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Capítulo doze

Eu tive sorte.

Talvez seja uma coisa completamente absurda de se dizer considerando a bagunça desordenada que mora na minha mente, mas eu tive sorte. Sorte de ter uma família estruturada e uma condição financeira decente que me mantiveram no lugar quando eu fui incapaz de fazê-lo. Sorte de ter conseguido (de conseguir) manter uma rede de psicólogo, psiquiatra, terapeuta comportamental, remédios, porque tudo isso custa dinheiro, muito dinheiro. Sorte de ter conseguido encontrar um tratamento que funcione para mim e não me impeça (em sua maior parte) de viver uma vida normal — manter um emprego, relacionamentos.

Relacionamentos.

Relacionamentos talvez seja onde nunca quis testar essa sorte, não por muito tempo. Com algumas exceções. Não passei dez anos da minha vida recluso e privando-me de qualquer tentativa de companhia. Tive alguns encontros. Desastrosos. Desastrosos.

Então, Jéssica.

Veja bem, Jéssica talvez seja a parte mais complicada da minha vida. Tem sido por anos. E eu aprendi, a duras pancadas, a me afastar do que quer que me traga esse nível de instabilidade, porque isso é perigoso para mim. O problema é que Jéssica é a melhor parte da minha vida também, então nunca consegui seguir o meu já tão contestável bom senso.

Eu explico.

Existe uma coisa chamada "teste de realidade". Freud explica, literalmente nesse caso, não só como uma expressão despretensiosa. Freud realmente explica. Eu não entendo Freud, honestamente. Mas, voltando. Teste de realidade. Não é algo com o que a esmagadora parte das pessoas precisa se preocupar diariamente, mas existe. Também não é algo com o que preciso me preocupar diariamente, mas, às vezes, preciso.

Por exemplo, quando a mulher que você ama passa três anos garantindo, com um sorriso no rosto, que não tem nada acontecendo, que o que existe entre vocês não passa de uma amizade colorida, talvez qualquer outra pessoa conseguisse identificar com muita facilidade que era só mais uma das situações em que Jéssica é muito boa em fingir que está tudo bem. Para mim, se tornou uma batalha constante entre acreditar no que ela dizia ou no que minha mente me dizia — mente essa nem sempre confiável, tem a tendência de criar realidades paralelas quase irrefutáveis e me convencer de verdades que não necessariamente existem para outras pessoas. Delírios, se você estiver procurando pelo termo técnico.

Para ser justo, Jéssica não tinha como saber.

Mas a questão é que ela é envolta em coisas que desafiam o meu equilíbrio emocional. Sua inabilidade de se prender a rotinas, quando eu preciso tanto delas para sobreviver. Não precisa de muita coisa para que ela simplesmente arrume uma mochila e decida viajar pelo final de semana, só porque sim, enquanto eu preciso anotar até mesmo quantas horas trabalhei por dia, porque é muito fácil me perder. Seu conforto e excitação em lugares cheios, barulhentos, quando para mim essas situações são estressantes o suficiente para que sejam dolorosas.

E tem ainda o detalhe de que Jéssica é a personificação da sensualidade. Ela é a mulher mais bonita que já conheci, a mais sedutora, e eu sei que não sou seu igual nesse quesito. Não sou o cara que protagonizaria os livros que ela e Rebecca tanto adoram discutir, nem o que protagonizaria aquelas franquias de filme que, na minha humilde opinião, têm cenas de sexo demais para serem exibidos no cinema.

E eu não sei até onde todo esse amor que ela diz sentir é realmente amor, ou apenas a sua resposta natural à situação. Às vezes, acho que sou só um projeto, algo quebrado que ela precisa consertar, porque Jéssica ama consertar tudo que vê pela frente.

E eu a amo. Eu a amo demais para deixar que ela se afunde cada vez mais em um relacionamento tão incompatível com tudo que sempre quis, mas a amo o suficiente para querer acreditar quando diz que nada disso importa.

Então torço para que seja o caso.

— Tu vai me dizer alguma hora onde está me levando, criatura? — ela pergunta, agarrada ao meu braço, o cheiro doce do seu xampu invadindo meus sentidos com a proximidade.

