Capítulo 2
Meus olhos estavam tão pesados. Acordei no mesmo segundo, me ergui da cama e procurei o celular no bolso.
Estava na enfermaria da escola, novamente. Nem me lembrava do cheiro enjoativo desse quarto, fazia um bom tempo que não entrava aqui.
Sr. Marquez já veio ao meu encontro, perguntando como estava enquanto eu tentava mentir sobre meu estado. Não gosto de perguntas, normalmente sou eu quem as faço.
— Seu pai já está a caminho. — Ele disse em pé, me levantei e peguei meu celular.
— Estou bem. Não deveria ter chamado Peter. — Me virei e andei até a porta, abrindo-a.
— Seu amigo ficará feliz em saber que acordou. — Disse e olhei para trás, parada na porta.
Não vou perguntar como parei na enfermaria, mas também não vou ficar sem saber quem foi capaz de tocar em mim.
Tudo o que me preocupava no momento era os questionamentos de Peter sobre uma pequena recaída após meses sem nenhuma. Odiava sua perguntas frequentes, agora teria que suportar isso novamente.
— Peter não é meu pai. — Eu disse raivosa enquanto olhava o Marquez da porta. — E não tenho nenhum amigo.
Bati a porta e virei no corredor, ainda sentindo a dor de cabeça latejar no lado direito.
Caroline estava me esperando na porta, com o celular no ouvido e gritando com alguém. Ela guardou rapidamente quando me viu, vindo até a mim.
— Você está bem? O que aconteceu? — Perguntou segurando meus ombros.
— Eu apenas desmaiei, não morri. — Eu disse sorrindo.
— Pessoas não andam desmaiando por aí, mocinha. — Ela disse com o rosto fechado.
— Rose Mariana não é como as pessoas por aí. — Ouvi a voz de Peter e ele apareceu na porta, fazendo Caroline baixar o rosto e ficar reta ao meu lado. — Eu conheço você de algum lugar?
— Não, senhor. — Ela disse sem levantar o rosto e virou para mim. — Depois falo com você. — Saiu sem dizer mais nada.
Eu sorri. Peter causava medo nos jovens, eu gostava da sensação de ser a única que não sentia tal sentimento.
Olhei para ele e parei de rir, me virando e descendo as escadas em direção a rua.
— Quando mais jovem, o medo era a única coisa que não sentiam. — Peter disse me alcançando.
— Claro que não. Estavam apavoradas tentando sair das cordas que colocavam nelas. — Eu disse chegando até o carro preto e abrindo a porta do passageiro.
— Algumas gostavam. — Ele virou e levantei o olhar, antes de entrar.
— "Algumas". — Entrei e vi ele fazer o mesmo.
— O que aconteceu com você hoje? O que te causou isso? — Ele perguntou colocando o sinto, sem olhar para mim.
— Cuidado vovô, daqui a pouco pensarei que se importa. — Eu disse fazendo o mesmo que ele.
Ele não disse nada, apenas ligou o carro e deu partida. Eu sorri satisfeita e chegamos em casa, enquanto passei o resto da tarde com o celular nas mãos.
A noite não demorou a chegar, tomei meu banho e desci.
Tentei não falar nada durante o jantar. Peter se quer olhou para o prato. Seus olhos estavam concentrados em mim.
Não deixei isso me impedir de alimentar. Talvez sua expressão fechada fosse intimidade um dia, mas isso passou.
— Certas coisas nunca mudam. — Sua voz rouca me fez levantar a cabeça e o olhar firme.
— Não quero que mencione elas, por favor. — Afastei o prato para o lado.
Meu avô balançou a cabeça para o lado, analisando meu rosto e procurando algo que só ele sabia oque era.
Odiava quando ele fazia isso. O olhar psicopata que seu irmão deixou sempre assombrava de alguma maneira.
— Você precisa lidar com a perda, Mariana. — Disse afastando o seu prato para o lado. — Dezesseis anos é muito para quem não viveu ele.
— Isso incomoda você?
Peter tirou sua expressão séria e abriu um sorriso amarelo como se eu estivesse chegado no ponto certo da conversa. Virou o rosto para o lado e pegou seu charuto o ascendendo logo em seguida.
