Capítulo 10-02
As atletas do time do colégio Pedro Álvares Cabral estavam apostas, quatro na linha, sendo uma Anna Luíza, e a goleira Daniele. Do outro lado, mais cinco meninas faziam frente, todas meio carrancudas e prontas para despejar sangue de suas oponentes.
Mas nada intimidava o time de Anna que começou o jogo com a posse da bola. Anna Luíza era habilidosa e, por isso, foi quem deu o pontapé inicial, tocando para uma outra menina de seu time. As duas seguiram trocando passes até o gol adversário onde houve o chute, meio fraco, dando chances para a goleira defender.
No banco, Rebeca acompanhava as meninas do time com seus olhos ferozes, sentido a adrenalina na competição percorrer em suas veias. No gol, Daniele cuspia nas mãos, sem saber o porquê. Era algo que ela tinha visto um goleiro fazer durante a Copa do Mundo.
Na arquibancada, Amanda torcia com um pompom verde e branco em mãos. Eram as cores do colégio Pedro Álvares Cabral. Não demorou muito para Tiago notá-la, devido aos seus gritos de incentivo, e a abordar.
— Olá, sumida. Chegou tarde hoje e nem foi me procurar — murmurou ele pousando seus lábios no rosto dela.
— Ah, eu vim correndo assistir ao jogo. Pensei que você estava se trocando para o seu — respondeu ela sem jeito.
— Você está bem?
— Claro — disse a menina pigarreando.
— Tá. Vou direto ao ponto. Sinto que você está me evitando. Está agindo estranhamente, do mesmo jeito que meu pai faz no dia do meu aniversário. Sabe, sem jeito para me dizer que o esqueceu e não me comprou um presente.
— Não estou te evitando, só não sei como te dizer algo.
— Vá em frente, sem medo. Eu aguento.
— Não quero ir jantar na sua casa hoje à noite. Não me sinto preparada para conhecer sua família — disse ela, vendo-o contrair os lábios.
O menino moreno havia convidado a namorada para conhecer sua família há uns dois dias e a resposta foi imediatamente positiva. No entanto, conforme as horas foram passando, Amanda começou a sentir a pressão de se apresentar às novas pessoas, ficando amedrontada.
— Bom, se você não se sente à vontade. Sem problemas. Marcamos outro dia — murmurou ele em um tom embargado. — Ah, vou me trocar para o jogo. Te vejo depois — terminou ele dando mais um beijo no rosto dela e saindo.
Amanda respirou fundo, sabendo que fez o certo. Ela era uma menina decidida com relação a suas vontades e não gostava, nem um pouco, de fazer algo que não se sentia confortável.
Fábio chegou ao lado de sua melhor amiga, vendo-a perdida em pensamentos, mordendo o lábio inferior.
— Terra chamando Amanda — disse ele lhe dando um cutucão. — Está tudo bem?
— Preciso de um psicólogo — proferiu ela de prontidão. — Está acontecendo de novo.
— Está voltando a ficar fissurada pelo Justin Bieber? Isso tem cura! Deixar de segui-lo no Twitter e rasgar aquele pôster dele de cueca colado no teto do seu quarto.
— Isso nunca! — protestou ela firme. — Mas estou falando sobre o meu medo de compromisso. Aconteceu com você e está acontecendo o Tiago. Ele me chamou para jantar na casa dele com os pais e eu disse não.
— E o que te impede?
— Talvez eu seja lésbica!
Fábio riu e, olhando para a quadra onde dez meninas jogavam futsal, proferiu:
— Veja essas meninas. Você sente alguma atração?
— Não. Só vontade de arrumar o cabelo da Anna Luíza. Esse corte não a favorece — garantiu Amanda.
— Então não é lésbica, só medrosa — constatou Fábio, rindo.
— Obrigada pela confirmação — disse ela mostrando a língua e, logo depois, gritando. — Olhe lá, a Anna vai fazer gol. Vai Anna!
E foi como um presságio. Anna Luíza recebeu um passe na cara do gol, driblando a goleira e chutando a bola para balançar a rede, abrindo o placar para o colégio Pedro Álvares Cabral.
Depois desse, foi como uma animação tivesse atingindo o time das meninas. Elas marcaram mais dois e levaram só um gol, quando Daniele decidiu ir tomar água no meio da partida pedindo "Licença, Leci. Preciso de água." e deixou o gol aberto para uma menina chutar do meio da quadra e acertar o retângulo, marcando o gol. As meninas brigaram com ela, menos Rebeca, que, na verdade, levou a garrafa de água até a amiga, abanando-a por um momento enquanto o jogo corria.
Com o grito excitados das meninas que acabavam de ganhar sua primeira partida, Vivian caminhava pelo corredor do Primeiro Pavilhão ecoando o salto agulha no piso de granilite cinza. Linda se colocou em sua frente, sem perceber, ajeitando seu casaco vermelho melancia por cima de uma camisa laranja caqui.
— Que salada de fruta — murmurou Vivian, notando-a.
— Desculpe? — disse Linda não entendendo a referência.