— Mas eu já disse — respondo, acariciando seu braço enquanto andamos, procurando a sala certa. — Quero que você converse com uma pessoa.

Jéssica bufa, mas logo se distrai, olhando ao redor com a curiosidade de uma criança. Esses corredores não são novos para mim. As paredes brancas do hospital me fazem companhia toda semana quando venho para a minha consulta com a psicóloga, consulta essa que tenho hoje, mas não é onde estou levando Jéssica. Paro quando encontro a sala certa e bato na porta, esperando o "pode entrar" na voz familiar para abri-la.

Mônica sorri ao me ver. A mulher baixinha recosta na cadeira de rodinhas, apoia as mãos na barriga proeminente e mostra os dentes brancos.

— Está quase na hora — digo, apontando para onde suas mãos acariciam.

Ela bufa.

— Nem me diga. Esse garoto está acabando com as minhas costas, não vejo a hora de nascer. — Seus olhos vagueiam de mim para Jéssica, a pergunta clara nas íris escurar. — Posso te ajudar em alguma coisa, querido?

— Queria te apresentar uma pessoa — digo, arrastando a ponta dos dedos na faixa de pele exposta no pulso de Jéssica. — Mônica, essa é a Jéssica, minha namorada. Jessi, essa é a Mônica. Ela organiza um grupo de apoio a familiares e amigos de pessoas em tratamento psiquiátrico.

Ignoro a bola que se forma na minha garganta ao dizer as palavras em voz alta, ciente de que preciso ser o primeiro a não ter vergonha de falar sobre isso. Reconheço nos olhos da minha mulher aquele brilho tão característico, a felicidade descarada de quem acabou de receber o melhor presente de Natal. Ela molda um "obrigada" com os lábios, e sorrio, sem ter certeza pelo que ela está agradecendo.

Volto a olhar para Mônica, e ela também sorri, um sorriso tranquilo e acolhedor.

— Fico muito feliz por você, Henrique. — Sua atenção, então, se volta para Jéssica. — É um prazer te conhecer, Jéssica. Por que você não senta um pouco para a gente conversar?

Ela logo se solta do meu braço, sem qualquer cerimônia acomodando-se em uma cadeira no canto da sala.

— Tu vai ficar? — pergunta, os enormes olhos presos a mim. Nego com a cabeça.

— Tenho uma consulta agora — explico. — Me espera para ir embora?

Ela confirma com a cabeça e passa a me ignorar por completo, sem qualquer receio despejando um milhão de perguntas em Mônica, que me lança um olhar de canto e abana a mão, expulsando-me da sala. Há um misto de alívio e desespero quando fecho a porta atrás de mim, e atravesso os corredores até encontrar a recepção, sendo logo encaminhado para o consultório que preciso. Bato na porta e encontro Cinthia anotando alguma coisa, os óculos pendurados na ponta do nariz como sempre. Seus olhos voam à tela do computador, e me adianto:

— Estou atrasado, eu sei — digo, mesmo que sejam mal cinco minutos. — Precisei deixar Jéssica com a Mônica antes de vir para cá.

Há uma sombra de sorriso no seu rosto que carrega cada uma das rugas da idade. Não espero que ela aponte para que eu me acomode na poltrona confortável no canto da sala, a almofada sobre o colo. Tenho me consultado com Cintia pelo menos duas vezes ao mês desde que mudei para cá. Quase uma década de contato constante, e tenho certeza que a essa altura a mulher já beirando os seus sessenta anos me conhece do avesso. Definitivamente já ouviu falar de Jéssica mais vezes do que posso contar.

— Como vocês estão? — pergunta, mantendo seu olhar atento sobre mim. — Como você está? A última vez que nos vimos, estava um pouco agitado por ela estar morando com você.

Rio, sem conseguir evitar. Algo que é a mistura de um tique nervoso com uma dose de desespero.

