17. Caça na floresta.
Um mês se passou, o clima mediterrâneo de Alânya era bem diferente em Istanbul. Aqui chovia mais no inverno, enquanto na capital nevava. De vez em quando eu olhava o mar e sua tranquilidade pela janela. Lá embaixo as muralhas eram fortificadas e os guardas ficavam vigiando nas torres. Não havia visto mais Iskender esses dias, penso que ele tenha sido dispensado e voltado para a capital. A senhora Vaisa estava tendo o seu cochilo da tarde, e nesses momentos eu ficava aqui, tranquila e sozinha, admirando um pouco o mar pela janela. Gostava disso.
Resolvi sair para ver a senhora Vaisa, se ela despertou do sono, já estava quase na hora. Adaptar-me aqui foi mais fácil que pensei, os criados me obedeciam e eu fazia o melhor para o bem estar dela. Ela nunca me tratava mal, pelo contrário ela era compreensiva e sempre falava o que precisava. Era meiga, mas tinha uma saúde frágil, às vezes precisava de ajuda para levantar ou começava a tossir. E confesso que isso me preocupava.
— Ela acordou? — Pergunto ao eunuco.
— Não senhora.
Poucos minutos se passaram e a porta se abriu, e entramos. Ela havia acordado.
— Boa tarde senhora. — Apesar da idade, ela era muito bonita, suas curvas ainda conservadas. Mas era pálida, ela só comia quando eu insistia, e eu ficava feliz por conseguir fazer isso.
— Boa tarde. Acho que dormi muito.
— É o seu sono da beleza sua alteza. — Ela soltou um leve riso enquanto os eunucos abriam as cortinas e o sol iluminava o quarto.
— Não sou tão bela assim, mas você é.
— Não senhora. É muito linda, e ainda mais é gentil. — Ela abriu um sorriso e vestia uma espécie de quimono de seda e soltava os cabelos negros e longos para trás dos ombros.
— Ah, Nadira, amanhã meu marido e alguns soldados vão caçar na floresta. Passaremos, acho que uns três ou quatro dias. Eles querem caçar veados, javalis ou o que aparecer, e se derem sorte, até um urso como troféu.
— Urso? — Há ursos por aqui?
— Não aparecem muito. Mas um veado sim, um javali também. Eles vão competir, essas coisas de homens, você sabe.
— Ah sim. — Eu e os eunucos começamos a vesti-la, e eu penteava seus cabelos.
— Prepare minhas roupas, e eu mandarei para a nossa carruagem. Faz tempo que não saio do castelo, preciso tomar um ar, mesmo em um clima úmido como está no momento. Ah, quero ver como Iskender e Murad vão se comportar.
— Perdoe-me senhora. Mas Iskender está por aqui ainda?
— Ele vai ficar por aqui minha querida. Murad e Iskender são melhores amigos, e quando se trata de caça, competição... ninguém se compara a eles.
— Não sabia que eles faziam isso.
— Amanhã você verá. — Ela sorria, com certeza estava animada.
Assim que o sol estava aparecendo, uma comitiva com soldados, servos, eu, a esposa do príncipe e claro, Murad, estamos nos dirigindo até a floresta. Eu e Vaisa estávamos em uma carruagem, à estrada era de terra com pedregulhos, o que nos fazia balançar muito. Desagradável nesse ponto. O clima estava gostoso, com o sol aquecendo essa terra, e o vento nos refrescando.
— Em quem você está apostando? — Ela olhou para mim, esperando uma resposta satisfatória.
— Bom. Vossa alteza é um homem inteligente e com certeza tem suas habilidades, mas eu já ouvi falar muito bem das habilidades de Iskender. Diziam que ele venceu várias vezes em lutas com o falecido príncipe Mustafá. Então, torço para Iskender.
— Hum. Sim, Iskender é um ótimo janízaro, e suas habilidades são muito bem faladas... inclusive fora do quartel. Tenho percebido de longe que ele a olha.
— Eu? — Soltei uma risada que acredito que todo mundo lá fora tenha ouvido. — Senhora, eu não acredito nisso, digo... Iskender não pode se casar e eu o acho muito arrogante e mulherengo.
— Ele pode ser isso tudo, mas ele a olha de uma maneira diferente. Além disso, ele sendo janízaro ou não, isso não impede de que ele cumpra suas obrigações como homem.
