O namoro de mentira
Como prometido, Virgínia falou sobre Samuel para o seu chefe. Não que ela ainda tivesse muita voz dentro da redação. Já que o seu namoro com André tinha acabado, o editor-chefe não fazia mais tanta questão de ser simpático com a jovem.
Mas ela é muito carismática, isso ninguém podia negar. E foi exatamente o carisma que a levou para frente das câmeras. Os telespectadores gostavam dela, uma moça jovem, que, consequentemente, também atraía o público jovem, porém, com toda a seriedade e inteligência que um jornalista deve ter.
Mesmo sabendo que Virgínia não estava mais namorando André, o seu chefe decidiu dar uma chance para conhecer a pessoa que ela tinha indicado, afinal, Virgínia é extremamente profissional, sempre prioriza o trabalho. Ele sabia que ela jamais indicaria uma pessoa que não fosse qualificada para o cargo.
Ela esperava, ansiosa, Samuel sair da sala de RH.
A jovem queria muito que o rapaz a ajudasse com a sua mãe. Mas Virgínia também gostaria de ajudar uma pessoa que, aparentemente, estava precisando tanto de um emprego.
Provavelmente, mesmo se ele não a ajudasse, ela o indicaria, pois estavam precisando mesmo de uma pessoa no seu local de trabalho e, mesmo estando em seu direito, ele não a denunciou após o atropelamento, pois ela sabia que ele poderia sim denunciá-la, e então sua situação iria se complicar ainda mais, já que seria acusada por lesão corporal culposa, mesmo que o estrago não tivesse sido muito feio, ainda sim, ela poderia sofrer as penalidades.
Mas ele não precisava saber que seria indicado para o emprego, mesmo se recusasse a proposta.
Apesar de ser extremamente mau humorado, Samuel parecia ser uma boa pessoa. Ela sentia isso.
Quando notou que ele já tinha terminado de falar com a psicóloga responsável pelas contratações, ela correu até ele. A ansiedade era muito grande, não dava para ser contida.
— E então? — Perguntou ansiosa, após o rapaz sair da sala.
Samuel nunca foi bom em fazer suspense, então, decidiu que o melhor seria revelar logo de uma vez.
— Eu finalmente serei um trabalhador de carteira assinada.
Virgínia sorriu, sentindo como se um peso enorme tivesse deixando as suas costas. Ela queria mesmo ajudá-lo. E notar que a carranca sempre presente no rosto do rapaz, tinha sumido por alguns instantes, ela se sentia ainda mais contente.
Ele bem que poderia sorrir mais vezes, ela constatou em sua mente.
— Fico tão feliz por você.
— Eu só não gosto de saber que eu só consegui esse emprego, porque você teve que me indicar. É como se eu não tivesse mérito algum.
— Você só vai provar que tem méritos, quando começar a trabalhar. Infelizmente, a maioria dos empregos aqui no Brasil são conseguidos assim, com Q.I.
— Q.I.?
— Sim, Quem Indica. Se você não tiver uma pessoa lá dentro para te colocar para dentro também, as coisas ficam muito mais difíceis. Foi assim comigo, eu sempre passei horas me esforçando para tirar as melhores notas na época da faculdade, mas por muito pouco eu não consegui o emprego. Foi o meu namoro com André que abriu essa porta pra mim, já que o editor-chefe é amigo do pai dele.
Samuel viu uma sombra passando pelo olhar de Virgínia. Ainda doía falar nele, e o rapaz percebeu isso. Não era tão fácil assim superar um término, o rapaz pensava. Apesar de nunca ter passado mais de dois meses com uma namorada — se é que os seus romances passageiros podem ser chamados de namoro — Samuel acreditava que não era nada fácil romper de vez os laços afetivos com uma pessoa, principalmente após três anos de convivência.
— E o trabalho? — ele tentou desviar o assunto. — Me fala sobre o trabalho. O que eu vou ter que fazer?
