14. Mudanças
Mais tarde, fui até a biblioteca, mas ele não estava lá, então deveria estar nos aposentos, mas o pior é que eu tinha que ter uma permissão para entrar lá.
Andando pelos corredores, eu vi Murad com alguns janízaros, mas ele estava do outro lado do pátio, e não me viu. Mas nesse momento eu me preocupava com Ahmed, e cheguei em frente a seus aposentos, havia dois janízaros na porta.
— Peço permissão para falar com o príncipe Ahmed.
Eles riram, desconfiados.
— Ele não chamou ninguém. Vossa alteza não autorizou a entrada de ninguém.
— Por favor, preciso saber como ele está. Fale com ele, diga que Nadira está aqui.
Os dois se entreolharam, e sem dizer nada um deles entrou no quarto.
Fiquei surpresa pelos guardas me atenderem, mas receosa, não sabia como ele me receberia. Eu ficava andando de um lado para o outro, esperando o soldado voltar. Quando o guarda saiu daquela porta, fez um gesto consentindo a minha entrada para o quarto. Eu fiquei aliviada, isso significava que ele precisava de mim, e como confiava na nossa amizade, me permitiu, acredito a ser a única.
Quando entrei o quarto era parecido com os outros, tinha cortinas brancas na janela, tapetes que nós mesmas lavamos. A cama enorme com lençóis estampados e feitos de finos tecidos. Jarros, objetos e utensílios feitos de prata, ouro e joias. E lá estava ele, sentado em um divã azul, olhando sozinho para a janela, que estava fechada. Fiquei muito triste na mesma hora, aquela expressão cabisbaixa, abatida, não combinava com ele.
— Alteza. — Falei diante do silêncio ensurdecedor do quarto, ele se virou e com os olhos vermelhos, o rosto cheio de lágrimas e voz trêmula, falou meu nome. Parecia uma criança, que precisava de colo. Ele se levantou em minha direção. Eu o abracei forte, e pus a mão no seu cabelo macio, ele soluçava muito. Meu Deus, eu estava com o coração partido por ele.
— Meu pai matou meu irmão Nadira. Meu pai!
— Calma. Sente-se aqui. — Ele se sentou calmamente na cama assim que pedi.
— Meu irmão era inocente. Armaram contra ele, meu irmão nunca trairia meu pai.
— Claro que não.
— E agora, sem meu irmão aqui...vão me matar também.
— Não, você não tem culpa de nada. Nada vai te acontecer. — Eu passava a mão pelo cabelo dele, fazendo uma tentativa frustrada de acalmá-lo.
Eu não sabia o que dizer na verdade, mas eu queria ficar ali com ele, para cuidar.
— Rourem criou isso, ela e Rustem Paxá. Estão cegando os olhos de meu pai.
Essa era uma acusação séria, mas não duvidosa. A sultana Rourem irá afastar todos aos poucos, até os seus subirem ao trono.
— Precisa se acalmar.
— Vou voltar para Manisa o mais rápido possível. Minha mãe está lá.
— Não volte, não agora. Precisa estar bem para viajar, e sem a ordem de sua majestade, não pode sair da sua residência.
— Aqui não é mais o meu lugar. Tenho que sair daqui. — Depois de algumas horas, ele estava mais calmo e até adormeceu. Voltei para a minha atividade de criadagem.
Quando chegou a noite, eu não pensava em outra coisa, queria saber como tudo aconteceu. Meu espírito de historiadora estava me perturbando, quero fatos. Eu estava voltando de um dos quartos, cansada e com dor de cabeça. Eu senti um puxão me direcionando até uma parede entre os corredores. Meu coração quase saltou do peito.
— Ai Iskender!
— Fale baixo!
— Não tem como falar baixo, se você não sabe chamar para conversar! Mas preciso mesmo falar com você.
— Eu também preciso. Por que estava nas masmorras?
— Achei que soubesse, já que sua amante Ayla estava lá. Ela me afronta sempre por sua causa.
— Então brigaram.
— Foi culpa dela. Mas enfim. Conte-me, o que houve no acampamento em Cônia?
Ele suspirou, como se estivesse se preparando para elaborar um discurso.
— Durante a guerra contra os persas, o sultão solicitou a vinda do príncipe, que estava em Manisa, logo após a morte de Mustafá. Mas foi conspiração, por conta de Rustem Paxá e Rourem.
— Roustem Paxá, está envolvido?
— O exército quer a cabeça do vizir, em troca da morte de Mustafá.
— Ai meu Deus.
— Isso chocou a todos nós. O exército inteiro ficou furioso. Mustafá era como um herói... alguém digno de se tornar sultão. Nele acreditávamos que o império se reergueria. Quando ele foi levado para a tenda de Suleiman, ele sabia que iria morrer, mas não desobedeceu e nem mesmo o enfrentou. Do lado de fora não escutamos nada, se passaram minutos até tirarem um corpo de lá. — Iskender falava muito próximo, quase sussurrando, para que ninguém nos ouvisse. Era noite e quase todo mundo estava dormindo.