— Não tenho certeza se isso é uma boa ideia, para ser sincero. Não estou acostumado a dividir meu espaço assim com ninguém. Gosto de ela estar lá, sempre gostei. Nunca senti como se ela estivesse invadindo meu espaço, mas... às vezes? Jessi poder ser muito... intensa, às vezes. Não sei bem o que fazer, e acho que estou com medo dessa mudança abrupta acabar sendo um fator de estresse muito grande.

O discurso sai inteiro de uma vez porque é tudo que eu tenho pensado desde que estive aqui pela última vez. Foi meu dever de casa. Ela tem razão, eu estava agitado, mas não sabia bem o motivo. Estava incomodado com a situação, sendo tomado por alguns rompantes de uma sensação de perigo quase eminente, então obedeci à risca quando ela me disse para anotar, escrever, tentar entender o que exatamente estava me preocupando.

— É uma grande mudança para qualquer pessoa, Henrique. Sua namorada agora mora com você, e ainda é um arranjo recente. É natural que existam conflitos, que ela lave as louças ou dobre as roupas de um jeito diferente do que você faz. Todo casal passa por isso, é uma fase de adaptação. Isso não precisa ser algo que obrigatoriamente aumente seu nível de estresse. — Cinthia aperta os olhos na minha direção e tomba a cabeça levemente para o lado. — Não tem nenhuma manual dizendo que é obrigatório que seu nível de ansiedade aumente em trinta porcento porque tem alguém dividindo a cama com você.

Solto uma risada pela piada boba, que me ajuda a relaxar um pouco. Sinto os ombros perderem um pouco da tensão, e me acomodo melhor na poltrona.

— Vocês estão tendo algum problema? Algum conflito?

Nego com a cabeça. Pelo contrário, até. Jéssica me faz bem, muito, muito bem. Já perdi a conta de quantas vezes ao longo desses anos um abraço seu foi o suficiente para que eu sentisse novamente meus pés presos ao chão quando parecia a ponto de me perder no ar — duvido que ela sequer desconfie disso.

— Não é um relacionamento normal — digo com um suspiro. — Você diz que é uma mudança abrupta para qualquer casal, mas não é um relacionamento normal. Tem o fator... eu.

Cinthia fica em silêncio por alguns segundos. Recosta na sua cadeira e me oferece a sua mais perfeita expressão neutra. Quando sua voz sai, é estável e contida.

— E se você tivesse diabetes? — pergunta. Franzo o cenho, e ela explica: — E se ao invés de esquizofrenia, você tivesse diabetes?

— Como uma coisa se compara com a outra? — questiono, erguendo as mãos antes de arrastá-las no cabeço.

— Quando não controlada, diabetes pode causar perda de visão, falha renal, problemas cardíacos. Tenho certeza que já ouviu histórias de pessoas que precisaram amputar um ou os dois pés. Poderia morrer, ou viver em uma situação em que dependeria completamente da sua parceira para cuidar de você — diz, repetindo o meu movimento de erguer as mãos, mas de forma muito mais sutil. — Se ao invés de esquizofrenia, você tivesse diabetes, também estaria se esforçando tanto para afastar a Jéssica de você?

Abro a boca, mas não sei o que dizer. Desvio o olhar, encarando o carpete acinzentado enquanto penso. Não, a resposta é não. Sei que as duas coisas não se comparam completamente, mas entendo seu ponto. São duas doenças crônicas, incuráveis, mas possíveis de tratar e manter sob controle. Não consigo pensar em ninguém, contudo, que dedicaria mais do que alguns segundos de atenção caso alguém anunciasse que tem diabetes.

Quando não respondo, ela pergunta:

— E se fosse a Jéssica? — Jogo meus olhos de volta na sua direção. — E se, ao invés de você, fosse a Jéssica que tivesse esquizofrenia, você...?

— Não — respondo antes que ela termine a pergunta. — Eu não evitaria um relacionamento com ela, porque amo aquela mulher mais do que achei que pudesse amar alguém nessa vida.

Fecho os olhos e balanço a cabeça, suspirando.