— Nada...hãn, estou te reconhecendo. É a professora da Anna Luíza. Eu sou a madrasta dela.
— Sim, estou te reconhecendo também — falou a professora calmamente e relembrando o que sentiu quando a viu pela última vez.
— Eu já estou me auto chamando "madrasta". — Deu ela um riso forçado. — Claro, porque sinto uma segurança no meu relacionamento com o Marcos. Não querendo colocar a charrete na frente dos bois, mas sei que estamos predestinados a isso.
— A senhorita acredita em destino?
— Eu faço o meu próprio destino, professora! — murmurou a mulher implacável. — E estou costurando um relacionamento sólido com um homem incrível.
— Marcos é incrível mesmo — murmurou Linda.
Vivian olhou a professora de cima a baixo, como se estivesse avaliando a concorrência e notando, em quesito de aparência, que ela se dava muito melhor.
— Marcos me falou muito sobre você — disse Vivian jogando a cintura para o lado.
— Espero que tenha sido coisas boas.
— Na verdade, ele disse sobre uma professora que era muito bondosa com a Anna, que cuidava dela desde que entrou aqui no colégio. E ele era muito grato por isso. — Linda sorriu com as palavras disparadas por Vivian. — Por mais que ele a achasse meio feia e exagerada, o importante para ele era o interior dela, já que o exterior o assustava um pouco. Mas, enfim, agora sei que essa pessoa é você. Até breve, professora.
Vivian deu as costas e saiu marchando pelo corredor como se estivesse em uma passarela e ela fosse a modelo principal. Parte do que ela acabara de dizer era uma mentira deslavada, já que Marcos, quando teve esse diálogo com sua namorada, só disse a primeira parte.
Mas Linda não sabia disso, então ela tomou as palavras disparadas pela sua rival como verdade e voltou a caminhar, indo em direção à sala dos professores, onde gostaria que houvesse um buraco para se enfiar e nunca mais sair.
Na quadra poliesportiva, os meninos da Turma 201 estavam em quadra trocando passes agressivos para cima do time adversário. Na arquibancada, os olhos de Anna fitavam cada segundo do jogo acompanhando Matheus. Ao seu lado, Amanda torcia também, mas um pouco mais contida.
— O jogo está acirrado — murmurou Amanda nervosa.
— Mas eles vão conseguir. Tenho certeza.
Amanda olhou para sua amiga, querendo lhe falar algo, mas quando foi dizer, Anna a interrompeu bruscamente, fazendo a amiga se encolher.
— Não te contei. Acredita que a Elvira veio aqui no colégio tirar sarro da minha cara.
— Que vaca!
— Muito. Nossa, Amanda, minha vida está um caos. Preciso me proteger, né.
— Sim. Se quiser te trago água benta. Você tem que tomar a cada três horas um copo e ela te blinda de várias coisas ruins.
— Inclusive desidratação do rim — completou Anna em tom de brincadeira.
— Não tire sarro, eu fiz e deu muito certo. Me blindou de muitas coisas ruins, menos de você — completou Amanda.
— Ridícula! Eu sou a melhor coisa que já aconteceu na sua vida — disse Anna Luíza soltando um riso.
Na quadra, Marcelo passou a bola aos pés de Matheus que, de primeira, chutou em direção ao gol, não dando a menor chance ao goleiro. Matheus comemorou abraçando seus companheiros de time e, logo depois, voltando-se para a arquibancada, ele apontou para Anna Luíza que sorria de orelha a orelha.
— Ah, ele fez um gol pra mim — murmurou ela contente.
— Não. Ele fez pro time.
— Posso me iludir, por favor? — retorquiu Anna.
Logo depois que o jogo terminou, com a vitória do time onde Matheus estava jogando, Anna Luíza marchou para longe das comemorações, caindo no corredor do Primeiro Pavilhão, onde encontrou a professora Linda saindo da sala dos professores enxugando as últimas lágrimas que soltara.
— Está tudo bem? — indagou Anna indo até Linda e subindo, com as pontas dos dedos, a feição da professora.
— Tudo ótimo, Anna. Melhor impossível — proferiu Linda não imprimindo muita veracidade em seu tom de voz. — Encontrei com a sua madrasta.
— Ah, aquela vaca — disparou Anna sem se incomodar com a presença da professora.
— Não diga isso. Ela parece ser uma ótima pessoa. Elegante, bonita, pernas longas, aposto que não precisa de ajuda de ninguém para tirar o pó do ventilador.
— Ela não é nada disso do que a senhorita está pensando, professora. Ela é uma cobra vestida em pele de cordeiro, mas eu vou desmascará-la.
— A que custo? — perguntou Linda fungando e vendo Anna franzir o cenho. — Seu pai está muito feliz, Anna Luíza. Radiante como nunca tinha visto antes, em todo o contato que já tive com ele. Então eu te pergunto novamente, a que custo você vai desmascará-la?
— Mas ela o engana.
— Como?
— Ah... Não sei ainda. Mas estou trabalhando nisso, professora. E eu sei que estou certa, meu sexto sentido não me engana.
