Capítulo 10-01
Setembro, 2018
Anna Luíza saiu do banheiro já pronta para ir ao colégio. Ela ajeitou o uniforme frente ao espelho, puxando a saia alguns centímetros para baixo. Caminhou até sua cama agarrando a mochila que ali estava. Ao fazer isso, ouviu um grunhido vindo do outro lado.
— Bom dia, Elvira — murmurou ela de volta à porca que se encontrava deitada dentro da casinha rosa, onde estava sua caminha. — Hora do café!
Anna Luíza lhe jogou uma maça vermelha, fazendo-a abocanhar de imediato. Logo depois, marchou rumo à sala de jantar, onde Marcos e Dona Carla já a esperavam.
Anna Luíza bufou quando viu seu pai ali sentado com o jornal em mãos, uma cena que fazia dias que ela não presenciava.
— Ual, que surpresa — reagiu ela, sentando-se de frente a Dona Carla. — Você em casa e a Vivian não. Ela não dormiu aqui hoje?
— Já saiu. Teve que resolver uns problemas — avisou Marcos respirando fundo, sabendo que teria que ter paciência, pois sua filha ultimamente só lhe dirigia a palavra com ironias.
— Polícia? — retrucou ela agarrando um pão.
— Não vou entrar em seu joguinho, Anna Luíza. Vou me manter sereno, calmo, relaxado. Aplicar todos os ensinamentos que o Buda me ensinou.
— E vai raspar a cabeça quando?
— Já chega — gritou ele, nada sereno. — Tudo tem limite!
Dona Carla puxou o ar soltando milésimos de segundos depois, vendo o clima da mesa pesar mais do que em uma guerra no Oriente Médio.
— Vamos mudar de assunto. Hoje começa o seu campeonato, querida? — indagou a avó calmamente dissipando o clima tenso.
— Sim, vó. Hoje vamos ter nosso primeiro jogo.
— Boa sorte então. — Dona Carla sorriu. — E, por favor, não quebre nenhuma perna.
— Eu sei jogar, vó. Não vou me machucar.
— Estava me referindo às pernas de suas adversárias. — Piscou a avó com a piada.
Um barulho veio de algum cômodo, chamando a atenção de Marcos, que abaixou o jornal olhando para os lados.
— Sua porca está fazendo bagunça de novo — rosnou ele.
— Ela está comendo. É natural — retrucou Anna.
— E esse campeonato é do quê? — tentou ele desviar do assunto que não lhe agradava nada.
Marcos tentou se desfazer do animal, mas foi voto vencido. Nesse dia, ele se arrependeu de ter feito, anos atrás, uma constituição para sua casa, onde dizia que assuntos de convivência era decidido a base de votos e sua maioria.
— Se você estivesse mais em casa, você saberia — falou Anna Luíza não dando a mínima chance ao seu pai. — Ou prestado atenção na piada da vovó.
— Anna! — protestou Dona Carla lhe lançando um olhar de reprovação.
— Só estou dizendo a verdade.
— A sua verdade, Anna Luíza — vociferou Marcos.
Anna bufou, jogando na mesa metade do pão, que ainda faltava comer, e deu as costas saindo da sala de jantar, sem nem ao menos se despedir de seus familiares.
— Não sei mais o que fazer — confessou o pai cabisbaixo.
— Meu querido, não há nada que você possa fazer. Você sabe muito bem como é o gênio de sua filha. E quando ela mete algo na cabeça, dificilmente ela muda. Precisamos dar tempo a ela. Tempo.
O mesmo barulho, que fizera instantes antes, voltou a soar. Marcos exalou o ar do pulmão, cansado.
— Essa porca tem que ir embora — murmurou ele firme.
— Nós votamos, Marcos. A maioria vence.
— Não é justo. Você sempre fica do lado dela.
— Nem sempre! Quando a Anna queria que nossas vestes dentro de casa fosse baseado no século XVII, eu votei junto com você.
— Só porque odeia espartilho!
Os dois riram juntos com a lembrança da votação estranha, quando Anna tinha oito anos e era fissurada por filmes e novela de época.
Enquanto isso, no pátio descoberto do colégio, Rebeca, Daniele e Fábio estavam sentados ao banco branco de concreto, vendo parte dos alunos desconhecidos, já que a escola estava recebendo alguns alunos de fora para o campeonato.
