha as roupas que estava usando e nada mais. Sem explicação, sem uma palavra de apoio, apenas uma porta fechada e um silêncio absoluto.
Foi isso que fiz com Chan-woo. O deixei sozinho, sem recursos, sem sequer saber onde ele iria dormir, apenas mandando-o embora sem perceber o quanto ele estava só. O tratei como se fosse um qualquer, algo descartável.
Olhei para a mochila abandonada no canto. Era a única coisa que tinha e deixara para trás. Estava sem nada. Sem o mínimo de dignidade que qualquer pessoa deveria ter.
A chuva continuava a cair, e a dor em meu peito aumentava a cada segundo. Sabia o que tinha que fazer, mas o medo de encontrá-lo me impediu de agir imediatamente. No fundo, sabia que não podia simplesmente deixar isso passar. Não podia ser como os meus pais.
Me virei rapidamente e corri em direção à porta. Precisava consertar isso, antes que fosse tarde demais.
A chuva não dava trégua, ensopando a cidade como se quisesse limpar tudo que estivesse em seu caminho, incluindo minha própria culpa. Dirigia sem rumo por Gwangjin-gu, os limpadores do para-brisa lutando inutilmente contra as gotas incessantes que obscureciam minha visão. Meu coração martelava, e a culpa me corroía a cada segundo que passava. Como pude ser tão cego?
Não sabia onde procurar, mas algo me dizia que ele estaria perto de algum lugar calmo, talvez isolado. Chan-woo escondia sua dor por trás daquele sorriso brilhante, mas agora ele estava vulnerável, sozinho, e provavelmente sem esperança.
Depois de percorrer várias ruas e vielas, virei em direção ao Rio Han, uma tentativa desesperada de encontrá-lo. À distância, através do borrão da chuva, vi uma silhueta familiar. Ele estava ajoelhado, encharcado até os ossos, com os ombros tremendo - não sabia se de frio ou de choro.
Meu coração apertou. Pisei no freio com força, estacionando de qualquer jeito, e corri até ele sem pensar duas vezes. Cada passo na chuva parecia interminável, mas a visão de Chan-woo tornou-se mais clara. Ele estava ali, com o olhar fixo no rio, como se estivesse buscando respostas em meio às águas turvas.
- Chan-woo! - gritei, minha voz quase sendo engolida pela tempestade.
Ele se virou abruptamente, seus olhos arregalados de susto. Por um momento, ele pareceu congelado, como se não acreditasse que eu estava ali. Quando me aproximei mais, vi que lágrimas misturavam-se à chuva em seu rosto.
- O que está fazendo aqui? - perguntei, minha voz vacilando entre alívio e culpa.
Chan tentou se levantar, mas suas pernas fraquejaram, e ele caiu de volta ao chão, como se o peso de tudo o estivesse esmagando. Eu me ajoelhei ao lado dele, ignorando o frio e a chuva que encharcavam minhas roupas.
- O que você quer, hyung? - ele perguntou, sua voz embargada de dor. - Já não me mandou embora?
Aquelas palavras me atingiram como um golpe no estômago. Eu o fiz sentir-se descartável, como se ele não fosse digno de estar ao meu lado.
- Eu vim... pedir desculpas, Chan. - Minha voz estava trêmula. - Eu fui um idiota. Um completo idiota.
Ele abaixou o olhar, mordendo os lábios, tentando conter os soluços, mas falhando miseravelmente.
- Você não entende... - ele começou, sua voz quebrada. - Eu não tenho para onde ir, hyung. Não tenho nada...
Meu peito apertou ao ouvi-lo. Eu sabia que ele estava falando a verdade, mas ouvir aquelas palavras em sua voz carregada de desespero fez algo dentro de mim desmoronar.
- Você tem, sim - respondi, minha voz firme, mesmo que por dentro eu estivesse desmoronando.
Ele ergueu o olhar, os olhos marejados e brilhando de incredulidade.
- Onde? Onde, hyung? Me diga... porque eu não sei mais...
- Comigo - disse, minha voz saindo como um sussurro, quase engolida pelo barulho da chuva. - Você tem um lar comigo, Chan-woo. Eu fui um idiota por não ver isso antes, mas... você tem um lugar comigo.
Ele começou a chorar ainda mais, os soluços sacudindo seu corpo. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, o vi cambalear. Estendi os braços para segurá-lo, mas seu corpo cedeu antes que eu pudesse reagir.
