Capítulo 8 "Bateste-me no rabo?"
Ele caminha a passos largos e fica ao meu lado a olhar entre o Harry e a pequena e assustada Julieta. Eu sou muito burra! Como é que não me lembrei que isto era uma ideia terrível?
-Harry por acaso não fui explicito da primeira vez que lhe pedi para não andar a vaguear pelos pisos que não são os seus.
Os meus olhos não deixam os do Harry e acho que ele parece perceber que estou nervosa, muito nervosa.
-Mr.Pella estava simplesmente a tratar de assuntos de trabalho.
A voz rouca do Harry é contida, mas conheço-o há tempo suficiente para saber que tem raiva escondida por debaixo da superfície e a única razão para não começar a levantar a voz é porque este é tecnicamente um superior.
-A sério? Pareceu-me mais que estava a tocar na minha funcionária em horário de trabalho, isso é contra as regras da empresa, nada de confraternização especialmente com o pessoal.
Harry levanta-se e olha para mim a sorrir, depois olha para Mr.Pella e deixa que o seu veneno contamine o ar.
-Tenho o pressentimento que o Finn e a Anne do departamento de recursos humanos estão casado há cinco anos.- Depois vira-se para mim.- Às nove e meia, mando-te mensagem com o sitio, ou a Megan fiz isso.
Ele anda através de nós e quando entra no elevador que Mr.Pella deixou aberto vira-se e ainda sorri. Ele está a arranjar-me tantos problemas. A minha mão enfia-se no cabelo e massageio o coro cabeludo. O meu corpo e o de Mr.Pella estão tão direitos e alinhados que ia jurar que algum general nos posicionou. Se eu ficar aqui até ás onze da noite a trabalhar juro que o mato, e desta vez acerto-lhe na cabeça.
Quando viro a cabeça para o lado o ombro de Mr.Pella parece maior e mais longínquo que nunca, olho para a cara dele e vejo-o, os olhos escuros com um sentimento estranho que não consigo nomear. Este homem tem qualquer coisa que me deixa desconcertada, para além da sua cara ridiculamente bonita.
-Vai dizer alguma coisa Julieta?
Porque é que ele me pergunta sempre isto antes de disparar alguma coisa? Juro que está a dar-me uma oportunidade de me defender quando nem sequer o devia fazer. Na verdade, quero dizer que ficas feio quando fazes caretas e pareces um tirano hoje a gritar com toda a gente por isso segura as calças!
-Não Mr.Pella, o senhor?- Acho que hoje já abusei da minha sorte.
-Será que falo chinês consigo? É a única razão para me desafiar constantemente.
Cruzo os braços e preparo-me para falar quando ele arqueia as sobrancelhas como que a pedir-me que pense melhor.
-Não o estou a desafiar só porque o meu colega me veio falar.
Ele gira nos calcanhares e fica á minha frente.
-Mas faz isso quando eu especificamente disse que não queria que o fizesse.
-Estamos só a trabalhar.
Ele ri-se, os olhos azuis dele fecham-se como uma fortaleza de aço e depois volta a abri-los como se a piada deixasse efetivamente de ter graça. O seu corpo dá um passo na minha direção e olho para o peito enorme dele. Ele ia esmagar-me em questão de segundo se quisesse. Claro eu tentaria dar-lhe um pontapé no meio das pernas, mas o homem parece feito para caçar.
-Não me faça de idiota, a não ser que de cada vez que a menina for ao meu escritório eu comece a mexer-lhe no cabelo.
Esgueiro-me para trás para que possa olhá-lo de frente e coloco as mãos à frente do corpo.
-Não me parece que o meu cabelo ajude muito ao trabalho.
Os olhos dele passam pelas mechas castanhas e depois volta-se para os meus olhos.
-Concordo plenamente Miss.Cross, por isso vamos todos manter as nossas mãos guardadas, incluindo o seu amigo, eu não digo isto por tirania, mas aqui é o sitio onde se trabalha, ali fora.- Ele aponta para a rua.- O mundo é seu.
Os nossos olhos estão ligados por um fio condutor que pode levar à explosão iminente, no entanto, ambos nos mantemos calados.
