20. Perdas
Eu fiquei surpresa, mas muito feliz. Murad mal acreditou, sorriu para a esposa e abraçou muito. Ela chorava de felicidade. Nesse período, para se manter a descendência real, precisariam de concubinas, mas Murad não seguia o exemplo dos outros irmãos. Ele apenas tinha Vaisa, e apesar de muitos diagnosticarem que ela seria incapaz de ter um bebê eu acreditava nela. Ver a sua alegria era minha alegria. Mas eu tinha um sentimento estranho, de que Murad iria se aproximar de sua esposa mais ainda, e me bateu ciúme. Imediatamente, eu entendi que na minha condição eu jamais tomaria homem alguém de mulher nenhuma, muito menos da senhora Vaisa que me acolheu com muito amor.
Apesar disso, fui conquistada pela gentileza do príncipe, entretanto compreendia que ele está longe de todas as minhas possibilidades. Então, preciso apagar esse sentimento, e reserva-lo em carinho, e entender que de todas as formas não havia espaço para mim. É um homem bom, mas não serve para mim. Ele merecia a felicidade do mundo.
— Está com três meses senhora. Mas adianto que deve repousar, será uma gravidez difícil.
— Sobre isso eu não tenho dúvidas, o que me faz agradecer é a grande notícia que me deu.
— Que Alá os abençoe. — Falei meia sem graça e interrompendo, mas a energia de felicidade ainda pairava entre nós. Enquanto Murad conversava com a esposa, senhor Devrim me chamou com uma piscadela para sairmos e conversar.
— Senhor Devrim, ainda nem pudemos nos falar direito.
— É estranho não te ver no palácio. Quando soube da notícia para cuidar da princesa, eu achei interessante visitar uma amiga. Mas me fale como esta sendo a sua estadia aqui. Tenho certeza que é melhor do que Topkapi.
— Ah sem dúvidas! — Caminhávamos pelo corredor, ele com os braços esticados para trás e suas mãos seguravam uma na outra, sua postura estava totalmente a me ouvir, com seu rosto inclinado em direção a minha voz.
— Até o clima daqui é perfeito.
— Vejo que a senhorita tem um espírito livre nesse lugar.
— Não é bem isso. Mas aqui a senhora Vaisa me trata com carinho, e não como serva.
— Claro. A sua personalidade doce sempre encantou a todos. Mas eu soube que a senhorita ficou perdida na floresta.
— Senhor Devrim, eu encontrei um outro poço, uma passagem para o tempo.
— Mesmo? E não voltou?
— Fui raptada por ladrões antes que conseguisse. Mas a sensação é igual quando eu passei pelo tempo, foi igual na floresta.
— A senhorita não está adaptada aqui?
Eu refleti a essa pergunta, mas tratei de responder com sinceridade.
— Não, eu me adaptei e continuo me adaptando. Mas sei que meu lugar não é aqui. Estudar o passado é maravilhoso para mim, e poucos tiveram oportunidade como nós, mas quero voltar para o futuro.
— Claro, e eu desejo que a senhorita possa escolher o seu lugar no mundo. Não é fácil, independente de qualquer época, mas torço pelo seu sucesso.
— O senhor voltaria comigo?
— Ainda tenho idade para voltar? Estou a tanto tempo aqui que não me reconheço em outro lugar senhorita.
— E não pensa na sua família? — Ele parou de caminhar, com seus olhos direcionados ao corredor, ele em seguida me encarou e levantou um simples sorriso.
— Independente de como estão, eu sei que estão bem. A minha presença não é tão importante para eles. Mas sei que estão bem.
Senti que o senhor Devrim não se sentia a vontade para falar disso. Então eu o deixei. Despedi-me e voltei para o quarto da senhora Vaisa. A partir daquele dia, fiquei com ela em muitos momentos. Apenas caminhávamos pouco, e ela sempre ficava deitada, entediada. O seu brilho foi apagando, sua aparência foi ficando morta. Nesses dias eu perguntei do que mais ela sentia saudade de fazer, então ela me disse que amava andar na praia, que ficava a beira do castelo. Hoje, decidi tirar um tempo e pedir a permissão de Murad para poder leva-la comigo, e alguns servos junto com guardas. Ele ficou preocupado, mas consentiu. Eu perguntei qual roupa ela gostaria de vestir. Ela ficou um pouco indecisa, disse que não tinha mais cabeça para vestir-se bem, pois não se sentia bonita. Ela estava com seis meses agora, e eu percebia que a gravidez a deixava fatigada, mas insisti em melhorar seu semblante. Ela vestiu um vestido de cor perolada, com pedras brilhosas e bordados. Parecia uma fada. Eu mesma ajeitei seu cabelo com penteados simples, parecia que eu estava cuidando de uma boneca.
Descemos os degraus, cuidadosamente. Caminhamos até a praia, e sentindo a brisa a senhora Vaisa abriu um lindo sorriso. Ficou descalça e começou a caminhar devagarinho, até a beira da praia. As ondas tocavam seus lindos pés, e ela estava relaxada. Ela caminhava bem devagar, contemplando o lindo mar mediterrâneo. A brisa fazia seus cabelos esvoaçarem, bagunçando um pouco, mas ela ficava muito linda e sua alegria, seu sorriso sereno em estar aqui para mim é satisfatório.