— Eu fiquei decepcionado, como o pai agiu dessa forma com o seu filho. Logo Mustafá que sempre foi um bom filho e leal com todos.
— Eu entendo. Mas como ficou depois?
— O exército trouxe o seu corpo, e Rustem Paxá foi afastado do cargo de vizir. Se isso não acontecesse, então o exército criaria uma revolta. Eu acreditava nele, nenhum janízaros nessa terra se atreveria a desobedece-lo. Como pode tudo isso, de uma hora para outra ruir?
— Bom, é assim que se segue o rumo das coisas. Os que não acabam bem, não podemos entender no momento, mas elas trarão algum significado no futuro.
Ele ficou calado, provavelmente refletindo sobre o que eu disse, pensando se fazia sentido.
Ouvimos alguém se aproximando, eram dois eunucos que estavam saindo de algum aposento, e o lugar onde estávamos era muito apertado, Topkapi tinha uma enorme estrutura, mas pequenas lacunas entre alguns corredores. Iskender chegou mais perto de mim, para que eles não pudessem nos ver. Sinceramente, fiquei incomodada, apreensiva, mas comecei a sentir algo estranho, uma presença diferente. Eu sentia sua respiração bem em cima de mim, nos entreolhamos e seu rosto estava atento ao meu, sua boca semiaberta, meu rosto estava em cima do seu peitoral, meu braço direito estava segurando fortemente seu braço, mas não tínhamos opção de nos afastar nesse estreito espaço e escuro.
Dava para ver bem que Iskender tinha toda aquela elegância que seduz, e era bonito. Tinha uma aparência máscula, mas que não o deixava com uma essência arrogante. Era do tipo, um cafajeste meio que mocinho. Nem sei se esse termo existe.
Meu Deus olha o que estou pensando. Pareço uma ridícula.
Esses poucos segundos foram os mais longos da minha vida. Estávamos nos encarando por muito tempo, assim que os eunucos passaram nos afastamos rapidamente. Confesso que fiquei sem jeito, com essa situação, mas fazer o que. Já passou.
— Bom, eu preciso ir. — Disse ele, meio desajeitado.
— Sim, claro. — Concordei no mesmo instante. E sai, sem mesmo me despedir. Foi embaraçosa a situação. Não posso me dar o risco de me aproximar assim, por uma aventura. Se bem que seria bom, mas não posso crer que aqui seja um lugar tranquilo para isso.
Quando cheguei ao meu alojamento, Ayla estava me esperando. Com certeza era para me perturbar novamente. Fui logo direta.
— O que foi? Quer brigar de novo?
Ela desviou seu olhar de mim, tinha um semblante triste ao olhar para as mãos, que estavam tocando seus dedos de modo perturbado.
— Não. Eu quero saber se me perdoou. Você não me deu resposta hoje cedo.
— Não foi uma noite agradável de dormir em uma cela não acha?
Eu estava com tanta raiva, que até pronta para discutir novamente eu estava. Mas respirei e raciocinei que independente de tudo, eu preciso escutar o que ela tem a dizer.
— Mas fala aí o que você ia dizer.
— Ah, é por que... — Ela chegou mais perto, outras meninas estavam distraídas comendo e conversando besteira. Aproveitei para pegar alguma coisa para comer e analisar o que ela ia dizer.
— Eu tenho ciúmes de Iskender.
— Sério? Nossa, nem tinha como não saber.
Eu estava sendo uma sarcástica e idiota. Mas estava gostando.
— Iskender e eu, nos conhecemos desde que éramos crianças, nós viemos da mesma província. Então nossos pais nos venderam aos mercadores do palácio, e viemos para cá, mas ele foi para o acampamento militar, e eu fiquei na ala das servas. Mas desde criança, eu sempre gostei dele. Nunca me veio o pensamento de alguém o tomar de mim, daí você apareceu.
— Então, você pensa que eu e Iskender temos algo então. Só porque ele me trouxe do mercado naquele dia?
— Ele não tem me procurado com tanta frequência. Acho que não se interessa mais por mim.
— Dilara sabe disso? — Ela confirmou, fazendo um sinal com a cabeça.
— Mas eu tenho tido cuidado. Ficar grávida aqui não é bom. Elas nos põem para fora. Os janízaros não podem casar então o que resta são apenas momentos para nós.
Eu só fazia comer um pão com um pouco de suco que estava na mesa, na verdade eu estava com muita fome e o que ela falava não me convenceu muito.
— Ayla, eu entendo seu ciúme e o que você passou. Mas não tenho nada com Iskender, vê se para de paranoia e não surta tanto. Não será bom para nós.
— Tudo bem. — Ela se conformou, mas ficou fazendo perguntas. — E você? De onde veio?
— Armênia. — Mentir sobre isso estava virando costume.
— Bom, as mulheres daquela região, ouvi falar que são muito bonitas.
— É mesmo? Eu sou do tipo teimosa sabe.
— Ser teimosa não é tão vantajoso aqui.
