01 - Homem de confiança
Dominique Montenegro
Poderia começar falando sobre o clima.
Que o dia amanheceu normal; pouco sol e o típico frio de outono.
Poderia começar dizendo que as folhas voavam com o vento e que na rua, pessoas corriam imersas em seus pensamentos, embaladas por quaisquer músicas que tocassem em seus fones de ouvido.
Eu poderia...
Mas como toda boa adolescente, logo pela manhã, minha linha de raciocínio está no automático, meu corpo sabe apenas seguir minha rotina matinal.
Me levanto da cama após uns minutos olhando para o teto, o chão frio em contato com meus pés descalços me faz estremecer, caminho para o banheiro, me olho no espelho, meu cabelo negro que parece ter acabado de sair de uma batalha perdida contra a escova, há remela nos cantos dos meus enormes olhos castanho escuros e uma linha de saliva seca no canto esquerdo da minha boca, grande demais. Em resumo, estou um lixo, acordar bela e sorrindo, só nos filmes da Disney. Sem mais divagações sobre minha lamentável aparência, faço minha higiene matinal, coloco um absorvente no fundo da calcinha e levo mais cinco deles para o quarto, desastrada como sou, preciso de um estoque. Ainda mais na escola. Me visto rapidamente e me aproximo da janela, no quintal, um Dálmata enorme rosna para um gatinho preto que o ignora, completamente esparramado no alto da casinha, sorrio. Ouço barulhos de algo se quebrando no andar de baixo e então o grito de uma mulher, no segundo seguinte, sou lançada pela janela devido a força da explosão.
— Dom!!? — Outra vez a mulher grita meu nome, sinto meu corpo cair na grama, minha cabeça lateja e meus ouvidos zumbem, mesmo com a visão embaçada, ainda vislumbro a casa em chamas, antes de apagar.
***
Acordo assustada, me sento na cama, o quarto escuro logo se torna evidente, mais uma vez, o mesmo sonho, minha última lembrança, segundo meu psicólogo. Os flashes do meu último dia como adolescente ficam vagando pela minha mente, me atormentando noite após noite. Segundo o psicólogo, minha mente está tentando me fazer entender o motivo da minha amnésia.
Essas são minhas últimas lembranças antes de ser encontrada durante uma madrugada fria caminhando nua, toda ensanguentada e cheia de hematomas, pela estrada rumo a Fazenda Paraíso, propriedade de Malu Santiago Vilela. Os exames apontaram que fui estuprada e espancada, por sorte não fiquei grávida do meu estuprador.
Naquele dia eu soube, meu passado deveria ser enterrado para sempre, se minha própria cabeça se negava lembrar, eu não deveria insistir.
O Sr. Vilela meio que me adotou, me deu documentos, comida, casa, estudos, roupas e logo que me formei na faculdade, em Administração Rural, me ofereceu um emprego, dois meses depois iniciei minha faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, à distância, atualmente, tenho 3 diplomas em exibição na parede da minha sala.
Hoje, 12 anos depois, sou o que meu patrão chama de "homem de confiança", sou capataz na Fazenda Ametista, uma das fazendas da família Santiago Vilela localizada no meio do Pantanal Matogrossense.
Olho para o relógio, são 3:45 da manhã, me levanto e vou ao banheiro, tiro a blusa branca e desenrolo a faixa revelando o hematoma na costela, ontem fui nocauteada por um touro irritado, passei 10 minutos inconsciente, mas graças aos conhecimentos medicinais da filha de uma cozinheira, estou pronta pra outra. Entro no box, a água fria me desperta para mais um dia na lida, passo xampu no meu cabelo úmido e com as unhas o lavo rapidamente, depois passo a máscara reparadora e deixo agindo enquanto escovo os dentes e tomo meu banho, depois de uns 5 minutos, retiro a máscara e aplico o condicionador, massageio mecha por mecha, antes de enxaguar e finalizar com o creme para pentear. Apesar do meu trabalho ser tipicamente masculino, eu tenho meus momentos femininos, até porque, meu nome também não ajuda. Após o banho de quase 10 minutos, paro para secar meu cabelo, ele está um pouco abaixo dos ombros, devido ao corte recente, no silêncio da madrugada, consigo ouvir o som dos animais acordando, lá fora.