-Muito bem Mr.Pella.
-Não, não me responda muito bem senão está muito bem.
A minha paciência evapora-se de repente.
-Eu não controlo as ações dos outros Mr.Pella, eu não vou cortar-lhe as pernas e impedi-lo de vir até aqui.
-Se não lhe responder tenho a certeza de que ele para de a chatear.
Reviro os olhos e afasto-me dele, não posso ser insolente, ou mal-educada, mas ele está a agir como se eu agarrasse o Harry e fizesse dele um boneco. Começo a empilhar os documentos que imprimi e quando ele desiste e quase que entra dentro do seu escritório não me contenho
-Não conhece o Harry e mesmo se conhecesse, sabe tão bem como eu que as pessoas não se ignoram assim, como o senhor sugere.
O meu olhar fixo no que faço, quando a mão dele toca o meu pulso.
-Não é assim que fala comigo. - A voz rouca dele arrepia-me e tento continuar firme no meu lugar.
-É exatamente assim que falo, com palavras Mr.Pella, se o senhor tem um problema com as visitas do Harry vai reportá-las aos recursos humanos, eu não o vejo a proibir outros funcionários de entrarem aqui para falar.
Ele range os dentes e parece tão zangado que vejo a tempestade escurecer-lhe os olhos azuis, uma trovoada que me vai atingir se eu não parar de o confrontar.
-Cuidado Julieta, eu posso não a despedir, mas posso dificultar-lhe a vida.
-É uma ameaça?
-É um aviso.
A porta dele fecha-se e apoio os cotovelos na mesa, as minhas mãos esfregam-se contra a minha cara como que a querer que eu acorde. Uma enorme mão bate no meu rabo e assusto-me, pronta para gritar. Samuel e Sam estão aos saltinhos e Samuel agarra-me.
-Deste-lhe uma coça!
-Bateste-me no rabo?
-Julieta, linda, sou gay o teu rabo atrai-me tanto como o cabelo da Sam.
Sam abana a cabeça e cruza os braços. Depois vira-se para mim.
-Foi muito corajoso o que fizeste, mas tem cuidado, ele pode ser muito vingativo.
Encolho os ombros e sento-me na minha cadeira.
-Ele não vos pode despedir sabem? A não ser que o roubem ou façam algo mesmo lixado...ele não vos pode tratar assim tão mal.
Saí da sala de aula revoltada. Era a terceira vez em dois dias que tinha o meu trabalho rejeitado antes mesmo de o começar, não importava quantas vezes tentasse dar voltas ao que queria fazer, ele comia-me a folha e dizia que era uma idiotice. Antes de sair ouviu-o dizer "se alguém tem um problema com o modo como avalio a escolha de trabalhos diga, não saía calado.", eu queria dizer-lhe, dizer-lhe das boas, chamar-lhe tudo aquilo que me passasse pela cabeça, mas o medo parou-me. Fechei a porta no entanto a voz grossa de alguém soou pelo anfiteatro.
-Eu tenho!
Merda, é o Harry! Nós passámos a semana a comunicar por email, demasiado zangados um com o outro para falar cara a cara. Ele não cedeu no trabalho e as minhas saudades de casa e recente discussão com o professor por causa da escolha do tema do trabalho deixaram-me cansada de discutir. Se ele percebeu que o fiz não demonstrou, no entanto no fundo da minha mente não consigo parar o pensamento de que ele está prestes a dizer algo para me proteger.
-E o porquê disso Mr.Styles? O seu tema está ótimo.
-Só porque a Julieta não concorda com o que professor prega como certo e quer desenvolver um trabalho afastado disso, não significa que tenha de lhe explicar à frente de todos que ela está errada, quando não está! Ela tem uma perspetiva diferente e isso é bom.
-Na minha aula, as minhas regras.
-Deve ser por isso que metade do auditório está vazio!
O resto da turma ri-se e oiço o professor gritar "rua". Sento-me nos degraus a sorrir e quando ele abre a porta senta-se ao meu lado. Sinto o seu calor e o meu estomago treme, já não estou mortalmente zangada com ele e acho que ele também já não está letalmente zangado comigo.