— Nadira, vem aqui, vou caminhar um pouco para sentir melhor a água.
— A senhora tem certeza? Acha seguro?
— Sim, vamos até mais a frente, quero sentir as ondas.
— Tudo bem. — Peguei um de seus braços e fui acompanhando, firmemente a nossa caminhada. Mesmo com as roupas, ela quer entrar então respeitei sua vontade. Fomos bem devagar, e as ondas começaram a cobrir os nossos pés, mais a frente a água do mar cobriu nossas panturrilhas. A sua expressão pálida agora estava iluminada pelo sol, que inclusive dá mais a cor a ela. Parecia outra mulher. Depois de caminharmos, a água estava cobrindo nossos joelhos.
— Bom. Senhora aqui já esta bom. — Ela ficou parada ali, calada e com os olhos fechados, sentindo a natureza ali. Eu fiquei ali, observando seu jeito de sentir o lugar, de admirá-la. Até me emocionei um pouco, que infelizmente ela não saia muito, e não tem muita saúde. Mas não deixei uma lágrima cair, se não ela perceberia.
— Fazia tanto tempo que eu não via esse mar. Pelo menos, se eu me for é essa a imagem que quero ter daqui.
— A senhora não deveria se preocupar com isso. Vai dar tudo certo. A senhora precisa agora descansar. Já se esforçou demais. — Peguei em sua mão, e guiei até a praia. Os outros estavam esperando e ajudaram a enxugar suas pernas. Ouvimos alguém se aproximando, eram três janízaros.
— Senhora, o príncipe Murad deseja a sua presença no castelo.
— Por que motivo?
— Digamos... é um assunto um pouco delicado.
— Bom, de qualquer forma estamos indo. — Fomos até o castelo, à princesa estava se sentindo cansada, mas ela queria saber que urgência estava chamando ela. Ela passou o caminho inteiro pensando que era por causa de sua gravidez.
Chegando ao castelo, nos aposentos do príncipe Murad, o vimos sério com uma carta na mão. Iskender estava ao seu lado, frio, de cabeça baixa e um semblante preocupado.
— O que houve vossa alteza? — A princesa reclamou enquanto sentava na cama.
— Recebemos uma notícia triste.
— Que notícia? — Eu fiquei preocupada, mesmo sem imaginar o tom de voz dele tornava preocupante.
— O meu irmão, Ahmed se suicidou.
— Oh meu Deus! — Fiquei em choque. Não pude imaginar que o príncipe Ahmed iria fazer isso.
— Por Alá. Murad, como isso aconteceu?
— Acharam o corpo dele, no próprio quarto, pendurado em uma corda.
— Mahidrevan perdeu agora dois filhos. Filhos maravilhosos.
— Sim. Com certeza não aguentou o sofrimento de estar sem o irmão, e ver sua mãe isolada do nosso pai.
Eu estava em choque. Não consegui esboçar nenhuma reação a não ser de surpresa. Meus olhos se encheram de lágrimas e minha respiração ficou ofegante. Não passava mais nada na minha mente.
— Nadira? — Só escutava a voz da senhora Vaisa ao longe, e minha cabeça apenas imaginava o quanto esses dias tinham sido bons para mim, mas eu havia esquecido completamente sobre o rapaz.
— Nadira você está bem? — O príncipe Murad interrompeu minha concentração profunda e triste.
— Estou. Ah... É que eu fiquei surpresa com a notícia.
— Você não está bem querida. Está pálida. Deveria descansar.
Eu assenti e sai do quarto dela. Iskender estava querendo me acompanhar, mas eu tratei de ser rápida para que ele não me alcançasse. Eu me deitei na cama, e fiquei olhando o teto e tentando enxergar a aceitação daquilo, não sabia o que pensar apenas eu fiquei chocada com a notícia e o pior de tudo é que nem mesmo eu procurei saber se ele estava bem. Ai meu Deus. Fiquei chorando ali, quietinha e sem ninguém por perto. Preferia assim, não quero ver ninguém, e nem mesmo que me vejam assim. Eu comecei a viajar nas minhas lembranças de quando nos conhecemos e o quanto nos aproximamos nos últimos tempos. De um garoto alegre Ahmed se tornou um rapaz sem brilho algum. A noite, sonho com Ahmed, e ele esta sorrindo, feliz e andando pelas flores do jardim de Topkapi. Ele olha pra mim com seus olhos brilhantes e mostra todos os livros que tinha, e estava entusiasmado com tudo aquilo. Meu coração se alegrou em saber que em nossos momentos de amizade, ele era feliz. Uma imensa luz apareceu no sonho, que encandeou tudo e após isso ele havia ido embora. Ele havia ido embora para um lugar muito alegre, brilhante e que o fizesse ser quem ele é, um jovem que infelizmente aqui não teve como compartilhar sua vida.
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