- Chan! - gritei, segurando-o antes que ele caísse completamente.
Ele desmaiou nos meus braços, o peso do seu corpo mole trazendo à tona uma onda de pânico. Ele estava exausto, frio, provavelmente em choque por tudo o que aconteceu.
- Fique comigo, por favor... - murmurei, segurando-o firme enquanto a chuva continuava a nos envolver.
O momento era dolorosamente familiar. Cinco anos atrás, eu também estava sozinho na chuva, expulso de casa com nada além das roupas do corpo. A diferença era que, naquele dia, não havia ninguém para me segurar. Eu sabia como era a sensação de estar perdido, sem esperança, e não podia permitir que Chan-woo passasse por isso sozinho.
Levantei-me com dificuldade, carregando-o até o carro. Ele estava tão leve, como se o peso de sua dor tivesse consumido toda sua força. Coloquei-o cuidadosamente no banco do passageiro, ajustando o cinto de segurança, e fui para o lado do motorista.
Enquanto dirigia de volta, com as mãos trêmulas no volante, o olhei por um momento. Seu rosto estava tranquilo, mas ainda existia traços das lágrimas que ele havia derramado. Eu não sabia como compensá-lo, mas sabia que faria qualquer coisa para garantir que ele nunca mais se sentisse tão sozinho.
A chuva continuava a bater contra as janelas enquanto eu carregava Chan-woo para dentro de casa, seus braços pendendo inertes ao lado do corpo, completamente encharcado, suas roupas coladas à pele, e um tremor leve percorria todo o seu torso. Coloquei-o no sofá, mas bastou um toque em sua testa para perceber que ele estava ardendo em febre.
Suspirei, minha mente preenchida por uma mistura de preocupação e culpa. Não podia deixá-lo naquele estado. Subi rapidamente as escadas até o banheiro e peguei toalhas limpas, uma bacia com água morna e algumas roupas minhas que, apesar de não serem da mesma estatura, serviriam temporariamente.
Voltei para a sala e me ajoelhei ao lado dele, observando seu rosto. Mesmo febril, seus traços eram delicados, quase angelicais, uma beleza que contrastava com a dor que ele carregava. Hesitei por um momento antes de começar a remover suas roupas molhadas. Me sentia invadindo algo muito pessoal, mas sabia que era necessário.
Enquanto trocava sua camiseta ensopada por uma das minhas, percebi como ele era magro. Seu peito subia e descia rapidamente, o esforço para respirar denunciando o quanto ele estava fragilizado. Peguei uma toalha e comecei a secar seus cabelos úmidos com cuidado, sentindo o calor excessivo que emanava dele.
Fiz uma compressa com a água morna e a pressionei levemente contra sua testa. Ele murmurou algo inaudível, suas sobrancelhas franzidas em um delírio febril. Quando terminei de ajeitá-lo, me levantei para ir até a cozinha, mas senti algo prender meu movimento.
Olhei para baixo e vi sua mão segurando meu pulso com força surpreendente, apesar de sua condição. Seus olhos semiabertos me encararam, nublados pela febre, e ele sussurrou:
- Não... me deixe, por favor...
Aquelas palavras rasgaram meu peito. Me ajoelhei novamente ao lado dele, sentindo o aperto de sua mão, e sussurrei:
- Eu não vou te deixar, Chan. Estou aqui.
Ele relaxou um pouco, mas não soltou meu pulso. Toquei sua testa suavemente com os lábios, como um gesto de conforto, e murmurei:
- Eu prometo.
O observei por alguns segundos enquanto ele voltava a fechar os olhos, os traços do rosto relaxando levemente. Era impossível ignorar como Chan-woo parecia tão vulnerável e, ao mesmo tempo, tão forte. Eu nunca tinha reparado antes com tanta atenção o quanto ele era lindo, ou talvez só estivesse me permitindo ver isso naquele momento.
Havia algo nele que me atraía, uma mistura de luz e coragem que iluminava qualquer espaço que ele ocupava. E eu sabia que não era só a febre que o fazia brilhar para mim naquele momento.
Respirei fundo, tentando controlar o turbilhão de emoções dentro de mim. Levantei-me com cuidado, soltando seu pulso lentamente, e fui até a cozinha preparar algo quente para ele. Mas, pela primeira vez em muito tempo, sentia que o vazio que carregava dentro de mim começava a ser preenchido.