— O seu ciúmes, quer dizer?
— Não é ciúmes. Ela esconde algo e eu vou descobrir.
— Só tenha cuidado, meu anjo, porque a única pessoa que vai sair dessa história arrasada é o seu pai. Então pense muito antes de agir.
— Eu estou pensando, professora.
Anna Luíza assentiu com a cabeça. E ela, realmente, estava analisando todas as possibilidades e impactos que poderiam causar na vida de toda a sua família, de um jeito que ela nunca fizera antes.
Ao final da tarde, a menina rebelde chegou em sua casa, adentrando o hall. Ela ouviu um barulho vindo do escritório de seu pai e seguiu para lá, de modo a cumprimentá-lo. Porém, quando chegou no local, ela encontrou Vivian abrindo gavetas, revirando algumas papeladas em cima na mesa.
— O que você está fazendo? — questionou Anna firme, como se a tivesse pegado no flagra de um crime.
— Ah. — Vivian se assustou, como se não esperasse que alguém a abordasse. — Estou procurando meu celular. Não o vejo desde ontem e acho que posso ter deixo por aqui. Sou bem atrapalhada quando bebo um pouquinho a mais do que deveria.
Anna Luíza a encarou desconfiada, achando que poderia ter algo além do que Vivian estava demonstrando. Mas ela decidiu não puxar briga, virando-se para sair do escritório. No entanto, a menina percebeu algo que considerou ser a gota d'água. A linha tênue entre ignorar e começar uma guerra, finalmente foi cruzada.
— Cadê o porta-retrato da minha mãe que ficava aqui? — perguntou Anna Luíza apontando para um aparador de tampão de vidro situado logo na entrada do escritório.
— Eu tirei — respondeu Vivian com um sorriso de escárnio no canto da boca.
— Tirou?! Quem você pensa que é para entrar na minha casa, mexer nas minhas coisas? Alguma assistente de programa de auditório que veio me acordar às 5 horas da manhã com uma buzina?! — despejou Anna Luíza subindo o tom de voz. — Cadê o porta-retrato da minha mãe?
— Desculpe, queridinha — Vivian fez um beicinho falso —, mas ele não estava combinando com o ambiente. Estava muito brega. Sempre que eu o olhava, parecia que estava em um péssimo cenário de novela das nove. Claro, do núcleo pobre.
— Me devolva o porta-retrato agora ou...
— Ou o quê? — Vivian deu um passo firme à frente, como um leão encurralando a presa. — Você não é mais a rainha por aqui, menina. Olhe em volta, seu reinado acabou!
— Você não faz ideia com quem está mexendo.
Vivian deu uma gargalhada alta, mas contida. Logo em seguida, deu as costas a Anna, ouvindo o fechar da porta do Hall e percebendo que a oportunidade que tanto esperava acabava de aparecer.
— Aqui não é colégio, onde seus truques amadores funcionam. Aqui é brincadeira de gente grande.
Vivian se tornou novamente para sua enteada e, em um movimento, arrancou a alça do vestido gritando, como se alguém a estivesse atacando. Logo depois, avançou para cima de Anna Luíza que a encarava incrédula, sem esboçar nenhuma reação.
— Ahhhh, para Anna Luíza! — gritou ela, jogando-se ao chão.
Marcos chegou correndo até o escritório, encontrando Vivian estirada no assoalho de madeira laminada coberta por um tapete felpudo marrom. Ali, Marcos encarou a situação, completamente atônito.
— O que aconteceu aqui?
— Nada. Nada — respondeu Vivian forçando um choro. — Deixe para lá.
— O que você fez, Anna Luíza? Anda, me responda — gritou o pai perdendo totalmente o controle. — Você bateu nela? Fale — gritou ele novamente.
Mas Anna Luíza não disse nada. Sabia que nada do que pudesse dizer iria adiantar, pois ela estava lidando com uma situação além de seu controle. Estava presenciando a execução de um plano perfeito que Vivian montara para tirá-la de vez do caminho. E palavras não iriam resolver.
— Suba para o seu quarto imediatamente e não saia de lá até eu permitir.
— Quero falar com a vovó — murmurou Anna ainda em choque.
— Ela não está em casa. Vá agora, Anna Luíza!
E foi o que ela fez. Deu as costas ao pai e subiu aos prantos rumo ao seu quarto, enquanto Vivian ficou para trás dando a versão de sua história. O como Anna ficou brava por ela ter pegado o porta-retrato para restaurar, achando que estava fazendo uma boa ação para agradá-la. E, claro, Marcos caiu na conversa direitinho.
Em seu quanto, Anna Luíza se trancou, jogando-se ao chão, deixando um rio de lágrimas percorrer por seu rosto. Elvira caminhou até ela, deitando-se ao lado, onde Anna Luíza jogou os seus braços, puxando a porca para mais perto. E o animal parecia saber exatamente o que estava acontecendo, pois a cada soluço que a menina dava, ele respondia com um ronco de modo a consolá-la.
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