— Não estou aqui para te dizer como viver sua vida, Henrique, apenas para te ajudar a encontras as ferramentas para manejar todos os seus problemas. Exatamente como faria com qualquer paciente, tendo um transtorno mental ou não. A verdade é que um relacionamento amoroso é potencialmente problemático para qualquer pessoa. E qualquer relacionamento amoroso precisa de uma sólida base de comunicação.

Abro os olhos para encará-la, e Cinthia me oferece um sorriso tranquilo.

— E se eu piorar? — pergunto em um sussurro dolorido. — Vocês dizem que a tendência, com a idade, é de a doença se tornar mais estável, e eu sigo meu tratamento à risca, mas e se parar de funcionar? Acontece, que nem acontece com pessoas que têm diabetes de o remédio simplesmente não fazer efeito e nada funcionar. — Respiro fundo, sentindo meus pensamentos erráticos ameaçarem perder forma e sentido. Pauso por um segundo, esperando que minha mente se acalme um pouco antes de continuar: — E se eu precisar ser internado de novo?

Não completo com o e se eu pensar em me matar de novo que pinica a ponta da língua.

— E se você sofrer um acidente de carro quando sair daqui? — Cinthia rebate. — E se os cabos do elevador arrebentarem com você dentro? E se se afogar quando estiver em algum trabalho de campo? Ou for atingido por um raio? E se a Jéssica for atingida por um raio?

— Muito animador — reclamo.

— A vida é imprevisível. Pode ser que todas essas coisas aconteçam, ou nenhuma delas aconteça. E, se acontecerem, só então você lida com elas. Alimentar essas ansiedades não só não vão resolver possíveis problemas futuros, como muito provavelmente vai acabar criando problemas novos.

— Eu sei — confesso. — Eu sei. Mas é mais fácil em teoria do que na prática. Sei disso tudo, mas cada vez que me pego conferindo o alarme da casa mais de uma vez, ou ouvindo coisas, mesmo que por um segundo, não consigo evitar de pensar se não é sinal de um surto chegando.

— Eu entendo — ela diz, mas não, não entende. Ela entende a teoria disso, mas não tem como saber como é de verdade. Não protesto, contudo. Ela entende tanto quanto é possível. — Mas você não precisa passar por nada disso sozinho, Henrique. Não se você não quiser, porque tem alguém lá fora que está disposta a estar ao seu lado para isso.

O sorriso que desponta nos meus lábios não é algo que eu consiga controlar. Se eu fechar os olhos e imaginar uma vida ao lado dela, meu coração se acalma, as coisas subitamente não parecem mais tão graves assim, tudo parece que vai dar certo.

— Obrigado — digo, jogando os olhos para a parede ao lado, onde o relógio de ponteiros está pendurado, vendo que o horário da consulta acabou. — Algum dever de casa? — pergunto com um riso na voz.

Cinthia fecha o bloquinho que manteve em seu colo durante a consulta e me devolve o sorriso.

— Leva sua namorada para jantar e conversa com ela.

Assinto. Posso fazer isso.

Decido cozinhar.

Aproveito que Jéssica saiu para correr assim que chegou do trabalho, e sei que tenho uma hora antes que ela volte para fazer sua comida preferida. Sinto Alexia se esfregar entre minhas pernas com um miado manhoso, e acaricio sua cabeça peluda com a sola do pé enquanto mexo o molho na panela. Quando tudo está pronto, sorrio para a mesa, sentindo-me um tanto idiota pelas velas acesas com cheiro de baunilha que eu odeio, mas ela adora.

Ouço a porta da frente se abrir e a pessoa mais barulhenta que já conheci entrar na sala, colocando as chaves em uma tigelinha em cima da estante perto da porta. Assisto-a deixar os tênis na entrada e pendurar os fones de ouvido nos pescoço, parando abruptamente no meio do cômodo quando me vê.

Se eu não tivesse certeza antes, aqui ficaria decidido que sou capaz de virar o mundo do avesso para arrancar esse sorriso no seu rosto. Jéssica não é tímida, não é dada a acessos de vergonha, mas vejo-a desviar os olhos e balançar a cabeça com um sorriso baixo tão pouco característico a ela.