O barulho da chuva do lado de fora havia diminuído, mas o peso da culpa ainda pairava sobre mim. Não era só um pedido de desculpas que ele precisava. Ele precisava de alguém que o enxergasse, que estivesse ao lado dele, e eu tinha falhado. Mas agora, eu faria diferente.
Ficaria ao lado dele. Porque, pela primeira vez, percebi que Chan era alguém que, mesmo com tão pouco, trouxe cor e vida para meu mundo sombrio. E eu não podia perdê-lo.
O sol da manhã entrava tímido pelas frestas das cortinas, iluminando o ambiente de forma suave. Acordei com o toque delicado de dedos em minha face. Meus olhos, ainda pesados de sono, se abriram lentamente para encontrar os orbes negros e brilhantes de Chan-woo me observando atentamente.
- Bom dia, Eun-sii. - ele cumprimentou, a voz rouca, antes de espirrar, o que arrancou de mim um sorriso involuntário.
Levantei a cabeça, percebendo que havia adormecido ali no chão, com a cabeça apoiada no sofá. Minha mão ainda segurava firme a dele, como se, mesmo dormindo, meu subconsciente quisesse garantir que ele não fosse a lugar algum.
- Acordou há muito tempo? Sente-se melhor? Está com fome? - perguntei apressado, levantando-me de maneira desajeitada, enquanto sentia o corpo reclamar da posição inadequada. - Espere aqui, vou fazer seu café.
Mas antes que eu pudesse me afastar, senti sua mão segurar a minha com firmeza surpreendente.
- Estou bem, hyung. - ele disse, com um sorriso gentil, os olhos ainda cansados, mas calorosos. - Tenha calma e... obrigado!
Houve algo em sua expressão e no tom de sua voz que me fez congelar por um momento. Ele estava agradecendo, mas eu sabia que não era só por tê-lo trazido para dentro de casa. Ele agradecia por algo mais profundo, algo que eu mal entendia.
Abaixei-me novamente, desta vez de forma mais consciente, e me sentei ao seu lado. Meu olhar encontrou o dele, tão puro, tão vulnerável, que senti um nó se formar na garganta. Sem pensar muito, deixei minha mão subir até seu rosto e acariciei sua bochecha, ainda quente pela febre. Ele fechou os olhos suavemente, como se estivesse se permitindo um raro momento de conforto.
- Eu quem te agradeço, Chan, por entrar na minha vida. - minhas palavras saíram antes que eu pudesse filtrá-las. Era a verdade, crua e simples. Algo nele parecia ter iluminado uma parte de mim que eu havia esquecido existir. - Mas agora vou fazer nosso café, ok?
Ele assentiu, o sorriso brincando em seus lábios enquanto me observava levantar. Caminhei até a cozinha, sentindo um calor diferente aquecer meu peito, algo que ainda não conseguia explicar.
Assim que cruzei o limiar da cozinha, ouvi sua voz animada ecoar pela sala:
- Hyung, eu quero bibimbap!
Ri sozinho, balançando a cabeça. Era incrível como ele conseguia transformar qualquer momento em algo leve e cheio de vida, mesmo após uma noite tão difícil.
- Bibimbap? Logo cedo? - respondi alto, enquanto pegava os ingredientes que tinha na despensa.
- Sim! Preciso de energia para aguentar você! - ele gritou de volta, e pude imaginar o sorriso travesso em seu rosto.
Enquanto preparava o prato, pensei em como aquele garoto, que havia entrado na minha vida de forma tão abrupta, já estava se tornando essencial para mim. Algo mudou, e, pela primeira vez, eu não tive medo.
No dia seguinte ao seu desmaio, enquanto Chan ainda se recuperava, fui surpreendido ao encontrá-lo na sala tentando reorganizar as peças de decoração natalina que havia usado na oficina. Ele mexia em cada objeto com tanto cuidado, como se quisesse recuperar um tesouro.
- Você realmente gosta do Natal, não é? - perguntei, cruzando os braços enquanto me encostava na porta.
Ele levantou os olhos para mim, os lábios curvados em um sorriso tímido.
- Não é só o Natal, hyung. É o que ele representa... união, esperança, calor. No Lar do Sol, mesmo com tão pouco, nós sempre fazíamos algo especial. Acho que é por isso que quero que você sinta o mesmo.