— Credo. Nunca vi tanta gente estranha junto — murmurou Rebeca contraindo o nariz.
— Eu já. Meu pai é fissurado na TV Senado — comentou Fábio afagando Daniele na cintura. — Preparadas para o jogo, meninas?
— Claro! Eu sou praticamente a estrela da equipe — falou Rebeca, gabando-se. — Já estou me vendo carregando o time nas costas.
— E isso é permitido? Jogar de cavalinho? — indagou Daniele encurvando a cabeça para encarar a amiga.
— Modo de dizer, Dani — respondeu Rebeca.
— A Leci é muito tapada mesmo. Não acredito que ela não percebeu que seu nome foi incluído na lista — comentou Fábio meneando a cabeça incrédulo.
Rebeca jogou os cabelos para trás, como se tivesse orgulhosa de algo que teria feito.
— Ela percebeu, mas eu a convenci de que foi ela mesmo quem me escolheu. Disse que talvez ela pode estar sofrendo de falta de memória. Aconteceu o mesmo com a minha tia. Ela esqueceu onde morava e acabou indo dormir na casa de um estranho. Sorte que o marido dela a encontrou a tempo, sã e salva — proferiu Rebeca ironicamente.
— Coitada. Tomara que ela melhore logo — acreditou Daniele não entendo nada. — Eu estou um pouco nervosa. Estou sentindo a mesma coisa quando assisti Titanic pela primeira vez.
— Esse filme é um clássico. Adoro. A gente poderia fazer uma sessão pipoca e assisti-lo novamente — murmurou Rebeca, animada.
— Podemos. Só espero que dessa vez o Titanic não afunde né. Muito triste.
Fábio e Rebeca encararam Daniele, estranhamente, por mais que já estavam habituados com a loucura dela. Para salvá-los, Tiago chegou todo corpulento, com uma marra que não lhe pertencia.
— Que isso? Que gingado é esse? — proferiu Rebeca, franzindo o cenho.
— Dor na coluna — respondeu ele. — Nunca durmam em uma cama de prego, por mais que sua tia chinesa diga que isso ajuda na circulação sanguínea.
— Você está brincando, não é? — disse Fábio, encarando-o..
— Claro. — Ele não estava.
— Tiago, você assistiu Titanic? — perguntou Daniele agarrada ao braço de Fábio e vendo o amigo assentir com a cabeça. — E ele também afundou?
Tiago não respondeu com palavras, voltando a confirmar com a cabeça. Ele tinha adotado uma postura de não questioná-la mais, pois sabia que Daniele vivia em um mundo paralelo.
Marcelo chegou, sentando-se ao lado de sua namorada, que lhe agarrou lançando seus lábios nos dele. O pessoal virou o rosto, já que eles se empolgavam muito durante seus beijos matinais.
— Ah, eu não acordei às 6 horas da manhã para ver isso — murmurou Tiago revirando os olhos. — Tome. Por favor, honre meus sapatos — disparou Tiago jogando um par de tênis de futsal para seu melhor amigo.
— Esse será o primeiro jogo que esse tênis vai saber o que realmente é futebol — caçoou ele do amigo.
Anna Luíza chegou ao grupo, quase saltitando. No colégio, ela adotara uma postura firme e alegre, para esconder os problemas que estava tendo em casa.
— E o milagre aconteceu — disse ela pousando no grupinho. — Eu cheguei primeiro que a Amanda.
— Deve ser por que hoje são só jogos e não aulas — retrucou Rebeca de prontidão.
— Aliás, vocês duas estão preparadas para ganhar? — perguntou ela apontando para Daniele e Rebeca. — Porque eu não entro em campo para perder. A não ser que o prêmio seja um CD sertanejo.
— Nem eu — garantiu Rebeca.
— Na verdade, você não sabe nem jogar. Está no time porque a Leci é tapada — disse Anna.
— Não fale assim da Leci. Ela tem problema de memória — defendeu Daniele. — Ela dormiu na casa da tia da Rebeca e foi acordada por um estranho.
— Quê? — Todos reagiram, confusos.
— Não é nada disso, Daniele. Você inverteu as histórias — a voz ardida de sua melhor amiga voltou a explicar o ocorrido.