Visto uma calça jeans surrada, camisa xadrez vermelha, botas, chapéu e vou para a cozinha, assim que acendo a luz, um gato preto se insinua no meio das minhas pernas enquanto preparo o café.
— Já chegou da farra Salém? — Pergunto, o gato continua se esfregando em mim e mia.
Após comer, coloco ração e água para o Salém, fecho a casa e sigo para o curral, hoje chega mais um lote de bezerros da Paraíso, todos precisam ser marcados com a sigla Santiago Vilela e vacinados.
***
Os peões já estavam descarregando os caminhões com os bezerros quando cheguei.
— Bom dia Dom! — Carlos se aproxima e sorri.
— Bom dia, já fizeram a contagem do lote?
— Sim, 20 mil cabeças, prontos para marcação.
— O veterinário já chegou com as vacinas? — Olho para os animais que descem correndo para o corredor.
— Ainda não —, ele me entrega um ferrete duplo com as letras SV — o que faremos?
— Vamos começar a marcação, ainda há 500 doses de vacina contra a Aftosa e 500 contra Febre Amarela, no refrigerador, vamos ir marcando e vacinando, manda o Lucas pegar as doses.
— E quem vai aplicar?
— Eu mesma, não estudei feito louca, pra ter um diploma apenas como enfeite na parede da minha sala — Rebato de maneira fria.
— Sim senhor, senhora. — Concorda e sai correndo, Carlos é um ótimo funcionário, por isso é meu braço direito em tudo na fazenda.
Marcar e vacinar gado é uma atividade comum, mas hoje o calor e o atraso do veterinário está me deixando irritada, e o cheiro de couro queimado não ajuda muito. Vejo um bezerro se desvencilhar dos outros, ele está com uma ferida na perna e tem dificuldade para andar.
— Pedro, separa aquele bezerro dos demais e cuide daquela ferida, capaz de pegar bicheira e piorar. — Ordeno, o peão ao meu lado confirma com um aceno de cabeça e sai com o laço em mãos, pego mais uma dose de vacina e aplico no próximo bezerro.
***
Não é nem quatro da tarde, e já estou arrebentada. Desenrolo a faixa do meu abdômen e passo mais uma dose de Balsamo Bengue, uma pomada para contusões, a expressão de dor é notável em meu reflexo no espelho, volto a me enfaixar, molho a nuca e o rosto para apaziguar o calor. Duas batidas na porta do banheiro chamam minha atenção.
— Sim?
— Dom, eu sei que está no seu intervalo, mas o Sr. Vilela está ao telefone no escritório. — A voz de Carlos ecoa do lado de fora, abaixo a blusa e saio, dando de cara com ele.
— Obrigada, assim que eu sair do escritório, vamos sair pra buscar os cavalos que serão levados para o leilão em São Paulo.
— São os cavalos que estão isolados no pasto sul?
— Exatamente, eles devem vir para os redondos, e vão passar uma semana sendo limpos para o envio.
— O que quer dizer com limpos? — Carlos me acompanha com passos rápidos.
— Quero que todos sejam tosados, as crinas e rabos devem ser aparadas, os cascos também devem receber atenção, assim como os dentes e a vacinação de cada um, eles precisam perder o aspecto de cavalo selvagem que adquiriram no último mês. — Explico.
— Mas são quase mil cavalos, acha mesmo que uma semana será o suficiente para deixar todos limpos? — Questiona, paro de andar e o encaro.
— A equipe da Paraíso dariam conta em 5 dias, porque eles têm um capataz eficiente, e apesar de ter empatia pelo Fábio, não vou fazer menos que ele.