Ela soltou um leve sorriso, feliz pelo fato de o rapaz ter mudado o rumo da conversa, caso contrário, ela tinha certeza que iria começar a chorar e acabar com o seu estoque de lágrimas, o que ela não gostaria de fazer.
— O trabalho é muito simples, quer dizer, exige força física, e o salário não é lá essas coisas, mas pelo menos dá para se manter.
— Tá brincando? Só o fato de ter um emprego com carteira assinada, já é mais do que o suficiente.
Ela ia falar alguma coisa, o rapaz percebeu, mas foi interrompida por uma mensagem que acabara de receber.
— É a minha mãe. — Virgínia desviou os olhos do celular, para encarar o rapaz. — Ela já chegou no aeroporto. Vem, vamos, a partir de agora, você é meu namorado.
Samuel respirou fundo e torceu, internamente, para que ele conseguisse manter aquele disfarce. O rapaz bem sabe que é péssimo com mentiras e, qualquer atitude minimamente errada, poderia pôr tudo a perder.
Durante o caminho para o aeroporto, o carro de Virgínia continuava tocando as músicas de Sandy e Junior. O impressionante era que nenhuma das músicas que tocavam, eram as mesmas que passaram no fatídico dia do atropelamento. Samuel concluiu que ela devia ter em sua playlist, todas as músicas gravadas pela dupla.
Pelo menos ela não estava cantando, o rapaz observou.
— Você gosta mesmo da Sandy, né? — ele comentou um fato que estava mais do que óbvio.
— Tá brincando? — Virgínia sorriu com ainda mais intensidade do que todas as outras vezes em que ela já tinha sorrido na frente de Samuel. Ele teve a sensação de que poderia ficar horas admirando aquela risada. — Um dos melhores dias da minha vida foi quando eu fui ao show de Sandy e Junior, na última turnê comemorativa que eles fizeram. Eu voltei sem voz, de tanto gritar.
— Acho que eu nunca fui fã de um artista, não desse jeito.
— Quando eu era mais nova, tinha duas certezas na vida, uma era que eu queria muito casar com o Junior, que a esposa dele nunca me escute falando isso, até porque, eu jamais cobiçaria um homem comprometido, e a outra certeza, era a que eu queria ser igualzinha a Sandy. Até cortei uma franja igual a dela, e, é claro, ficou horrível, já que o meu cabelo é cacheado e eu fiquei ridícula com aquela franja.
Samuel pensou que era impossível Virgínia ficar ridícula. Mas preferiu guardar aquele pensamento apenas para si.
A verdade é que, apesar de parecer completamente maluca, ele percebia, a cada conversa que tinha com a moça, que ela pode até ser uma pessoa muito mais agradável do que ele imaginava. Além de ser muito bonita, é claro. Mas isso ele preferia manter em sigilo, proteger seus pensamentos até dele mesmo, já que a última coisa que ele precisa é se encantar por uma quase desconhecida que agora seria sua “namorada".
— Chegamos. — Disse ela, quando o carro parou, próximo ao aeroporto da cidade. — Preparado para enfrentar a fera?
— Não. E com você falando desse jeito, acho que eu nunca vou me sentir preparado.
— Relaxa, a minha mãe não morde, ela até que é tranquila. — Virgínia parou por alguns instantes, como se repensasse o que tinha acabado de dizer. — Quer dizer, ela é tranquila apenas quando não está querendo me desencalhar.
Os dois desceram do carro, prontos para iniciar o “namoro". Para a farsa ficar mais real, Virgínia pegou na mão de Samuel, exatamente como os namorados de verdade fazem. Ela podia jurar que uma onda de eletricidade percorreu todo o seu corpo. Mas fingiu que nada estava acontecendo. Aquilo não era nada demais, apenas nervoso, pois colocaria em prática todo o seu escasso talento como atriz.