Suas palavras ficaram comigo, reverberando em minha mente como um eco suave, mas persistente. A ideia de que o Natal poderia representar algo além de dor ou rejeição era algo que eu nunca havia considerado. Mas, com Chan ao meu lado, comecei a enxergar possibilidades onde antes só havia cinzas.
Nos cinco dias que se seguiram, minha vida parecia estar sendo lentamente repintada com cores vibrantes. Começou de maneira simples, quase imperceptível. Chan sugeriu que decorássemos toda a casa para o Natal. No início, relutei. A ideia de pendurar luzes e enfeites soava quase absurda para mim, mas ele insistiu com aquele olhar esperançoso que era impossível ignorar.
Na primeira tarde, chegou com uma pequena caixa de decorações que havia encontrado em um brechó. Eram enfeites antigos, um tanto desgastados, mas com um charme nostálgico que parecia perfeito.
- Vamos, hyung! - ele disse, puxando-me pela mão até a sala. - É só começar. Depois que você vir o resultado, vai se perguntar por que nunca tentou antes.
E assim começamos. No início, eu apenas observava enquanto ele trabalhava. Mas, pouco a pouco, me envolvi no processo. Colocamos luzes piscantes ao redor das janelas, penduramos guirlandas na porta e transformamos um pequeno pinheiro que Chan havia resgatado da oficina no centro das atenções. Ele o decorou com as mesmas pequenas peças defeituosas que usara antes, mas, sob uma nova perspectiva, elas pareciam perfeitas.
Pequenos Gestos, Grandes Mudanças
No terceiro dia, enquanto montávamos a árvore juntos, Chan sugeriu que escrevêssemos cartões de Natal.
- Para quem? - perguntei, arqueando a sobrancelha.
- Para as pessoas que fizeram parte do seu ano, hyung. Pode ser qualquer um. Não precisa enviar se não quiser, mas é uma forma de agradecer por algo, mesmo que só para você.
Me vi sentado à mesa, papel e caneta na mão, hesitando por um longo momento antes de começar. Escrevi para antigos clientes, colegas e até mesmo para pessoas que eu achava que nunca mais veria. Quando terminei, dentro de mim parecia mais leve.
Chan, por outro lado, escrevia com rapidez e entusiasmo, rabiscando nomes e mensagens com um sorriso no rosto.
- Não precisa escrever tão sério, hyung. É só ser sincero.
E eu estava. Pela primeira vez em anos, estava sendo sincero comigo mesmo.
No quinto dia, quando finalmente acendemos todas as luzes e vimos o resultado de nosso trabalho, algo mudou em mim significativamente. A sala estava quente e acolhedora, o brilho suave das luzes de Natal refletindo nos olhos de Chan enquanto ele admirava nossa obra.
- Está perfeito, Chan. - confessei, com um sorriso sincero.
Ele se virou para mim, os olhos brilhando com felicidade.
- Não é só a decoração, hyung. É você. Está diferente. Mais... vivo.
Suas palavras me pegaram de surpresa, mas sabia que ele estava certo. Pela primeira vez desde que saí de casa, não me sentia vazio ou perdido. O Natal, que antes era apenas uma lembrança amarga, agora parecia algo que valia a pena celebrar.
Chan-woo trouxe à minha vida algo que eu nem sabia que faltava: um senso de pertencimento, de alegria nas pequenas coisas.
Enquanto nos sentávamos no sofá, admirando a sala transformada, ele se inclinou com um sorriso brincalhão.
- Então, hyung, o que acha de fazermos biscoitos amanhã?
Eu ri, balançando a cabeça.
- Você realmente não para, não é?
- Nunca. - Ele piscou, e naquele momento, soube que, com Chan-woo ao meu lado, o Natal seria diferente a partir de agora.
Na manhã em que finalizamos a última peça da encomenda, o alívio e o orgulho estavam estampados no rosto de Chan. Ele tinha se dedicado com tanto afinco que sua alegria era quase palpável. Olhando para ele enquanto limpava as mãos sujas de argila, me senti contagiado por sua energia.
- Pronto, hyung! - disse ele, segurando a peça final com um sorriso tão grande que parecia iluminar toda a oficina. - Acho que o senhor Beom Geum vai adorar.
Assenti com um leve sorriso, algo que vinha acontecendo com mais frequência desde que Chan entrou na minha vida.
