Capítulo 4 - O encontro
(1788 palavras)
No caminho para o shopping, ele comprou um girassol. Particularmente, odiava rosas, achava a coisa mais genérica que havia. Assim que a garota de vestido branco viu aquela flor amarela gigante, ficou incredulamente encantada. Pitoresco, no mínimo. Os dois decidiram parar para tomar um sorvete antes de seguirem jornada.
— Você usa o girassol para todas? — Ela perguntou quando os dois se sentaram.
— Claro. Tenho uma plantação em casa só para isso. — Ele brincou. — Juro, você me dá a mesma sensação que ver um girassol. Desde que te vi naquela parada. Tão presa no seu mundinho de Dan Brown, mas irradiava alegria, sendo uma gigante sem nem perceber. É o próprio sol.
Sara baixou a vista, tentando esconder que suas bochechas coraram. João, que não era muito dado ao flerte, não sabia bem de onde suas respostas vinham. Parece que a vida lhe economizou cantadas durante seus 24 anos para usar de maneira certeira com aquela mulher apenas.
— Quem te ensinou a ter tanta lábia? — Sara se aproximou por sobre a mesa.
— Te conto no nosso terceiro encontro.
— E quem disse que vamos chegar lá?
— Pelo tanto que você morde os lábios enquanto fica olhando minha boca, algo me diz que isso não vai acabar só com três encontros.
Ela se aproximou mais ainda dele e o rapaz avançou para a beijar. Mas a garota recuou na última hora, ajeitando-se com um sorriso provocativo para ele.
— Se seu beijo for tão bom quanto sua lábia, talvez você esteja certo. — Ela andava de costas, parecendo o atrair até si. — Mas não se engane, não sou fácil assim.
Definitivamente não era. Aquela mulher já estava atiçando a mente de João há mais de mês, fazendo-o mentir sobre sua realidade e instigando-o a planejar um futuro grandioso para que pudesse merecer a manter em sua vida. Sara era o tipo de mulher que se encaixava em sua fantasia de vida perfeita. Ela, por sua vez, saciava o desejo dela de sair um pouco de sua bolha da high society, sem destoar tanto esteticamente do que era esperado de alguém tão bem criada quando a jovem.
Quando chegaram ao cinema, frustraram-se ao descobrir que a sessão que tanto queriam ver já tinha esgotado. Eram 16 horas, logo começaria o pagode que João gostava. Desde terça-feira, ele vinha insatisfeito por mentir sobre ter um carro e queria mostrar para a garota quem ele realmente era. Dentre os muitos defeitos do rapaz, ser mentiroso não era um.
— O que acha de mudarmos os planos? Tem um lugar que, se você não gostar, só me avisar e vamos embora na hora. — O olhar espantado da garota o fez chegar em uma conclusão óbvia que suas meias palavras poderiam levar. — Calma, não é motel. É uma festa do meu bairro, no meio da rua. Mas é bom. Prometo.
Sara concordou um pouco assustada. Mas pensou um belo "por que não?" antes de entregar a chave do seu carro para João. No meio do caminho, a mulher já estava se arrependendo. Os prédios altos ou casas luxuosas deram espaço para as residências padronizadas de construção em lotes. A mãe dela sempre dizia que você conhecia o tamanho da conta bancária de alguém pelo tamanho dos números no muro de suas casas. Um pensamento passou pela mente dela:
Quão quebrado alguém teria que estar para escrever com tinta?
João estacionou em frente a uma casa azul piscina que, ao menos, tinha número. Era nítido que ele estava nervoso, aquela mulher não parecia caber naquele espaço. Que ideia de jerico!
Parabéns, João Carlos! Excelente forma de colocar a garota para correr.
— Vamos ficar parados aqui ou vai me levar para onde quiser? — A voz dela era baixa, quase que um sussurro.
Ele colocou o maior sorriso que podia e foi abrir a porta para ela. Os dois desceram três quarteirões até chegarem ao pagode que ficava no meio da rua. João se surpreendeu ao ver que, sem nenhuma frescura, a jovem Sara chegou no bar e pediu uma cerveja, não se inibindo de beber direto na latinha. O pensamento dela era o mesmo que o dele outrora. Está no inferno, abraça o capeta. Se nada ali era comum ao que ela vivia, não havia motivo para a própria se porta como sempre. Sara era um camaleão social.
— Não bebe? — Ela estava chocada, perguntando no meio de uma roda de amigo deles.
— Joquinha aqui é um santo, dona Sara. — Um senhor de seus cinquenta anos abraçou o rapaz. — Esse aqui é rapaz pra casar. Único vício dele é dançar. A dona sabe?
Ela fez um sinal de "mais ou menos" com as mãos, levemente envergonhada. João aproveitou a sua mão estendida e a puxou para o meio da roda, mostrando-a como dar os passos e logo a puxando para si. Passaram até as nove lá, dançando e ela bebendo. Quando o barzinho do seu Zé fechou, encerrando a festa, a garota perguntou se podiam ir para outro canto até o efeito do álcool diminuir. Ela não poderia chegar em casa naquele estado, mesmo que não estivesse fazendo nada demais. Sua mãe a mataria.
João, apesar de receoso, decidiu a levar para sua casa, a qual ele estacionou o carro bem na frente. Eles andavam lado a lado, o rapaz segurando a mão da moça para a guiar no trajeto. Sara se deleitava ao falar das coisas que lhe pareciam absurdas naquela festa, mas que João só pensava que era o seu cotidiano. Ele entrou na residência na ponta dos pés e praguejando contra os sapatos de sua alcoolizada acompanhante.