— Você tem razão. — Concorda.
— Mande Lucas selar meu cavalo. — Entro no escritório da fazenda e pego o telefone que está fora do gancho — Senhor Vilela, a que devo a honra da sua ligação?
— Dominique, direta como sempre.
— Hábito.
— Entendo, como foi a vacinação e marcação do gado hoje?
— Tirando o atraso do Renato — comento e ouço meu patrão suspirar, Renato Viana é o Veterinário Chefe da Ametista, mas sua vida de farra o faz sempre chegar atrasado a fazenda e isso vem me irritando muito —, ocorreu tudo bem, mas três bezerros se feriram durante a viagem e foram retirados do rebanho para serem tratados.
— Fez bem, mas se o Renato se atrasou, de novo, houve atraso o dia todo? — Apesar de sua calma, sei que ele está furioso.
— Não senhor, eu mesma marquei e vacinei o lote todo.
— Fez bem, agora quanto ao Renato, avise a ele que tem uma semana pra organizar seus horários, ou então será demitido.
— Sim senhor.
— Mas não liguei para falar de trabalho.
— Aconteceu alguma coisa com a senhora Vilela?
— Não, a Malu está bem, melhor que nunca — ouço uma risada reprimida -—, acontece que meu filho resolveu ir passar uma temporada na Ametista.
— E quando ele chega?
— Na segunda feira.
— Está bem, algo a mais?
— Fellipe não vem ao Brasil há mais de 10 anos, ele vive enfurnado num escritório, viver por alguns dias em uma fazenda vai ser complicado, então peço que tenha paciência com o meu filho.
— Senhor, não vou aceitar chacotas do Vilela Júnior com relação ao meu posto. — Rebato, nunca levei desaforo pra casa e não vai ser agora que vou abaixar a cabeça só porque ele é o filho do patrão.
— Sei disso, mas releve algumas ações do meu filho, não quero perder você por besteiras do meu herdeiro.
— Vou fazer o que estiver ao meu alcance. — Digo, estou na Ametista há anos, Bianca é a única que sempre vem passar as férias na fazenda, ela tem um Haras em São Paulo, e a maioria dos seus cavalos são criados aqui, segundo a mulher, o Pantanal é o lugar perfeito para criar potros.
— Confio em você, sei que suas férias estão acumuladas e estão se aproximando, acha que Carlos está apto pra te substituir por alguns meses esse ano? — Quando comecei a trabalhar aqui, preferi tirar férias a cada 5 anos, sendo assim, minhas férias acumulam e me rendem 5 meses de descanso, da última vez, fiz mochilão pela Europa, esse ano, estou pensando em ir para os Estados Unidos.
— Sim, depois do meu aniversário, vou estar oficialmente de férias. — Comunico.
— Que bom, porque sua patroa quase me bateu por saber que você não tirou férias ano passado.
— Imagino.
— Me envie o relatório da semana ainda hoje. — Ordena.
— Sim senhor. — Digo, aguardo ele desligar para poder pôr o telefone no gancho. Não sei muita coisa sobre Fellipe Vilela, mas segundo sua irmã, Bianca, o homem é do tipo galã de novela, só anda de terno e carros que valem mais do meus rins. Ou seja, ele é um babaca de luxo, como dizem as meninas do clube do livro virtual que participo. Saio do escritório e sigo em direção a entrada do pasto sul, um pequeno grupo de peões me esperam, monto em meu cavalo e sem uma palavra tomo frente deles, preciso retornar antes do anoitecer com os cavalos. Pra minha sorte, ainda tenho quatro dias antes do Fellipe chegar.
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É isso meus amores, primeiro capítulo pronto, o que vocês acham da nossa Dominique?
Acham que ela e Fellipe vão se dar bem, o Playboy vai ter problemas?
Próximo capítulo vamos conhecer Fellipe Vilela.
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