-Gostaste não gostaste Julls?- Ele dá-me um encontrão com o seu ombro e tenho que me rir.
-Adorei!- Bato palmas e estico uma perna.- Deste-lhe mesmo cabo da aula, foi lindo!
Ele ri-se, a sua gargalhada rouca espalha-se pelos corredores frios e encosto a cabeça aos joelhos.
-Muito obrigada por me defenderes, mas espero que ele não te baixe a nota.
-Ele não me pode baixar a nota, eu pediria uma reapreciação de prova e isso faria dele um idiota... ele não te pode tratar assim, por muito idiota que sejas.
Sorrio com vergonha e ele esfrega-me as costas.
-Queres vir beber um café?
Levanto-me e ajeito o gorro.
-Harry, se vamos ser amigos quero que saibas que odeio café profundamente.
Estendo uma mão para ele, os seus dedos compridos entrelaçam-se no meu pulso e olho para o sitio onde nos tocamos. Puxo-o e ele vem, a sua altura subindo em relação à minha.
-Porquê?
-Fico lânguida, tipo mole sabes?
-Eu sei o que lânguida é. Vamos tomar um café e vais ficar lânguida comigo ao lado.
Dou um passo mais rápido e viro-me para ele, a minha mão em cima do meu coração,
-Oh Harry, era exatamente assim que pretendia passar o resto da minha vida, sim eu aceito!
Ele arregala os olhos e inclina a cabeça.
-Porque é que parece que todos os dias te tornas uma pessoa diferente?
Encolho os ombros.
-Não torno, mas tu não conheces uma pessoa numa questão de meses. E neste momento o que fizeste ali dentro deixou-me eufórica.
Há medida que andamos até a um café do outro lado da rua à frente da faculdade ele acena alguém que não sei quem é.
-Conheces muita gente.
-Não passo os meus dias na biblioteca.
-Mas mesmo assim tira boas notas! Que tipo de magia negra é essa?
-Quem me dera ter tanta confiança para falar assim com ele. - Sam diz e eu olho para ela. Ás vezes quando penso em como raio é que eu e o Harry acabámos tão longe um do outro fico perdida, à deriva no mar de angustia que a minha vida já foi.
-Não fui sempre assim, precisei de alguém que me ensinasse a ser assim.
Os meus lábios estão secos e as minhas bochechas quentes, como se tivesse febre ou algo do género. Abro aquilo que estava a fazer no computador e tento abstrair-me dos pensamentos que ultimamente me têm perseguido. São quatro e meia quando tento abrir um relatório e não consigo. Tanto Sam e Samuel tentam fazê-lo, mas não conseguem.
-Deves precisar de uma password de acesso.
Pisco os olhos, tão depressa que até sinto a pressão subir.
-Boa! Era só isso que me faltava... não temos tipo um sitio com passwords?
-Podes tentar essas.- Ele aponta para o papel plastificado todo escrito.
Nenhuma delas dá, e eventualmente ganho vergonha na cara e bato à porta de Mr.Pella. A porta abre-se e uma mulher mais velha que eu, num vestido preto justo está à porta. Quando é que ela entrou?
-Posso ajudá-la?
-Ahn sim?...- Vejo Mr.Pella sentando a olhar para mim e ele quase sorri. Deve estar a adorar o meu olhar perdido. - Preciso de acesso a um ficheiro, mas não tenho a password e...
-Minha querida senão tem a password é porque não precisa dela.
A porta fecha-se e tenho que me afastar para trás. Ela ia dar-me com a porta na cara ou?
-Ellen, administrativa, trabalha lá mais em cima, 39 anos e uma das preferidas aí do velhote, também é extremamente mal-educada.
Arregalo os olhos e sento-me.
-A sério? Pareceu-me um doce de pessoa, quem me dera que estivesse aqui o tempo todo.
