Uma bela noite para levar um fora
— Eu sinto muito, Vi, mas você e eu, não era para acontecer.
Virgínia olhou, petrificada, para o rapaz à sua frente. Ela não podia acreditar que aquilo era real. Aquilo não podia estar acontecendo.
Por alguns instantes, ela continuou olhando para ele, esperando que o namorado, ou ex-namorado, talvez, dissesse que era apenas uma piada. Ela até pensou em conferir o calendário em seu celular, para saber se era primeiro de abril, pois apenas isso justificaria aquela atitude infundada. Mas não era o dia da mentira, pelo menos não que Virgínia se lembrasse. A sua mãe faz aniversário no final de março, e a mulher ainda não tinha assoprado as velinhas naquela ano. Portanto, ainda não é abril.
Sem se conter, Virgínia começou a rir. E ela riu bem alto mesmo, atraindo todas as atenções de alguns casais que jantavam nas mesas ao lado à que eles estavam. Ela só não sabia do que estava rindo, exatamente. De nervoso, talvez. Ou então da piada que o namorado havia acabado de contar.
Após perceber que o rapaz ainda estava sério, Virgínia começou a mudar seu semblante. O sorriso que estava presente em seu rosto, foi desaparecendo, lentamente. Ele realmente falava sério, ela constatou.
— O que isso significa? — Virgínia não era tola. Ela sabia exatamente o que aquela frase significava. Ela estava levando um fora. Pior, ela estava levando um fora em público. Pior ainda, ela estava levando um fora em público e tinha acabado de passar uma grande vergonha, após ser encarada por alguns clientes daquele refinado restaurante, como se ela fosse maluca, após soltar uma risada tão alta, em um ambiente onde todas as pessoas faziam questão de falar com o tom de voz mais baixo que eles conseguissem.
Não que as pessoas ali presentes estivessem se importando com o que os dois conversavam, mas aquilo não anulava o fato de que ela estava levando um fora em público.
— Significa que eu estou terminando o nosso namoro. — Ele falou, simplesmente, parecendo não se importar tanto com os sentimentos dela.
— Mas como pode? — Ela tentava manter seu tom de voz o mais tranquilo possível. Não queria passar vexame em um restaurante lotado. — Como você pode terminar comigo, André? Nós estávamos tão bem. Estávamos felizes e...
— Você estava bem, eu não. — ele continuou. — A verdade é que... — o rapaz hesitou, ele temia magoar ainda mais os sentimentos da moça. Mesmo assim, optou por continuar, talvez o certo fosse acabar com aquilo de uma vez. — Eu conheci outra pessoa.
Virgínia piscou os olhos rapidamente, tentando espantar a água que estava prestes a despontar em seus olhos. Ela não se importava de chorar em público, ela se importava em derramar lágrimas na frente da pessoa que estava sendo responsável pelo seu sofrimento.
Ele conheceu uma pessoa enquanto ainda estava namorando com ela. Isso só pode significar uma coisa: André nunca gostou dela de verdade, era apenas uma doce ilusão criada pela sua cabeça, achar que os dois formavam um dos casais mais apaixonados de Santa Esperança. Pensar isso a fez sentir um forte aperto dentro de si. Ficar três anos em uma ilusão, nunca esteve nos planos de Virgínia.
Sua vontade era atirar a taça com todo o vinho dentro, contra a cabeça de André. Mas ela jamais se rebaixaria a tal ponto. Talvez ele não valesse mesmo a pena.
Quando recebeu a ligação de André, convidando para jantar em um dos melhores restaurantes da cidade, Virgínia logo pensou que ele iria pedir sua mão em casamento. Ele quase nunca ligava, apenas enviava mensagens, em todos os três anos de namoro, ela podia contar nos dedos de uma única mão, todas as vezes em que recebeu uma ligação do namorado. Mas aquilo não importava, pelo menos ele lembrava que ela existia, enviando mensagem de bom dia todos os dias.
O que mais ele poderia querer, além de pedir sua mão? Era um dos restaurantes mais caros da cidade, afinal.
Virgínia pôs o vestido vermelho que ela sabe que André adora. Mesmo se odiando de vermelho, ela só queria agradá-lo naquela noite. Fez questão de marcar um horário no salão para alisar o seu cabelo. Apesar de amar seus cachos, ela sabe que o, agora ex-namorado, prefere quando ela alisa os cabelos. Fez tudo do jeito que ele gosta, apenas para ficar apresentável para o rapaz.
E agora ele termina tudo?
— Sabe qual é a minha vontade? — seu tom de voz já estava alterando, mas ela notou quando recebeu um olhar de repreensão do ex-namorado.
— Calma, Virgínia, lembre que estamos em um local público.
— Eu quero que se foda o local público. — Desta vez, ela alterou ainda mais o tom de voz. Mas não foi o suficiente para chamar a atenção dos outros clientes do restaurante.
André escorregou um pouco na cadeira, aparentemente estava com vergonha do vexame que a ex-namorada estava prestes a fazer, porque sim, ele sabia que ela era capaz de fazer barraco em público. E se não fosse o esforço que ela precisava fazer para manter as aparências de uma mulher culta e elegante, graças ao emprego no jornal mais popular da cidade, Virgínia faria sim um escândalo, apenas para vê-lo constrangido.