Fomos juntos entregar a encomenda na casa do senhor Beom Geum, um cliente fiel que já recorria aos meus serviços há anos. Ele era um homem de pouco mais de sessenta anos, de fala tranquila e sabedoria em cada gesto. Quando chegamos à sua residência, ele nos recebeu com um caloroso aperto de mão e olhos que pareciam enxergar além do óbvio.
- Eun-jae! Faz tempo que não o vejo tão... diferente. - comentou, o olhar fixo em mim por um momento antes de desviar para Chan. - E quem é o jovem que trouxe tanta luz para sua vida?
Chan-woo, modesto, corou ligeiramente e curvou-se educadamente.
- Sou apenas um ajudante, senhor.
O senhor Geum soltou uma risada baixa e convidou-nos a entrar. Depois de examinar as peças que entregamos, ele ficou visivelmente satisfeito, mas parecia mais interessado em observar a dinâmica entre Chan e eu do que em falar sobre a encomenda.
- Sabe, Eun-jae, trabalhei muitos anos com artesanato. Há algo em criar peças com as próprias mãos que acalma a alma, mas também pode nos tornar solitários. Você sabe disso melhor do que ninguém, não é?
Fiquei em silêncio, refletindo sobre suas palavras. Ele tinha razão. Meu trabalho sempre foi minha única companhia, até Chan aparecer.
- O Natal... - ele continuou, enquanto acariciava a superfície da peça que entregamos. - É uma época de renovação. Não importa o que aconteceu no passado, é uma oportunidade de recomeçar. De encontrar felicidade nas coisas simples. E vendo você hoje, sorrindo como nunca o vi antes, parece que finalmente entendeu isso.
Eu não sabia o que dizer. As palavras dele atingiram-me profundamente
- O senhor está certo, senhor Geum. - Finalmente respondi, com um pequeno sorriso no rosto. - Acho que nunca percebi isso antes, mas... é bom ter alguém para compartilhar esses momentos.
O senhor Geum sorriu para Chan e depois para mim.
- Esse rapaz tem um espírito brilhante. Não o perca de vista, Eun-jae. Às vezes, um presente de Natal não vem em uma caixa, mas em forma de uma pessoa.
Chan me olhou de canto de olho, sem dizer nada, mas o leve rubor em suas bochechas entregava o quanto as palavras do senhor Geum o tocaram.
Quando saímos da casa do cliente, caminhando de volta para o carro, Chan-woo virou-se para mim com um sorriso tímido.
- Ele é bem sábio, não é?
Assenti, refletindo sobre o que acabara de ouvir.
- Sim, Chan. Ele é.
Enquanto dirigia de volta para casa, a conversa com o senhor Geum ecoava em minha mente. Pela primeira vez, o Natal não parecia um peso ou uma lembrança amarga. Pela primeira vez, parecia uma chance de algo novo.
E tudo isso, percebi, era graças a Chan-woo.
Assim que entramos em casa, Chan-woo se jogou no sofá, mas logo seus olhos brilharam com uma ideia repentina.
- Hyung! Que tal fazermos aqueles biscoitos natalinos agora? - Ele falou com entusiasmo, já se levantando e indo em direção à cozinha.
Olhei para ele, meio incrédulo com tanta energia.
- Você realmente não cansa? Acabamos de voltar de uma entrega.
- Já disse que nunca, Eun-sii! - respondeu com um sorriso travesso, puxando meu braço para que eu o seguisse. - Vamos, hyung! Não quero passar o Natal sem experimentar biscoitos feitos em casa.
Cedi, mais porque não conseguia resistir à alegria dele do que por qualquer outra razão. Chan começou a vasculhar os armários em busca de ingredientes, enquanto eu pegava uma tigela para misturar a massa.
Enquanto misturávamos os ingredientes, ele olhou-me, a expressão curiosa.
- Eun-jae hyung, posso te perguntar uma coisa?
- Pode.
- Por que você não gosta do Natal? - Ele parou de mexer a massa, os olhos fixos em mim, sinceros e cheios de preocupação.
A pergunta me pegou de surpresa. Respirei fundo, o peso das lembranças antigas pressionando meu peito.
- É complicado, Chan.
- Eu tenho tempo. - Ele sorriu levemente, mas sua expressão mostrava que ele não estava brincando.
Coloquei a tigela sobre a bancada e me apoiei no balcão, cruzando os braços. As palavras presas dentro de mim por anos, saíram hesitantes.
- O último Natal que comemorei... foi há cinco anos. Minha família sempre foi muito tradicional, sabe? Eles valorizavam a aparência, o que as pessoas pensavam. Mas, naquela noite, tudo mudou.
