22. A partida de dois anjos
Duas semanas se passaram, e Vaisa estava cada dia pior. Uma parteira estava conosco fazia uns dias, caso a criança resolvesse nascer. Ela parecia mais cansada, com um rosto sem cor e nem mesmo sorria mais. Quando ela ficava acordada, eu contava para ela como estava o tempo lá fora, colhia algumas flores para enfeitar o quarto e relatava as minhas tarefas no palácio enquanto ela descansava. Ela falava pouco, e sentia dores. Seus pés e suas pernas estavam bastante inchados, ela apenas conseguia ficar sentada na cama com a nossa ajuda. Meu coração doía cada vez mais vendo ela assim, nesse estado. Eu gostava de pentear os longos cabelos negros dela. Todos os dias eu fazia uma trança simples para não incomodar enquanto ela fosse dormir. Murad resolvia os assuntos do castelo e ia para cidade ver como estão os cidadãos. Quando ele voltava, ele e ela ficavam juntos conversando. Ele tentava animá-la conversando sobre sua ida até a cidade, e dizia que todos os cidadãos oravam pela saúde dela e da criança. Eu todas as noites choro por toda aquela situação, parecia que uma grande nuvem cinza havia dominado aquele lugar, que antes era ensolarado e cheio de energia. Preocupação e tristeza eram encontradas aqui. Ficamos fora dos aposentos dela, eu, os servos e o príncipe, que já estava lacrimejando. Ela havia entrado em trabalho de parto fazia quatro horas. Eu pedia intimamente para que Deus pudesse interceder, e que tudo esteja bem entre eles. A cada grito que eu ouvia meu corpo estremecia, imaginando o sofrimento dela. Eu fechava os olhos e tentava ensurdecer cada grito, mas não adiantava.
Depois de um forte grito, nos assustamos mais ainda. Depois veio um silêncio. Murad observava a porta, com a expectativa de que ela abrisse, e em poucos minutos a senhora parteira saiu do quarto, cheia de sangue em suas mãos e em suas vestes.
— Alteza... — Ela falou desconcertada. Murad entrou de supetão no quarto, chegando a empurrar a mulher. Eu entrei junto, e a cama estava cheia de sangue, os baldes com água já estão vermelhos, assim como os panos. Murad estava ajoelhado perto de Vaisa, ela quase morta, respirando muito pouco. O príncipe estava pego em sua mão, alisando seus cabelos e com os olhos marejados. A parteira está com a criança nos braços, envolta de um pano limpo, mas ela não se mexia...
— Alteza. Infelizmente ele não resistiu. — Ela foi assim, direta e entrega a criança a ele. — É um menino. Bem branquinho, com seus olhos fechados que nem mesmo chegou a ver seus lindos pais. Eu estou arrasada. A senhora Vaisa não iria resistir, ela estava respirando vagarosamente, e olhava diretamente para o seu esposo. Ela deu um leve sorriso, ambos estavam em silêncio, ele contendo sua angustia e ela dando adeus com seu olhar distante. Ela dizia "eu te amo" com um semblante leve, sem falar nada, e nesse olhar ela agradecia por ter um marido tão bom. Não passei muitos anos com ela, mas eu a conhecia suficiente para saber o quanto tudo o que ela tinha era amor por todos. Eu não conseguirei superar a morte dela. O príncipe entrou em desespero quando viu que ela não reagiu mais. Meu Deus foi a cena mais agonizante que eu vi, eu mesma não me atrevi a chegar perto dele, os eunucos tentavam tirá-lo perto da esposa, ele estava muito agitado. Eu sai do quarto por que ali não me cabia mais minhas energias. A minha segunda mãe, irmã que nunca tive, se foi agora.
Eu estou vagando lentamente pelos corredores, desolada e com a tristeza me consumindo. Tantas vezes que eu acreditei que ela viveria, segurando seu filho. Tive esperanças falsas. Sinto minha pressão baixar e a tontura me dominar. Me entrego ao chão, levando um grande tombo. Eu havia desmaiado. Em alguns instantes, senti levemente alguém me segurando, avistava o corredor como se eu estivesse flutuando, sendo carregada. Mas fechei os meus olhos novamente, me entregando a escuridão do meu desespero.
Antes de abrir meus olhos, me sinto que estou em um acolchoado, estou deitada sobre algo macio e firme. O peso dos meus olhos me deixa abrir vagarosamente a minha visão. Minha mão estava agarrada a outra, que seguindo com o olhar, um rosto familiar me chamava atenção enquanto me observa. Iskender tinha uma postura preocupada e começou a sorrir quando me viu acordar.
— Ah que susto, graças a Alá você está bem.
— Iskender...
— Não fale, o médico disse que você desmaiou e precisava descansar. Vou pegar um copo com água.
— O que faz aqui...? Onde estou?
— Está em um dos aposentos próximos de sua alteza. Venha, beba água. — Ele apoiou minha nuca, levantando com firmeza e calma e me ofereceu água em um copo. Eu bebo esforçadamente, chegando a me engasgar.
— Você não deveria estar aqui. Onde estão as criadas E o príncipe?
— As criadas estão chegando. Vossa alteza está se encarregando do funeral da esposa.
— Preciso ir até ele. — Me levanto
— Não, está muito fraca. Ele mesmo ordenou que descansasse.
— Eu pensei que tudo ia dar certo, que ela sobreviveria. Por que todos morrem? — Iskender ficou sem entender, mas eu me refiro às pessoas que eu amei enquanto estava ali. Não evitei a tristeza, e comecei a chorar.
— Nunca mais vou vê-la de novo. Por que isso está acontecendo?
— As coisas, apenas acontecem porque devem acontecer. A senhora Vaisa estava cansada esse tempo todo, mas eu acredito que Deus tenha a preservado de muita coisa agora. Nadira, esse tempo agora tenta descansar. Não tem culpa de nada, descanse.
— Ela morreu Iskender. O que vou fazer?
Ele me prendeu em seus braços, me abraçou firmemente para ajudar a amenizar minha angústia, meu choro. Apenas fiquei ali, quieta, me lembrando dos nossos momentos juntas. Gostaria de entender o porquê de tudo ter acabado assim. Minha preocupação era comigo também, pois eu tinha um propósito de estar com a esposa do príncipe, agora estava tudo vazio.
Agora que anoiteceu, estamos em carruagens indo para Istambul, pois sua majestade pediu que a princesa Vaisa fosse enterrada na mesquita na capital, pois fazia parte da família. Murad não queria ir, eu sei. Mas desobedecer a ordem do sultão, seria motivo de morte. Eu estou vestida de preto, um véu cobre meu rosto, e esta presa em uma tiara de prata. Eu não tinha visto o príncipe ou o corpo de Vaisa, estava tudo tenso e quieto. Apenas observava. Iskender está do lado de fora da carruagem, me acompanhando a cavalo. Daqui a dois dias, estaremos em Topkapi novamente, naquele calabouço enfeitado de cortinas. Provavelmente iriamos passar um tempo lá, a pedido de sua majestade. Eu olho para o banco na minha frente e imaginei a princesa ali, sentada e sorridente olhando pelas brechas da janela, sorridente e conversando sobre qualquer coisa. Emocionei-me quando me lembrei dela e de toda aquela luz que não sinto mais.
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