— É, sei que não. — Coloquei um pedaço enorme de pão, mesmo com a boca cheia.
Uns minutos em silêncio deixou a atmosfera estranha ente nós. Mas ela quebrou o silêncio.
— E então, me perdoa? — Ela parecia um cachorrinho pedindo atenção.
— Claro que sim. Mas não faça qualquer escândalo novamente.
Naquela noite, fiquei um pouco feliz por dormir na minha cama, não era a melhor, mas não deixava minhas costas doendo igual ao chão da cela da prisão. Eu havia tomado um banho, e estava exausta, nesse momento relaxante eu só queria deitar e levar meus pensamentos bem longe. O dia foi muito estressante, coloquei meu antebraço por cima da minha testa, estava tudo escuro. Não parava de pensar naquele momento com o Iskender, parecia besteira mas... foi estranho, e ao mesmo tempo... bom.
Enfim, melhor acabar com as ilusões. Peguei no sono logo em seguida, esquecendo desse pensamento.
Uma semana se passou, e não avistava o príncipe Ahmed, mas eu confiava em que ele estivesse bem. Eu estava arrumando alguns quartos, tirando a poeira, junto com as outras servas. Eu ficava conformada com esse trabalho braçal, pois minha mente não ficava tão perturbada ou ociosa. Preferia assim. Está eu e mais três servas fazendo o serviço. Decido voltar junto com elas, depois de arrumar tudo. No corredor, Selim estava vindo em nossa direção. Nós nos curvamos a ele, mas ele não parava de tirar os olhos de mim, veio em minha direção.
Ai que droga.
— Então está na ala das servas servindo aos meus irmãos? Estranhei quando não te vi pelo harém.
— Sim, acharam melhor me mudarem para a residência dos príncipes. — Respondi sem ter contato visual com ele.
— Aqui não perece combinar com uma moça como você. — Ele pegou no meu queixo, subiu minha face para que eu o encarasse, mas não me atrevi. Mantive-me calma e apenas esperando o momento dele ir embora. Ele é bonito, não tão alto, olhos azuis, ruivo, com uma barba levemente aparada e pele um pouco rosada. Tinha os traços de sua mãe. Mas me dava medo, parecia um lobo que ficava a espreita, me devorava com os olhos e eu ficava enojada com isso. Ele ficava acariciando meu queixo, depois passou os dedos pelo meu rosto.
— Por que não vem comigo para o meu quarto? — No mesmo instante, Murad apareceu, estava junto três janízaros, dois eunucos com ele. Tratei de me afastar daquela situação, fiz a reverencia e eu e outras servas saímos.
— Nadira? — Murad gritou. — É com você que quero falar.
Eu voltei imediatamente, fui até o príncipe Murad.
— Ora, o que quer falar com a escrava?
— Não é de seu interesse Selim. — Murad respondeu educadamente.
— Ela á a serva mais disputada desse palácio, seu interesse deve ser o mesmo que o meu.
— Não, certamente não. Venha Nadira, eu e a senhora Dilara precisamos conversar com você. — Tratei de segui-lo logo quando saiu de perto de Selim. Fiquei feliz, sorrindo de lado porque eu tinha conseguido me livrar daquele idiota.
— Eu fiz algo de errado alteza?
— Ele se virou e deu um belo sorriso. Seus olhos azuis brilhavam. — Não, claro que não. Vou te explicar. — Fomos até em um dos quartos, só eu ele, logo vimos à senhora Dilara sentada em uma cadeira, avistando o Estreito de Bósforo pela janela, e nos esperando. Ela parecia tão majestosa sentada elegantemente. Seus traços de uma mulher madura a faziam temida, mas respeitada.
— Ah encontrou a senhorita. — Pois bem. Eu e a vossa alteza, o príncipe Murad tomamos uma decisão sobre você.
— Decisão? Como assim? — Perguntei a ela mas Murad que estava ao meu lado, caminhava devagar até ficar na minha visão, bem de frente.
— A moça irá comigo, até a província de Alânya, onde resido. Ficará como dama de companhia da minha esposa. — Ele falou com um sorriso tão meigo que quase me encantava.
— É... bem... nossa. — Eu fiquei surpresa, nem palavras poderiam me dizer.
— Ora é uma oportunidade incrível. A princesa Vaisa, esposa de Murad é muito generosa. Sua última dama de companhia morreu de uma doença. Ela ficou muito mal, então vossa alteza, pediu para mim que eu solicitasse uma serva de minha confiança. Mesmo não sendo íntimas eu achei melhor que você fosse a escolhida, é competente e obediente também. — A senhora Dilara falava tão bem, que me passou confiança. Eu suspirei e me posicionei diante disso.
— Eu fico muito agradecida. Quando iremos?
— Deixaremos Istambul na próxima semana.
Eu fiquei parada ali, presa no pensamento repentino de uma mudança que não imaginava. Se eu estiver fora de Istambul, então ficarei mais longe de achar o caminho para voltar para casa.
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