Seus cabelos estavam ficando grisalhos. Isso o dava a expressão de mais velho, mas nunca fraco.
Pelo menos não ainda.
— Muito pelo contrário, pequena. Você precisa lidar com isso, porque não será as únicas mortes que enfrentará.
Não era uma ameaça. Além do mais, quem eu amo o bastante para que ele pudesse matar?
— Pode arrancar a cabeça de todos em minha frente. Não cairá uma gota de lágrima. — Disse, ainda séria.
— Você só tem dezesseis anos, Mariana.
— Você tinha dezessete quando estuprou uma pessoa.
A mesa quase saiu do lugar quando Peter bateu, com toda a força, suas duas mãos sobre ele.
Agora, seu ódio transbordavam de seus olhos.
Nesse momento, o diabo era meu melhor amigo.
Isso me fez lembrar do sangue semana passada. Escorrendo de meus lábios, esfriando em meu queixo e respingando no chão.
Foi a primeira vez que ele me deixou com medo, e provavelmente a última.
Eu o conhecia bem. Sou a única pessoa, desde Paul Cooper, que conhece bem esse homem em minha frente.
Sei oque o atinge. Oque o deixa irritado. Oque o deixa triste. Também sei oque o destrói.
— Próxima vez que tocar nesse assunto, irá se arrepender amargamente.
— O que irá fazer? Matar meus amigos?— Perguntei, baixa: — Que amigos?
— Não me provoque, Rose Mariana. — Fechou as mãos sobre a mesa. — Você não sabe do que sou capaz.
— Sei exatamente do que você é capaz, vovô. — Sussurrei, sem tentar ficar muito indiferente.
— Irá se destruir caso não me obedeça.
— Sei que não me machucaria, me ama como um condenado. — Abri um sorriso de lado. — Talvez quem irá se destruir tendo uma fraqueza nas costas é você. Porque eu, vovô, não tenho ninguém para merecer esse meu lado sentimental. Absolutamente ninguém.
— Ainda não.. — Ele para assim que ouve três batidas na porta.
Oque o assustou. Essa hora?
Meu avô sumiu da sala de jantar e foi ver quem era. E claro, com um pé atrás.
Oque mais me deixava curiosa nesses dez anos ao seu lado, era que ele sempre fugia de alguém. E dessa vez, não era minha família.
Nunca pensei que alguém o faria medo. Quem seria esse cara que deixava Peter Cooper de joelhos? E porque?
Quem é Jhon?
Sempre que esse nome é mencionado por alguém "amigo" de Peter, toda a casa muda. Ele fica apreensivo, paga homens para rondar a casa e pensa em mudar de cidade.
Era medo?
— É pra você. — Ouço ele dizer e me levanto da cadeira de mármore. — Um "amigo", Rose Mariana. — Abriu um sorriso malicioso.
— Ou uma marionete. Soldado falso para despistar o inimigo. — Eu rebato e passo por ele sem olhar para trás, tentando evitar seu olhar.
Certo. Quem era?
Fui até a porta e desci a escada, dando de cara com Dominink Riles. O esquisito da escola.
— Olá, meu amigo. — Disse alto. Sei que Peter ouve. Suas escutas são tão bem escondidas que até os vizinhos as vêem.
— Venha, vamos dar uma volta.
Quase pulei nos braços de Dominik. O mal cheiro forte de cigarro estava impregnado nas ondas de seus cabelos negros.
Eu já estava acostumada com os charutos de meu avô, mas esse cheiro e aroma era totalmente diferente. Novo, mais suave.
Seus olhos, que pareciam ser escuros pelo excesso de lápis de olho, estavam arregalados e surpresos.
Segurei nos dedos dele — Suaves como de uma menina —, agarrei forte e o puxei para longe.
Olhei de relance para trás e vi os ombros altos de Peter e seu olhar sério. Sorri sozinha e andei de mãos dadas com Dominik até virar no quarteirão.
— Agora pode ir parando com a farsa. — Ele solta de minha mão e me encara assustado. — O que foi isso? Briga de pai e filha?
— Ele não é meu pai. — Corrigi olhando em seus olhos escuros. — E você? Nunca nem trocou uma vogal comigo e já bate na minha porta às dez da noite?