Entendi o que ela quis dizer. Nesses dias eu venho percebendo que tanto eu quanto Iskender ficamos atentos a nós mesmos, no sentido de sentir algo. Sei que sinto algo por ele, sei que deve ser paixão ou algo assim. Não paro de pensar na vez que ele me beijou, e quando nos olhamos reconheço que ele se interessa por mim. Mas o meu maior medo é que ele possa me usar. Mas decidi mudar de assunto.
— A senhora e vossa alteza se dão muito bem. Com certeza planejam um herdeiro.
Logo ela mudou o semblante.
— Eu não posso ter filhos. Nós tentamos, mas na última vez eu perdi o bebê, estava com seis meses.
— Ah que pena, sinto muito.
— O senhor Devrim veio pessoalmente me visitar e disse que eu não posso mais engravidar, que eu não resistiria. Então, eu pedi a ele que encontrasse concubinas mas ele recusou.
— Entendo. Sei que deve ser difícil, mas ele te ama e não poderá jamais te trocar por outra.
— Mas ele precisa de um herdeiro. Um filho. Se eu não posso dar, alguém precisa fazer isso para ele.
Ela falou em um ar tão triste que me deu pena. De verdade. Como deve ser difícil ouvir comentários ruins, ou ser pressionada aqui para dar um filho a alguém. Meus pensamentos foram interrompidos quando a nossa carruagem parou.
— Ah, acho que chegamos. Eu abri a janela, mas levei um susto quando Iskender apareceu abrindo a porta.
— Iskender! Ai meu Deus, que susto.
— Bom, chegamos. — Iskender não estava vestido de vermelho como militar, hoje como convidado do príncipe, ele vestiu uma roupa turca muito bonita feita em couro e de cor preta. Usava um turbante comum, de cor preta, que eu nem mesmo imaginava que ele ficaria tão bem com outro traje, além do que nós já estávamos acostumados. Ele estendeu a mão para ajudar a senhora Vaisa a descer, com toda a delicadeza. A senhora Vaisa sempre se vestia bem, tanto para ficar no castelo, quanto para sair ao jardim ou apreciar uma caçada. Joias, brincos e tecido de seda eram suas marcas registradas, a mesma havia me falado que gosta muito de vermelho. Mas independente de qualquer cor, ela era linda.
Após ela descer, Iskender se posicionou em minha frente, me levantei do banco dentro da carruagem, ainda curvada, ele ofereceu seus braços para eu me apoiar, já que eu não me acostumo com o degrau da carruagem, ele me desceria direto. Por baixo do suas longas mangas de courp, os braços de Iskender eram firmes, consigo sentir os músculos dele enrijecidos, e com delicadeza sinto meus pés tocarem o chão. Em nenhum momento desviamos o nosso olhar, era nítido que correspondíamos algo e logo eu iria saber. Ele fechou os olhos e depois os abriu, pressionou o maxilar e disse:
— Está bem?
— E como não poderia estar?
Ele sorriu, e eu timidamente o retribui. Soltei seus braços e nos afastamos. Iskender não tirava o sorrisinho do rosto. Murad se aproximou, encarava Iskender e eu, mas graças a Vaisa ele voltou a sua atenção para ela.
— Vamos? Irão aprontar o acampamento ali. — Vaisa acompanhou o príncipe, eu tratei de ir logo atrás. Nem mesmo olhei para Iskender, mesmo querendo.
Quando o acampamento ficou pronto, Vaisa estava na sua tenda. Ela estava sentada em uma cadeira de madeira, de um design europeu creio eu. Eu estava dando um copo de água que ela havia pedido. Vieram outras servas, mas essas ficaram na parte de arrumar a tenda, de organizar os objetos que trazemos, como cobertas, baús de roupas e os homens junto com alguns eunucos organizavam os utensílios de caça. Murad estava lindamente vestido de azul escuro, combinavam com seus olhos. Ele e Iskender estavam organizando seus arcos, escolhendo os melhores punhais. Eles pretendiam encontrar um javali ou veado para ser preparado o jantar. Eles se divertiam e havia um ar de competição entre eles.
— A senhora não brincou sobre eles. Realmente eles competem muito, imagino quando entrarem nessa floresta.
— Você não viu nada. Com certeza vão colocar essa floresta abaixo.
Eu ri quando ela disse isso.
— E nós vamos acompanhar juntos?
— Não. Vamos ter que esperar aqui. Vamos saber quem ganhou depois que eles voltarem.