— Luninha, mamãe está em casa?
— Foi para a igreja. Quem é essa, Joca? Não acredito que trouxe uma mulher pra casa. Tá namorando?
A garota de 22 anos estava demasiadamente animada. Seu irmão já tinha levado mulheres pra dormir lá sem sua mãe saber? Claro! Luna acobertou cada um dos casos, mas essa era diferente. Não parecia ser um mero esquema. Ao menos, o semblante bravo de João indicava para sua irmã não se prolongar naquela conversa para não estragar seu romance.
— Prazer, sou a Sara. — Ela estendeu a mão, sorridente. — Não estamos namorando, não. Acha que eu faço o tipo do seu irmão?
— É muita areia pra o caminhãozinho dele. — A irmã tinha uma risada mais infantil. Não era similar em nada a João. — Prazer, sou Luna.
— Tem algum aviso que queira me dar, Luna?
— Ele é muito estraga prazeres.
— Chega vocês duas. — João estava ficando constrangido. — Vem, Sara. Minha mãe fez um doce de banana. Vai te ajudar a melhorar.
Ele a puxou para a cozinha. Sarinha não pôde evitar comparar com sua casa. Aqui era tudo diminuto, objetos que variavam formas, cores e design. Bem diferente da sua ampla cozinha planejada com uma ilha central.
João lhe serviu um pote recheado de doce de banana, umas frutas cortadas que estavam na geladeira e colocou um copo de água naquele típico pote de extrato de tomate. A cada movimento dos olhos dela, ele sentia um julgamento e que logo ela estaria correndo assustada com o que via. Era uma mulher bem criada muito longe de casa.
Porém, surpreendentemente, a mulher tomou uma enorme colher do doce na sua boca, virou sobre os calcanhares e se recostou sobre a mesa de perna bamba, olhando-o de cima a baixo. O efeito do álcool era a deixar mais desinibida e ela passou tempo demais apenas imaginando como era o gosto do beijo dele. Não era um pote de extrato de tomate que iria findar sua curiosidade.
Ele se aproximou lentamente dela, tomando suas mãos e brincando com seus dedos. Não gostava de mentir e aquela pequena mentira no início da semana vinha corroendo seu juízo. Precisava falar a verdade.
— Sara, antes que seja tarde... — Ele estava nervoso. — Eu preciso deixar as coisas bem claras. Sou um estagiário, tenho um meio emprego que recebo mal, não tenho carro, venho de uma família quebrada. Mas eu também sou esforçado. Conquistei muito já em relação de onde saí e conquistarei mais. Não vou conseguir te dar agora as coisas que você merece, mas um dia...
Antes que ele conseguisse continuar, a garota avançou e lhe beijou a bochecha com ternura.
— Por agora, sua honestidade basta. — Sara bateu com a parte convexa da colher nos lábios de João quando esse tentou selar um beijo. — E, talvez, um pouco mais de cortejo e um pouco menos de galanteio no próximo encontro.
Aquelas palavras incomodaram a garganta de Sara ao serem pronunciadas. Ela o beijaria sem hesitação se não tivesse bebido, mas no estado atual parecia errado, principalmente estando na casa dele. Havia um receio de ser mal interpretada.
João se surpreendeu primeiramente ao ser recusado e, logo depois, por ela não parecer desconfortável com sua simplicidade e apreciar a verdade. Afastou-se da mulher, mantendo o olhar fixo nas íris dela, e pegou uma colher de doce de banana para si.
— Sarinha. — Aquele apelido pinicou em sua boca, uma prazerosa sensação. — Então teremos um segundo encontro?
Antes que João pudesse provar do doce, Sara tomou a colher da mão dele e consumiu uma abocanhada só tudo.
— Tá brincando? — O sorriso impulsionado pelo álcool tinha perdido sua perfeita medição, sendo mais amplo do que ela esperava. — Se você me prometer levar esse doce nos nossos próximos encontros, teremos quantos você quiser, Joca.
— Anotado. — Ele tomou sua colher e finalmente pode consumir aquele manjar que só sua mãe sabia fazer. — Vou pedir a receita para mainha ainda hoje.
— Acho bom. Segunda estarei na concessionária, caso importe.
João riu, parecia que o destino estava a seu favor. O curso noturno usualmente não lhe daria a chance para tal saída. Todavia, excepcionalmente está semana, a professora das primeiras aulas tinha viajado para um congresso e ele estaria livre. Sorrindo pela felicidade do acaso, ele respondeu com segurança.
— Separa o começo da noite. Assim que sair do escritório, vou te mostrar o melhor pôr-do-sol dessa cidade.
Na mente de ambos, havia a certeza que aqui levaria para bons caminhos. Simplesmente, parecia certo um estar ao lado do outro, extraindo um lado inconsequente e uma necessidade de se tornar melhor em ambos. Em seus corações, uma pequena fagulha começava a surgir e uma voz lhes dizia quase como um sussurro: essa é a pessoa da minha vida.
Leitor meu, caro leitor. De antemão já lhe peço perdão por corromper o romantismo com minhas próximas palavras recheadas de um clichê barato, mas:
Esse é o começo do fim.
Do fim de Sarinha, João Carlos, de Luiz e, de certa forma, meu. Por favor, não me abandone agora. Preciso que minhas próximas palavras sejam lidas para que, talvez assim, eu não seja mais que um sopro do vazio que me forma.
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