— Tu sabe que já me conquistou, não sabe? — diz, aproximando-se devagar, percorrendo os olhos pela mesa, um sorriso ainda maior crescendo no seu rosto. Puxo a cadeira, e ela revira os olhos. — Não sei o que te deu hoje, mas não tô reclamando — brinca, fechando os olhos para o beijo breve que pouso em seus lábios antes de ela se sentar.

Contorno a mesa pequena, sentando-me na cadeira oposta a ela. O meu "como foi seu dia?" sai ao mesmo tempo que o "como foi a consulta?" dela, e recosto na cadeira, cruzando os braços na frente do peito

— Não — declaro, balançando a cabeça para enfatizar. Jéssica para com a concha de arroz a meio caminho do prato, o cenho franzido. — Faz um mês que te contei, e um mês que você não fala em outra coisa, Jessi — digo com um suspiro. Suas feições suavizam e ela abaixa a concha. O pedido de desculpas está em seus olhos, mas a interrompo antes mesmo que possa dizer qualquer coisa.

Estendo a mão sobre a mesa, empurrando uma tigelinha para o lado, e ela engancha seus dedos nos meus.

— A consulta foi bem — digo, acariciando seus dedos. Continuo, respondendo as próximas perguntas que sei que vai fazer, como vem fazendo todos os dias: — Eu tomei meus remédios, dormi bem noite passada. Sei que eu disse que não me importo de você ter todo o interesse que quiser, mas não preciso de uma babá, Jéssica. — Giro sua mão, percorrendo a ponta do indicador por sua palma, contornando as linhas das suas mãos. — Preciso da mulher que passou os últimos anos me enlouquecendo.

Ela joga os olhos para cima e suspira pesadamente, assentindo.

— Isso tudo é novo para mim, eu não... — Jéssica bufa; depois, volta a me olhar e dá de ombros. — Eu não sei o que fazer, Henrique.

— Não me tratar como se eu estivesse a ponto de quebrar o tempo inteiro é um bom começo — digo, a voz suave, um leve repuxar de lábios. — Já faço isso o suficiente sozinho. Ajuda muito se você não estiver olhando para mim o tempo todo como se esperasse que uma bomba explodisse a qualquer momento.

Ela meneia a cabeça.

— Justo. — Então, aperta os olhos para mim e me dá um sorriso, aquele que me virou do avesso desde o primeiro instante em que coloquei meus olhos sobre ela, aquele que me faz ter certeza que estou completamente perdido. — Que história foi aquela de tu me apresentar como tua namorada hoje? — ela pergunta, a implicância e provocação descaradas na sua voz.

Respiro relaxado, agradecendo silenciosamente.

— Falando nisso... — Solto sua mão e me remexo no lugar, puxando do bolso da frente da calça o que estou procurando. Não consigo segurar a risada quando seus enormes olhos se arregalam e a boca cai um pouco entreaberta quando ergo o delicado anel preso entre meu indicador e polegar.

— Henrique, eu estava brincando, criatura — ela diz com um fio de voz, o desespero tão claro no seu tom que é impossível de ser negado.

— Não é um pedido de casamento — adianto-me, e posso ver seus ombros relaxando um pouco, mas seus olhos continuam inquisitivos e curiosos. — Mas é um pedido. Muitos pedidos, na verdade.

Ela espera, e alcanço novamente a sua mão que está sobre a mesa.

— Primeiro, é um pedido de namoro — gracejo. Acaricio sua pele e começo a deslizar o anel pelo seu dedo, até o primeiro nó.

— Preciso pensar — ela responde, uma sobrancelha arqueada.

Sorrio, e Alexia mia, protestando por não fazer parte do momento. Olho para a gata sentada, balançando o rabinho agitado, e Jéssica solta minha mão para alcançar sua nova aliada nessa casa. Apoia a gata no seu colo e devolve a mão à minha, encaixando o anel de novo onde eu deixei.

— Pode continuar — instrui, mandona.

Escorrego o anel mais um pouco, até o segundo nó do seu dedo.