Acabo por receber a mensagem do Harry com o nome do bar "Jeremiah's", mostro a Sam e ele diz-me que sabe onde é. Combinamos um sitio para nos encontrarmos e ambos eles vão embora. Eles andam sempre os dois juntos e uma pequena parte de mim também queria ter alguém para andar sempre, mas suponho que estou aqui há pouco tempo.
Eles entraram mais cedo que eu hoje por isso é apenas justo que eu fique aqui mais meia hora. Eventualmente a porta atrás de mim abre-se e a Ellen sai com o nariz tão levantado que mais um bocado ficava presa na ventoinha no teto. Mr.Pella saí atrás dela e espera enquanto o elevador sobe para a apanhar. Quem me dera que faltasse a luz quando ela estivesse lá dentro.
Quando as portas do elevador se fecham ele olha para mim. Pergunto-me se ele me detesta mais hoje ou ontem...hum talvez hoje.
-Miss. Wilson ouviu o que disse sobre ela.- Ele tem os braços cruzados. Reparei agora que está sem o casaco do fato, e com as mangas da camisa dobradas até aos cotovelos. O pensamento dos dois ali dentro a fazer coisas obscenas faz-me maldispostas e demoro a responder-lhe.
-O quê? Que ela era uma pessoa doce? Devo ter sido a primeira a dizer tal coisa.
A mão dele espalma-se contra o vidro da minha secretária e levanto os olhos, a tensão à nossa volta é palpável e quero rir-me, quero mesmo.
-A sua sorte é que não lhe posso fazer nada.
-Isso foi o que pensei também, não fui propriamente mal educada. - Aponto para ele com um dedo.- E ainda bati à porta, não há razão para se chatear.
Vejo o canto da boca dele tremer e depois fecha os olhos, suspira e aponta as safiras lazer na minha direção. Acho que vou dar um ataque de coração ao pobrezinho.
-Que passwords eram essas?
O meu sorriso aumenta quando vejo que são seis menos um quarto. Desligo o computador e levanto-me.
-Já não é preciso Mr.Pella, amanhã faço isso.
-Ou então vai fazê-lo agora.
Afasto a cadeira e olho para o meu relógio de pulso.
-Cheguei quinze minutos atrasada e compensei meia hora, acho que é justo sair agora.
Os dedos flexionam-se e ele sorri antes de se afastar.
-Tem razão, é justo, faça favor.
Levanto-me e visto o casaco comprido preto. A minha mala rasteja pelo meu braço e continuamos a olhar um para o outro.
-Boa noite Mr.Pella.
-Boa noite Julieta.
Entro no elevador, riu-me e acabo por o ver fazer o mesmo.
-Acha que é muito engraçada?
-O senhor está a sorrir, devo ser.
-Isso não lhe vai garantir um lugar permanente...
As portas fecham-se antes que eu possa ouvir o que ele diz.
Quando chego a casa tomo banho mas volto a colocar a mesma roupa. Não estou afim de parecer que sequer me importei com o que vesti. Bebo um copo de leite morno com chocolate e olho para o resto de pizza que tenho no frigorifico. Esta combinação seria ainda mais mortífera do que uma mistura de bebidas. Meto-me a andar e quando saio do metro e vejo Sam e Samuel começamos a caminhada de cinco minutos até ao bar.
-E então ele disse-me que ela tinha ouvido a nossa conversa.
Samuel encolhe os ombros e ri-se. Não saía de casa há tanto tempo que isto até sabe bem, tirando a temperatura gelada que me arrefece.
-Bom ela não preenche as minhas fichas de avaliação interna por isso não estou muito preocupado, para além disso a única pessoa que ela devia classificar é o Pella.
-O Pella?- Pergunto confusa.
-Yap, achas que eles só dão bem ou assim? Quer dizer os dois andam em cima de vassouras, mas eles também gostam muito do corpo um do outro.
-Oh, são namorados?
-Não docinho, dão umas de vez em quando.
Arregalo os olhos e aceno em compreensão. Quando atravessamos a estrada vejo a entrada movimentada do bar. O cabelo encaracolado que outrora foi comprido está agora na posse dos dedos pequenos de Megan e acho que estão a beijar-se.
Merda estão mesmo a beijar-se.
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