Parei por um momento, sentindo o nó na garganta. Chan ficou em silêncio, aguardando pacientemente.
- Eu contei para eles que sou gay. Achei que era o momento certo, que eles entenderiam. Mas... - minha voz falhou, e me virei, tentando controlar as lágrimas. - Meu pai me olhou como se eu fosse um estranho. Minha mãe chorou como se tivesse morrido. E, no dia seguinte, eles me mandaram embora. Sem nada, só com a roupa do corpo.
Chan soltou um suspiro audível, mas não disse nada. Continuei, a voz embargada.
- Desde então, Natal para mim é um lembrete de tudo o que perdi. A família, o lar... a sensação de pertencimento.
As lágrimas finalmente escaparam, e eu me odiei por isso. Mas antes que pudesse me recompor, senti braços ao meu redor.
Chan me puxou para um abraço apertado, sua presença tão calorosa que dissipava um pouco da dor.
- Hyung... - ele murmurou, com a voz doce e reconfortante. - Sinto muito que você tenha passado por isso.
Fiquei tenso no início, mas logo me permiti relaxar, segurando a camisa dele como se fosse a única âncora que me mantinha no presente.
- Você não está mais sozinho, Eun-jae hyung. - Ele se afastou levemente, segurando meu rosto entre as mãos. Seus olhos negros brilhavam, cheios de carinho.
Com delicadeza, ele beijou minhas pálpebras, enxugando as lágrimas que ainda escorriam.
- Eu estou aqui, e você tem um lar agora. Um novo lar, com novas memórias. E vamos fazer com que esse Natal seja especial, juntos.
Eu não consegui dizer nada. Apenas assenti, tocado pela sinceridade dele. Pela primeira vez em anos, senti que talvez o Natal pudesse ser mais do que dor.
Chan sorriu, enxugando meu rosto com o polegar antes de voltar a mexer na massa dos biscoitos.
- Agora, vamos terminar isso antes que a massa endureça! Quero os melhores biscoitos natalinos de Gwangjin-gu.
Ri baixo, um som raro que parecia estranho até para mim. Mas foi genuíno, e Chan percebeu isso, pois seu sorriso se alargou ainda mais.
Enquanto ele tagarelava sobre formas de biscoito e coberturas, senti algo novo crescer dentro de mim. Uma pequena faísca de esperança. Talvez, só talvez, o Natal pudesse voltar a ser uma época de alegria.
No dia 23, tudo parecia estar se encaixando perfeitamente. A oficina estava arrumada, os pedidos entregues, finalmente sentia uma tranquilidade que não experimentava há anos.
Com o dinheiro que recebeu pelo trabalho, Chan insistiu em comprar itens básicos para si mesmo. Levei-o ao shopping, e o brilho nos olhos dele enquanto escolhia produtos de higiene e algumas roupas simples me fez sorrir. Ele parecia uma criança em um parque de diversões, encantado com cada prateleira e cada escolha que fazia.
- Hyung, olha isso! - ele disse, segurando um casaco de lã vermelho vibrante. - Não é perfeito para o Natal?
Assenti, observando como ele parecia feliz com algo tão simples. Era como se ele recuperasse pedaços de uma vida que nunca teve. Mais tarde naquela noite, Chan apareceu na sala com um sorriso travesso.
- Hyung, pensei em uma coisa.
- Lá vem. - Cruzei os braços, fingindo suspeitar das ideias dele.
- Vamos ao mercado? Quero comprar mais ingredientes para fazermos mais biscoitos natalinos.
- Mais biscoitos? Já temos o suficiente para alimentar a vizinhança.
- Não é para nós. - Ele balançou a cabeça, seu sorriso suavizando. - É para o Lar do Sol.
O Lar do Sol era um abrigo para crianças em situação de vulnerabilidade, dirigido por uma mulher de coração enorme, a senhora Yoon. Eu já havia feito doações de móveis para eles, mas nunca havia visitado o local.
Chan-woo continuou, como se adivinhasse meus pensamentos.
- Quero que elas tenham algo especial neste Natal, hyung.
Não consegui dizer não. O entusiasmo dele, sua bondade... era impossível resistir.
No mercado, Chan liderava o carrinho de compras como se fosse uma missão de vida. Pegava pacotes de farinha, açúcar, chocolate e várias decorações coloridas para os biscoitos.