De longe, uma mulher que poderia muito bem ser uma versão mais velha de Virgínia, se aproximava, com um largo sorriso no rosto. O sorriso igual ao da filha, que também ergueu os lábios quando viu a mãe.
As duas ficaram um longo tempo abraçadas, o que, de alguma forma, encantou Samuel. Ele perdera a mãe muito cedo, por isso, não teve tantos momentos com ela, mas dos três irmãos, é o que tem mais lembranças dela. Como ele sentia falta da mulher que lhe trouxe ao mundo.
— Mãe, esse aqui é o Samuel. — Virgínia apontou para o rapaz, parecendo lembrar, pela primeira vez após um longo tempo, que ele também estava presente.
A mulher olhou para ele, percorrendo o olhar por toda a estrutura corporal dele, estudando todo o seu físico, até pausar no rosto do rapaz. Ela lançou um sorriso para ele, e voltou a olhar para a filha.
— Mas eu pensei que você estava namorando com o André.
— Então, acontece que...
— Ah, tudo bem. — A mulher interrompeu a filha, com o sorriso ainda mais largo. — Eu não ia mesmo com a cara dele.
— Mas eu achei que você adorasse o André.
— Era o seu namorado, né? Eu precisava ser simpática. Mas a verdade é que eu sempre achei aquele rapaz muito nariz em pé.
— Que bom, então. Saber disso me deixa bem animada. — E deixava mesmo. Virgínia temia que sua mãe infernizasse a sua vida, por ela ter terminado com o herdeiro de uma das famílias mais tradicionais da cidade. Na verdade, todos sabem que foi ele quem terminou com ela. Mas sua mãe não precisava saber disso.
— Mas eu preciso dizer que você fez uma ótima troca. Esse rapaz é muito mais atraente e mais charmoso que o André. Ah, meus vinte anos.
— Já tá bom, mãe. — Virgínia, completamente envergonhada, impediu que a mãe continuasse falando e a colocasse em uma situação ainda mais constrangedora. — Vamos?
— Espera. Antes eu preciso me apresentar para o seu namorado, já que você não fez isso. — A mulher voltou a sorrir para o rapaz. — Prazer, me chamo Sandra, o mesmo nome da atriz preferida da minha filha. Coincidência, não?
Ele apertou, sem força alguma, a mão da mulher, que estava estendida no ar.
— Prazer, dona Sandra. — Disse ele, bastante sem graça.
Samuel constatou que Virgínia não parecia com a mãe, apenas na aparência física. A personalidade também era bastante parecida. Ele só não sabia se isso era bom.
— Nada de dona. Eu nem sou tão velha.
O rapaz sorriu, com o rosto prestes a corar. Ele adoraria que tivesse um buraco bem profundo para ele se jogar dentro e fugir daquela situação extremamente constrangedora em que Virgínia o colocou.
— Então, Samuel, o que você acha de almoçar com a gente amanhã? — A mulher continuou aumentando conversa, enquanto eles caminhavam para fora do aeroporto.
Samuel, como o bom cavalheiro que é, fez questão de carregar as malas da “sogra", deixando a mulher ainda mais encantada com o “namorado" da filha.
— É... eu... eu acho que...
— Ele não vai poder, mãe. — Virgínia se apressou em dizer, tentando livrar o rapaz daquela situação. Ele não queria aceitar o convite, mas não estava sabendo como recusar, e ela percebeu isso.
— Por que não? Eu vou adorar conhecer um pouco mais o namorado da minha filha.
— Mas, mãe, ele...
— Não aceito recusa.
O rapaz estava se sentindo cada vez mais constrangido, Virgínia conseguiu notar. Fingir ser namorado de alguém não é uma boa coisa, mas almoçar com a mãe da namorada de mentira, isso já é demais.
Mesmo assim, ele se esforçou para dizer:
— Tudo bem. Eu acho.
Ele olhou para Virgínia e viu quando ela soltou um silencioso “desculpe", apenas movendo os lábios, sem emitir som algum.
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