Ele ficou em silêncio por alguns segundos demorados e expirou alto.
Ainda sem dizer nada, ele tira a mochila das costas e abre o zíper.
— Faz uns dias que deveria ter mostrado. Não tive tempo. — Começou a dizer seriamente. — Conhece esse cara? — Tirou uma foto e virou para mim. Pegou seu celular e ligou a lanterna para que eu pudesse ver.
Cabelos grisalhos. Era um idoso, em decadência. Um miserável, eu diria. Prestes a morrer pelo estado deplorável que se encontrava.
— Não. — Fui direta. — Porquê?
— Porque ele tem seu sobrenome.
Curioso. Um fato nada novo, já que não conheço todos os Courtney.
— E como sabe meu sobrenome?
Peter me ensinou muito durante esses dez anos ao seu lado. Me fez o temer bastante, o odiar, reprimir. E acima de tudo, de alguma maneira reconfortante, ele me fez gostar dele. Uma pequena simpatia, mas com certos limites.
Meu avô me ensinou a desconfiar de todos, porque nem sempre ele pode ser o inimigo.
Há outras pessoas que odeia todos os "Courtney's".
— Foi na escola. Mas isso não é oque interessa. — Sacudiu a cabeça desajeitado. — É esse cara o problema. É seu parente e você não conhece?
— O único parente que conheço é o Peter. — Disse rápido, séria e verdadeira de alguma maneira.
Dói. Mas era a verdade. Eu odeio Peter, mas também tenho afeto a ele. Cuidou de mim desde pequena — do seu jeito psicótico, mas cuidou.
Ninguém veio me ver por mais de dez minutos a cada cinco anos. Nunca me perguntei o motivo, de era medo ou desprezo. Me desinteressei quando soube de Tyler. Tudo a minha volta foi negado da forma mais cruel possível.
— Jhon J. Courtney, esse nome te lembra alguém?
Sim. Me lembra o medo de Peter.
— Deve ser um parente distante. — Disse olhando para o céu e percebendo o quão escuro estava. — Mas que merda você quer com algum parente meu? — Baixei o olhar e o encarei com certa suspeita nos olhos.
Dominik deu um passo atrás.
— Que bom que não o conhece. — Ele suspirou. — Não é uma boa pessoa. — Virou para o lado guardando a foto na mochila e fechando o zíper.
— O que você tem a ver com isso, Dominik? — Observei ele por alguns segundos. — Quer ganhar moedas e ficar famoso na escola por saber mais do meu passado do que o restante dessa cidade hipócrita?
Desabafei. Mas era a verdade.
— Ele é um assassino, Rose.
Isso não é uma surpresa. Minha avó era assassina assim como minha mãe foi um dia. Meu "pai", Tyler, também era um assassino. E Peter, o pior dentre eles, é um assassino psicopata.
— Ainda não me respondeu a pergunta, Dominik. — Dei um passo a frente. — O que você tem a ver com isso?
— Não te conheço para desvendar alguns de meus dramas. — Levantou o ombro. — Vamos, te levo até a porta.
Assim que virou as costas, segurei seu ombro e o puxei para mais perto. Olhando ele em uma distância mínima, sentindo todo o cheiro insuportável de cigarro, o encarei.
— Não gosto de intrusos em assunto que envolvem meu sobrenome. — Disse séria.
Senti seus nervos incharem e de alguma maneira eu soube que era medo.
— Eu sei bem o caminho até minha casa. — Soltei ele absurdamente com força e ele me encara assustado. — Tome cuidado, Dominik. Se ele é um assassino como diz ser, você pode acabar se tornando uma vítima.
Ele não disse mais nada, simplesmente saiu e desapareceu na rua escura me deixando sozinha no quarteirão.
Eu ri. Uma garota de dezesseis anos como eu, criada por Peter Cooper, merece o medo de qualquer um que cruzar o seu caminho.
— Oque faz essa hora na rua, Rose?
Me virei calma, colocando o cabelo para trás e dando um sorriso discreto.
— Oi, Tio Robert. — Abracei seu corpo.
Não vi interação entre vocês no último capítulo, estão gostando?
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