- Hyung, acha que essas estrelas douradas combinam?
- Chan, são crianças. Elas vão comer antes mesmo de perceberem as estrelas.
Ele riu, mas colocou os pacotes no carrinho mesmo assim. Enquanto caminhávamos pelos corredores, as pessoas nos olhavam, talvez intrigadas pela dinâmica entre nós dois: eu, sempre sério, e ele, cheio de vida.
Ao passarmos pela seção de brinquedos, Chan parou e pegou um pequeno carrinho de madeira.
- Hyung, será que eles gostam disso?
- Com certeza.
Ele segurou o brinquedo por um momento antes de colocá-lo no carrinho, como se estivesse planejando algo especial.
De volta em casa, Chan imediatamente começou a organizar tudo para fazermos os biscoitos. Ele estava determinado a deixá-los perfeitos, e eu, por mais que tentasse manter meu habitual ar sério, acabava rindo de suas tentativas desajeitadas de modelar as formas.
- Hyung, essa estrela está meio torta, mas tudo bem. - Ele colocou o biscoito em uma assadeira.
- Você está dizendo que torto é meu padrão? - provoquei.
- Não, claro que não! - Ele riu, tentando consertar a forma. - É um charme único.
A noite foi passando, e a cozinha se encheu do cheiro doce de biscoitos assando. Enquanto Chan-woo decorava as últimas fornadas, percebi que estava genuinamente feliz. Não apenas por ele, mas por mim mesmo.
Depois de guardar os biscoitos e limpar a bagunça, Chan se jogou no sofá, cansado, mas com um sorriso satisfeito.
- Amanhã vai ser incrível, hyung. As crianças vão adorar.
Olhei para ele, tendo sensações indescritíveis. Talvez fosse gratidão, ou admiração pela pessoa que ele era.
- Você é incrível, Chan-woo.
Ele abriu os olhos, surpreso, mas não disse nada. Apenas sorriu e fechou os olhos novamente, parecendo absorver aquele momento.
A manhã começou com Chan-woo correndo de um lado para o outro, agitado e ansioso. Ele mal podia esperar para voltar ao Lar do Sol, carregando os biscoitos que preparamos juntos na noite anterior. Suas mãos inquietas reorganizavam as caixas de doces inúmeras vezes, como se quisesse garantir que tudo estivesse perfeito.
- Chan, eles já estão organizados. - comentei, tomando um gole do meu café.
Ele parou por um segundo, olhou para mim, e sorriu.
- Eu sei, hyung. Só quero que eles se sintam especiais.
Ao cair da noite, Chan vestiu o casaco vermelho vibrante que comprara no shopping, o tecido reluzindo à luz suave do abajur. Ele estava radiante, como uma criança que acabara de ganhar o presente dos sonhos.
Eu, por outro lado, mantive meu habitual ar sério. Escolhi meu sobretudo preto e, por insistência de Chan, combinei-o com uma camisa de gola alta branca. Enquanto ajustava o cachecol ao redor do pescoço, senti seus olhos em mim.
- Hyung, você até parece uma pessoa mais leve hoje. - provocou, rindo.
Antes de sairmos, Chan pegou algo que havia escondido atrás do sofá. Aproximou-se de mim com um sorriso tímido e me entregou uma pequena estrela de cerâmica. Era delicadamente trabalhada, com um brilho sutil que refletia a luz.
- Fiz isso para você. - ele disse, com a voz mais suave que o habitual. - Nos pés da estrela tem algo que escrevi.
Virei o presente, e lá estava gravado: "Para iluminar todos os seus Natais. Com amor, Chan-woo."
Olhei para ele, sem palavras. Por um instante, senti uma emoção profunda que eu não sabia como expressar.
- Chan... - comecei, mas ele me interrompeu.
- Não diga nada, hyung. Só quero que saiba que você é importante para mim.
Sem pensar, fui até o quarto e voltei com um embrulho. Não era tão elaborado quanto o presente dele, mas carregava um pouco do meu coração. Ele rasgou o papel com entusiasmo e revelou um cachecol branco, feito de lã macia.
- Combina com seu casaco vermelho.
Ele sorriu, visivelmente emocionado, e o enrolou ao redor do pescoço.
- Hyung, você pode arrumar pra mim? - pediu, inclinando-se para que eu ajustasse o cachecol.
Enquanto fazia isso, senti o calor de sua proximidade e o brilho nos olhos dele.