— A minha vontade —, ela prosseguiu — era pegar todas essas ostras que custaram os olhos da sua cara, e atirar em você. E, quer saber, eu deveria mesmo fazer isso, afinal, nem gosto de ostra mesmo. Odeio todas essas comidas que vocês riquinhos comem, dizendo ser a décima maravilha do mundo.
— Mas você não faria isso, até porque, nós moramos em uma cidade pequena, um escândalo como esse, mancharia a sua reputação de jornalista séria, que aparece na frente das câmeras do jornal local, todos as manhãs dos finais de semana.
Ponto para ele. Virgínia sabia que André estava certo. Ela realmente não mancharia a sua imagem. Todos enxergam Virgínia como uma mulher séria, graças à imagem que ela precisa passar diante das câmeras, quando está apresentando o jornal que é transmitido em toda a cidade.
Como Virgínia odiava parecer o que não é.
Ela está longe de ser uma mulher séria, e sabe muito bem disso. Mas ela se esforçou tanto para conseguir o trabalho, foram noites sem dormir para conseguir ser aprovada em primeiro lugar no vestibular, depois passou a ser estagiária, enquanto ainda estava na faculdade, trabalhando por trás das câmeras e servindo café para os demais funcionários, mesmo que aquela não fosse a sua função, e sendo humilhada por alguns jornalistas que trabalhavam na redação e se achavam melhor do que ela, apenas porque eles tinham uma formação superior e anos de experiência, enquanto ela era apenas uma simples estudante de jornalismo. Para só então, conseguir apresentar o jornal, nas manhãs dos fins de semana.
Era apenas o início, e ela tinha total noção disso. Havia apenas um mês que Virgínia tinha sido promovida. Ela não podia esperdiçar aquela chance, por causa de um homem que estava lhe dando um fora.
— Foi por isso? — ela conteve o tom de voz, evitando mais alterações. Ela se conhecia o suficiente para saber que caso não se controlasse, uma explosão estaria prestes a acontecer naquele restaurante, bombardeando todo o local e deixando vítimas gravemente feridas. — Você só me trouxe aqui porque sabia que eu não faria barraco em público? — Ela mais afirmou do que perguntou.
Virgínia conhece André, foram três anos de namoro, afinal. Ele vem de uma família com excelentes condições financeiras, foi educado para ser um cavalheiro e estudou na melhor escola da cidade, a Sagrada Esperança. É claro que o rapaz odeia barracos, e a melhor maneira de impedir um, após estar prestes a terminar o namoro, seria levar a futura ex-namorada para um lugar público, cercado pelas pessoas mais afortunadas da cidade. É claro que, consequentemente, ele também evitaria ser esfolado vivo por ela. Francamente, o rapaz gosta demais da sua vida para perdê-la tão cedo.
— Você precisa concordar comigo que eu precisava agir assim, pois eu prezo muito pelo meu bem estar físico.
Ela respirou fundo, engoliu todo o choro que estava prestes a sair, mesmo com suas tentativas de deixá-lo bem guardado, pelo menos até sair de perto de André, e levantou da cadeira, o mais discretamente que conseguiu.
Ela não iria pôr o seu emprego em risco. Não por ele. Muito menos daria o gostinho de chorar na frente do rapaz. André já se sente muito disputado, apenas por ser considerado um dos últimos bons partidos que ainda permanecem morando em Santa Esperança. Ela não daria mais motivos para o rapaz ficar ainda mais convencido.
— O meu desejo — disse ela, com os olhos castanhos fixos nas íris azuis do rapaz — é que você seja esmagado por um trem.
Foram as suas últimas palavras, antes de deixar o restaurante.
Pensando melhor, ela matutou em sua mente, bem que deveria ter pedido o prato mais caro, o vinho mais caro e a sobremesa mais cara, apenas para fazer André desembolsar uma fortuna naquele restaurante.
Virgínia se odiou por não ter tido essa ideia antes.
Mas agora já era tarde. Tudo o que ela queria era esquecer que era a mais nova solteira de Santa Esperança – não por vontade própria – e voltar a ser quem ela era antes de começar a namorar com André.
Virgínia se odiava por ter se anulado e deixado de agir como sempre agiu, apenas para agradar o homem que acabara de lhe dar um fora. Ela odiava o fato de ter desfeito os seus cachos, entupindo os seus cabelos castanho escuro com produtos químicos, e ter se distanciado de todos os seus amigos – amigos do gênero masculino – apenas porque o namorado não gostava de vê-la com tanta intimidade com outros homens.
A noite estava linda, Virgínia observou, um ótimo dia para ouvir o seu ex-namorado dizer que eles dois não era para acontecer.
Era um típico sábado à noite, como aqueles em que todo mundo só quer curtir a folga do final de semana. Casais felizes e sorridentes chegavam no restaurante, jovens amigos riam alto na praça mais movimentada da cidade. E tudo o que Virgínia conseguiu fazer foi tirar os guardanapos do Burger King que guardava dentro de sua bolsa, e enxugar as lágrimas que não mais estavam contidas.
Virgínia respirou fundo, mais uma vez, antes de caminhar até seu carro para se livrar, o mais rápido possível daquele lugar.
Ela só queria se distanciar de tudo que fizesse lembrar seu ex-namorado.
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