— Olá, pessoal — entoou Matheus com um tom grave e já vestindo o uniforme do time do colégio. — Olá, princesa.
Matheus puxou Anna Luíza para dentro de seus braços, dando-lhe um beijo apaixonado.
— Princesa? Só se for a Fiona transformada. — Riu Rebeca de sua própria piada.
— Eu sou a Fiona e você o gato de botas, com esse bigode aí — retrucou Anna, quando os lábios de Matheus a libertaram.
— Ridícula!
O sinal tocou e o Diretor surgiu entre os alunos, lendo um recado trazido escrito em sua mão, anunciando que todos deveriam se aprontar e marchar direto para as quadras poliesportivas que o campeonato iria começar. E avisou também que o boleto de água estava atrasado, mas depois percebeu que Leci havia escrito errado, já que essa informação era para constar apenas no e-mail para os acionistas do colégio.
O pessoal levantou do banco começando a obedecer ao que o senhor Diretor acabara de gritar.
— Espera, eu tenho uma dúvida — murmurou Daniele.
— Sim, Dani. O Titanic sempre afunda — respondeu Rebeca a pergunta que sua amiga nem teve tempo de fazer.
— Ah, tá. Obrigada — disse Daniele entendendo algo e deixando o resto do pessoal, que não acompanhou a conversa desde o início, confuso.
E eles seguiram até a quadra poliesportiva que estava lotada de adolescentes animados com o início dos jogos. A maioria com cartazes, pompons em mãos com as cores das escolas que estavam representando.
No meio do caminho, Anna Luíza puxou Rebeca para um corredor que estava vazio. Rebeca tentou dar um grito, mas foi calada pela mão de Anna tapando sua boca.
— Ai, ai, sua grossa — protestou Rebeca quando teve os lábios libertos. — Você sabia que sequestro é crime?
— Sequestro? No dia que eu pedisse resgate ao seu pai, ele me pagaria o dobro para não te devolver — retrucou Anna Luíza sem paciência. — Preciso da sua ajuda. Aquela mulher ainda está lá enfurnada dentro da minha casa. Nada a faz ir embora, nem salgar a calcinha dela tem surtido efeito.
— O quê? Você tem colocado sal na roupa íntima dela?
— Não! Mas é uma boa ideia, não é?
— Anna Luíza, antes de continuar salvando sua vida preciso te fazer uma pergunta.
— Sim, harmonização facial não vai resolver o seu problema de feiura — murmurou Anna fazendo sua inimiga contrair sua expressão. — Na verdade, não resolve a de ninguém.
— Vou fazer o que faço de melhor: te ignorar! — bufou Rebeca. — Mas a questão é, você tem certeza que essa mulher não é boa para seu pai? Tipo, você poderia estar estragando a única oportunidade dele de ser feliz.
— Rebeca, entenda de uma só vez. Ela é uma trambiqueira e não gosta de mim. Ela vai fazer de tudo para me afastar do meu pai. Conheço este tipo.
— Então você já sabe o que fazer, Anna Luíza. Precisa ficar de olho nela, principalmente quando seu pai não está por perto porque é nessa hora que ela irá se revelar. Ainda mais se você a incitar.
Anna Luíza encarou sua inimiga entendendo bem mais do que Rebeca estava dizendo.
— Eu preciso de armas — garantiu Anna. — Só assim vou destruí-la.
— Espero que seja metaforicamente — murmurou Rebeca cautelosa. — E, Anna, vai chegar uma hora que seu pai vai ter que escolher, já que a situação vai ficar insustentável. E tenho certeza que ele vai escolher ela.
— Você acha? — reagiu Anna amedrontada.
— Não. Foi uma piada.
— Então treine mais, porque suas piadas são péssimas!
— Ele vai te escolher, tenho certeza. Mas antes desse dia chegar, tenha certeza que em suas mãos você tem prova suficiente para convencê-lo de que essa mulher não vale nada — disse Rebeca afagando o ombro dela.
— Obrigada — falou Anna sinceramente. — Não me toque em público.
Anna Luíza deu as costas voltando para onde o restante do grupo estava, mas não antes sem ouvir Rebeca gritar.
— Idiota!