- Pronto. - murmurei, afastando-me devagar.
Chan sorriu novamente e foi até as caixas de biscoitos. Juntos, organizamos tudo no carro e partimos em direção ao Lar do Sol.
Quando chegamos, as crianças correram para nos receber, especialmente Chan, que já era querido por todos ali. Ele as abraçava, ria e, em questão de minutos, já estava completamente integrado nas brincadeiras.
De longe, eu o observava. Era como se ele tivesse nascido para trazer alegria, mesmo em meio às dificuldades. O som de sua risada misturava-se com o das crianças, e eu me peguei sorrindo.
- Eun-jae, você está sorrindo. - comentou a senhora Yoon, a responsável pelo lar, aproximando-se de mim.
- Parece que sim.
Ela me deu um olhar compreensivo antes de continuar:
- O Chan tem um dom, sabe? Ele transforma qualquer lugar que entra.
Eu não podia discordar. Enquanto ele corria pelo salão com as crianças, brincando de pique-esconde, percebi que ele era a personificação da felicidade natalina que eu nunca tive.
Em meio a toda a alegria, um pensamento me ocorreu. Anos atrás, eu havia perdido completamente a fé no Natal, na bondade e na felicidade que essa época representava. Mas ali, vendo Chan interagir com as crianças e os outros moradores do lar, algo mudou.
A felicidade não estava nos grandes gestos ou em tradições complexas. Estava ali, na sinceridade de um sorriso, na doçura de um abraço, na simplicidade de um gesto feito de coração.
Quando finalmente voltamos para casa, eu sabia que nunca mais veria o Natal da mesma forma. Chan-woo havia trazido algo que eu pensei ter perdido para sempre: esperança.
De volta à casa, depois de um dia repleto de emoções, Chan sentou-se no sofá, abraçando uma almofada, enquanto eu terminava de preparar duas canecas de chocolate na cozinha. Ao levar uma para ele, sentei-me ao seu lado, sentindo o silêncio confortável que compartilhávamos.
- Hoje foi incrível, hyung. - ele começou, olhando para a árvore iluminada. - Obrigado por me deixar compartilhar isso com você.
- Não sei como agradecer o suficiente, Chan. - respondi, a voz carregada de sinceridade. - Você trouxe algo que eu nem sabia que estava faltando.
Ele sorriu, aquele sorriso tímido que fazia meu coração acelerar.
- Só estou sendo eu mesmo, Eun-jae. E você também.
Por um momento, ficamos em silêncio, apenas apreciando a presença um do outro. Então, sem aviso, ele se inclinou, pegando minha mão.
- Sabe, hyung... - sua voz soou hesitante, mas firme. - Eu sempre achei que o Natal era sobre presentes, luzes e música. Mas hoje eu percebi que é muito mais. É sobre as pessoas. Sobre você.
O calor subiu ao meu rosto, algo que eu não sentia havia muito tempo.
- Chan... - murmurei, mas ele continuou, os olhos brilhando.
- Você não está mais sozinho. Nem eu. Estamos aqui, juntos, e isso é o suficiente para mim.
Antes que pudesse responder, ele se aproximou, seus lábios tocando os meus com uma delicadeza que me desmontou. Foi um beijo breve, mas carregado de sentimentos. Meu coração disparou, como se estivesse redescobrindo algo que havia esquecido.
Quando nos afastamos, ele sorriu novamente, ainda segurando minha mão.
- Talvez eu tenha encontrado algo mais importante que o Natal este ano.
Eu ri, puxando-o para um abraço.
- E eu encontrei o sentido da Felicidade Natalina.
Chan-woo encostou a cabeça no meu ombro, os olhos fechados enquanto sussurrava:
- Então acho que isso é... Um Amor de Natal.
E ali, sob as luzes piscantes e o calor de seu abraço, soube que minha vida nunca mais seria a mesma.
Capítulo com 7475 palavras
𝐏𝐔𝐁𝐋𝐈𝐂𝐀𝐃𝐎 𝐄𝐌: 16/11/2024
𝐓𝐎𝐃𝐎𝐒 𝐎𝐒 𝐃𝐈𝐑𝐄𝐈𝐓𝐎𝐒 𝐑𝐄𝐒𝐄𝐑𝐕𝐀𝐃𝐎𝐒 ©𝐋𝐘𝐃𝐈𝐀 𝐓𝐀𝐕𝐀𝐑𝐄𝐒
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