— Ah. — Perdi minha animação, imaginando como seriam os dois caçando.
— Ele é mais próximo de Iskender do que dos irmãos. Ele só era mais próximo de Mustafá, mas quando o sultão mandou mata-lo, ele ficou muito triste. De repente se sentiu isolado. Então o príncipe Murad chamou Iskender para passar uma temporada aqui. Já que a maioria das pessoas espalharam que Iskender participava de uma conspiração com Mustafá, mas Murad interviu logo, e conseguiu convencer o sultão e o conselho de que isso não era verdade.
Então era para isso que Iskender estava aqui. Para mostrar lealdade a família real, se não ele seria decapitado por suspeita de traição.
Os dois estavam prontos, com seus arcos presos nas costas. E punhado de flechas, em suas cinturas estavam com espadas. Outros janízaros foram juntos, cerca de dez homens os acompanhavam. Eles subiram uma colina e adentraram na floresta. No acampamento, ficou eu, Vaisa, um eunuco chefe e outros janízaros montavam guarda. Os cavalos e as carruagens ficavam presos. Não tardou muito para que o tédio tomasse conta. Se eu pudesse, os acompanharia para saber como está sendo essa caçada.
Algumas horas se passaram, eu saia de vez em quando para olhar além daquelas árvores altas, mas não vinha ninguém. Eu estava me coçando para dar um jeito de sair da li e ir caminhar lá fora. Resolvi conversar com Vaisa, talvez ela me atenda a esse pedido.
Ela estava com um dos eunucos que não recordo o nome.
— Senhora Vaisa...gostaria de saber se posso ter sua permissão para andar na floresta, digo... caminhar um pouco lá fora.
Ela me olhou estranho, com certeza não esperava eu me pronunciar.
— Na floresta? Mas é perigoso.
— É perto. Quer dizer... É rápido, apenas para tomar um ar.
— Ah mas fico preocupada. Mas eu vou deixar você ir.
Nesse momento, eu lembrei quando eu havia chegado a Istambul e minha mãe não queria deixar eu sair, porque tinha medo e eu vim parar aqui. Eu pensei: "se eu sair agora, vou encontrar o caminho de volta para casa?"
— Sim, prometo não demorar.
— Vou mandar um soldado ir com você.
— Não! — Até eu me assustei com esse tom. — É, bem rápido, eu volto já. — Saí rápido, antes que ela falasse alguma coisa.
Fui subindo até a colina, onde havia a transição entre a floresta e a planície em que o acampamento estava. Nesse momento sinto alta de um tênis.
Tinha que subir a bainha do meu vestido nessa travessia, mas era coisa rápida. É uma pequena ladeira. Quando conseguir passar das árvores fui recebida por um ventinho gostoso e frio, as árvores eram altas, não sabia identificar esse tipo de vegetação mas pelas antigas aulas de geografia, do ensino fundamental, com certeza é uma espécie de pinheiros. Estava andando perto da planície e entre a floresta, mas eu senti que me arriscar um pouco para dentro da floresta não faria mal. Eu escutava os sons dos pássaros, a floresta estava completamente viva, no sentido de sua natureza comum, sem a invasão humana de acabar com tudo. Entre os arbustos e troncos de árvores, eu avisto algo como um monte de pedras organizadas, uma em cima da outra. Parecia uma construção baixa. Fui chegando mais perto.
Era um grande poço, um buraco enorme envolto dessas pedras. Um poço no meio da floresta? Mesmo com perguntas eu estava tentada a descobrir. Pus minhas mãos na parte externa das pedras, que circulava o buraco, olhei bem fundo e era um buraco excuro, sem nada. De repente, eu senti um vento forte entre meus braços e meu tronco. Meu cabelo começou a esvoaçar. A mesma sensação que senti em Istambul no sítio arqueológico, eu comecei a sentir aqui. É um portal, o caminho de casa.
Uma felicidade me tomou, senti meus olhos lacrimejarem, e minha respiração estava ofegante. Eu sorria igual a uma criança, o vento queria me levar em direção ao fundo do poço, eu fiquei determinada a me jogar. Coloquei a primeira perna, depois apoiando-me, foi a segunda. Eu não olhava mais nada lá embaixo, além do escuro eu enxergava a minha mãe, meu avô... Agradeci aos seus nesse momento. Infelizmente meus devaneios foram interrompidos na hora em que eu quase conseguiria voltar para casa.
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