Em um canto da quadra, Fábio ajudava Daniele se arrumar para seu jogo que estava prestes a começar. Ela sacudia as mãos que estavam envelopadas com luvas de tecido grosso e emborrachada nos dedos.
— Respire fundo, tudo dará certo — dizia Fábio, encarando-a nos olhos tentando transmitir a ela alguma tranquilidade.
— Estou com medo de perder.
— Vocês não vão. A Anna Luíza é uma ótima atacante, você uma ótima goleira e a Rebeca é uma ótima... amiga — murmurou o menino tirando um riso frouxo dela.
— Isso é mesmo.
— Então não se preocupe, vá e divirta-se — falou ele dando um beijo nela.
Rebeca se alongava defronte a Marcelo. Ela já vestia o uniforme do time. Quem olhava achava que ela era a estrela da equipe, já que se alongava com muita vontade, quase distendendo seus músculos finos.
— Precisa se aquecer para ficar no banco de reserva? — indagou Marcelo segurando uma toalha de rosto rosa e uma garrafinha de água da mesma cor.
— E se eu for chamada? Não posso entrar em quadra fria, pode baixar minha pressão — disse ela acreditando que poderia ser requisitada. — E você, por que ainda não está trocado?
Marcelo vestia o uniforme normal do colégio: calça jeans, sapatênis, camisa branca com o brasão.
— Só vou me trocar na hora do jogo. Não quero correr o risco do meu pai me flagrar quebrando as regras dele. Ontem eu já quebrei uma, tomar banho. — Rebeca o encarou parando de alongar os braços e colocando-o na cintura. — Estamos racionando água.
— Olha, sei que seu pai é rígido, motivo este para ele nem saber da minha existência, mas não é bom ficar dizendo "amém" para tudo. Você precisa impor sua personalidade, os seus gostos.
— Você não entende, Rebeca.
— Se você diz — retrucou ela com desdém.
Não muito longe dali, Anna Luíza se escorava em Matheus, que a auxiliava em seu aquecimento.
— Lembre-se, mantenha a calma e faça o teu jogo. Sem nervosismo — murmurou Matheus.
— Você está pensando que eu sou uma amadora? — falou Anna rindo. — Você está olhando para a campeã infanto-juvenil de 2013 com cem por cento de aproveitamento.
— Desculpe, não sabia que você era tão boa assim.
— Nosso time em 2013 ganhou todas as partidas... de W.O., mas mesmo assim é vitória.
— Ah, então está explicado. — Matheus soltou um riso forte e debochado.
— Está curtinho com a minha cara, não é. Então, vamos fazer uma aposta. Se meu time for campeão, você tem que fazer algo que eu mandar. Se o seu for, eu é quem faço.
— Negócio fechado!
Matheus não iria fugir da proposta, nem se quisesse, pois se havia algo que os dois tinham em comum, era serem muito competitivos.
Eles apertaram as mãos para selar a aposta e, logo depois, Anna lhe deu um beijo rápido. Matheus a abraçou desejando boa sorte e indicando o caminho da quadra a ela.
Anna respirou fundo e começou a marchar rumo ao centro da quadra, onde Leci já esperava o time se organizar para dar início ao jogo. Mas, no meio do caminho, uma mulher esguia, loira e com um vestido vermelho justo, apareceu em sua frente toda sorridente.
— Bom jogo, querida — murmurou Vivian retirando os óculos de sol e fazendo-o de arquinho.
— Que merda você está fazendo aqui? — vociferou Anna Luíza com raiva.
— Vim assistir o seu jogo. Lembrei que sua avó tinha comentado ontem sobre ele, então vim dar o meu apoio moral. Boa sorte, tente não humilhar o time com sua presença — murmurou ela dando uma risada maquiavélica.
— Vai à merda! — gritou Anna dando as costas e indo se juntar com seu time.
Vivian já não se esforçava mais em fingir para Anna que se importava com ela, muito pelo contrário, Vivian adotara uma atitude fria e calculista desde que Marcos desistira de mandar a filha para o exterior. Mas, mesmo assim, Vivian ainda não tinha se revelado por completo. Um plano maquiavélico estava previsto em sua mente e não demoraria muito para ela executá-lo buscando o êxito. Tudo o que ela precisava, era da oportunidade perfeita.
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