— É também um pedido para você não mentir para mim. — Ela abre a boca e um protesto começa a escapar, mas aperto seus dedos. — É sério. Eu realmente preciso poder confiar cegamente em você, Jéssica. Talvez seja injusto pedir isso, não sei, mas é o que eu preciso. Não posso ficar questionando a cada segundo o que você fala.

Ela morde o lábio inferior e aperta um olho fechado.

— É agora que digo que odeio aquela tua camisa quadriculada?

— É minha favorita! — protesto, incrédulo,

Ela dá de ombros.

— É horrível, Henrique. Devia ser crime aquilo existir.

Minha incredulidade é real, mas completamente desarmada pela risada gostosa que ela me dá. Jéssica balança a cabeça, e meu olhar é atraído por uma mecha que escorrega do seu rabo de cavalo.

— Eu prometo — ela diz por fim.

Escorrego o anel mais um pouco, encaixando-o por completo no seu dedo.

— Vem morar comigo — peço, e ela me olha confusa.

— Eu não sei se tu percebeu, mas eu meio que não durmo em casa já tem umas semanas — ela diz, cautelosa.

Puxo sua mão para mim e deixo um beijo suave dos seus dedos.

— Traz suas coisas para cá — digo, mordiscando-lhe a pele quente. — Para de voltar lá a cada dois dias para buscar um livro novo.

— Tem certeza? — pergunta, a voz baixa.

Nego com a cabeça, e ela sorri.

Sorriso que não deixa seus lábios pela próxima hora inteira de um jantar lento e despreocupado. Jéssica ignora o trabalho acumulado, alegando que noite de sexta-feira já conta como final de semana e, pela primeira vez em semanas, parece realmente relaxada contando coisas irrelevantes sobre seu dia enquanto come. Ouço-a reclamar do seu coordenador com uma careta, ouço-a revirar os olhos ao falar da prima, ouço-a... falar. Reconheço cada traço da mulher por quem me apaixonei tão perdidamente, calando como posso a onda de medo que me revira um pouco o estômago.

Aproveito os toques despretensiosos enquanto tiramos a mesa, os beijos roubados e apertões implicantes enquanto lavo a louça. Ela decide tomar banho, e termino a atividade doméstica corriqueira.

Estou sentado no sofá, com Alexia em meu colo e meu diário em mãos, escrevendo concentrado quando ela volta, à vontade, desfilando seminua pela casa como se o lugar a pertencesse. Agora, pertence. Sorrio para a piscada travessa que ela me dá quando me pega encarando, recosto no sofá e assisto-a desfilar de um lado para o outro antes de ir preparar um chá.

— Atende para mim? — peço quando ouço meu celular tocar da cozinha, voltando a atenção às páginas que preencho.

O toque para, sendo logo substituído por sua voz abafada no outro cômodo. Não leva um minuto inteiro para que Jéssica entre novamente no meu campo de visão, celular ainda no ouvido.

— Pode deixar, vou passar o recado. — É a última coisa que ouço antes de ela encerrar a ligação.

Há algo assustador na cena de Jéssica com nada além de uma calcinha muito pequena cobrindo-lhe o corpo, os braços cruzados na frente do peito, celular sendo esmagado na mão, semblante furioso na minha direção. Ela solta uma risada baixa, irritadiça.

— Mas não se tem um segundo de paz nessa vida — ela murmura, mais para si mesma do que para mim, jogando os olhos para o teto.

— O que houve? — pergunto, sentindo meu cenho franzir.

Jéssica suspira e volta a me olhar, uma sobrancelha arqueada. Ao invés de responder, me estende o celular. Confuso, destravo a tela e fecho os olhos por um segundo quando vejo o nome registrado na última chamada recebida. Danielle. A voz de Jéssica me atinge um segundo depois:

— Ela ligou para avisar que tu esqueceu um casaco na casa dela — pergunta, e volto a encará-la, sem conseguir encontrar palavra alguma. — Tu quer começar a se explicar?

Eu estou rindo de puro nervoso e desespero, e é tudo que vou dizer haha

Alguém quer tentar adivinhar o que ele aprontou? Ou acham que não aprontou nada e tem uma explicação perfeitamente aceitável?

Amo vocês!

Juro que não demoro para voltar!


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