Capítulo 39 - CATARINA
Existem pessoas que sabemos que vão nos decepcionar, mesmo assim confiamos nelas por acreditar na esperança.
Tinha coisas mais importantes para me preocupar do que com um jogadorzinho que arremessa charme para qualquer uma, sem se importar com os sentimentos das pessoas.
Sem aguentar, fico em um canto da festa e deixo uma lágrima escapar.
— Não fique assim, Cata! — diz Marlon ao meu lado.
— Estou chorando de ódio. Já chorou de ódio, Marlon?
— Já.
— Então sabe o gosto que tem a decepção. Eu não estou com ódio dele, estou com ódio de mim mesma. De ter acreditado que poderia dar certo. Santa ignorância!
— Você não acha isso esquisito?
— Como assim? — Pego uma taça de champanhe que o garçom nos oferece.
— Depois de um dia inteiro com a gente na sua casa, ele aparece aqui com ela. Ele te convidou, esqueceu?
— Eu também não entendo. Quem sabe ele chegou em casa depois do churrasco e percebeu que nós não daríamos certo. Somos muito diferentes, de mundos distintos.
— Eu não sei. Continuo achando que não faz sentido. Tem caroço nesse angu.
— Será? — Engulo o champanhe.
— Cata, ele estava feliz lá com a gente, estava gostando. Caramba, se ofereceu para ser o churrasqueiro!
— Eu sei, mas... Ele...
— Isso não está certo. Essa mulherzinha está metida nisso. Viu a cara dele quando te viu?
— Eu estava tão nervosa que não prestei atenção.
— Ele soltou a mão dela na hora!
— Não sei...
— Ele não disse que gosta de você?
— Ele disse que me amava, Marlon.
— Cata, eu posso até estar um pouco enganado, mas sinto o cheiro de falcatrua de longe, amiga.
— Dele. Falcatrua dele.
— Não. Dela. Para com isso, vai. Você é uma mulher inteligente. Apenas pense um pouquinho antes de tirar conclusões precipitadas.
— Está bem. Talvez você esteja certo. Mas e aí? Nada muda. Ele está aqui com ela. Eu só não posso parar minha vida por alguém que está seguindo em frente.
— Ei! Sem essa, vai! Ninguém aqui está parando nada, não, Cata! Você está linda, magra e com um vestido vermelhão chique atraindo olhares de todos os boys. Um bofe gostoso pra dedéu está atrás de você e ainda por cima é podre de rico. Tá pouca coisa não, amiga.
— Falando assim, até parece que está tudo a mil maravilhas.
— E não está? A Ana e o Leandro te amam incondicionalmente e eu te aturo — Faço uma careta. — Brincadeirinha! Nós três te amamos, com ou sem Henrique Soares.
Sorrio, abraçando-o. Marlon sempre me arranca sorrisos nas horas mais inesperadas. Eu estava grata por ele estar aqui.
— Acho melhor eu ir embora.
— Nem pensar! Você vai continuar aqui, esbanjando glamour na cara da alta sociedade. Quem disse que caxienses não podem brilhar?
— É claro que podem — afirmo sorrindo. Na verdade, eu ficaria ali apenas para me torturar um pouco mais.
Marlon usa seu gravador e vai descrevendo as celebridades que passam. Tira algumas fotos, inclusive de um ator casado de conversinha no pé do ouvido com uma loira gostosona, que não era a esposa.
— Esse mundo é meio estranho — diz ele, guardando a câmera novamente.
— Eles se acham os donos do mundo.
— Nem todos — Marlon se vira para o outro lado, chamando minha atenção.
Jaime está conversando com algumas pessoas. No momento em que eu vejo, nossos olhares se conectam. Imediatamente desvio o olhar e começo a ajeitar o cabelo.
— Ele não é famoso.
— Ele está no meio — retruca Marlon. — E está vindo para cá.
Reviro os olhos. Eu gosto do Jaime. Ele é incrivelmente simpático e aparentemente, integro. Diferente do irmão cafajeste. Seria bem mais fácil se eu pudesse comandar meus sentimentos e retribuísse sua afeição. Pena que não posso fazer isso.
— Boa noite — diz Jaime já ao nosso lado.
Visto meu melhor sorriso.
— Boa noite, Jaime. Como está?
Jaime e Marlon se cumprimentam rapidamente.
— Bem e você?
— Ah... ótima. Não poderia estar melhor. — A resposta sai um pouco estridente. Pelo olhar do Jaime, ele não acreditou nem por um minuto na minha resposta.
— Talvez você queira dançar, sei lá... relaxar um pouco... — Jaime estende a mão.
Marlon pigarreia com a minha demora em responder e arregala um pouco os olhos.
No fundo do salão vejo Henrique.
— Não fique aqui no canto da festa. Você não merece isso e acho que algumas pessoas estão merecendo uma lição.
Franzo o cenho e entendo perfeitamente o que ele quer dizer. Jaime estava ciente de tudo. Imediatamente aceito a dança. Andamos pelo salão e Jaime se aproxima, colocando as mãos nas minhas costas. Dançamos uma música inteira sem falar nada.
— Você não sabe mentir, sabia? — Sua voz sai um pouco rouca, como se esperasse o momento certo para tocar nesse assunto.
— Eu? — pergunto atônita. — Eu não sei do que você está falando.
Jaime para e me olha nos olhos.
— Você gosta dele tanto assim?
Sua pergunta me faz entrar em choque. Era como se minha consciência questionasse meu coração.
— Jaime, eu...
— Tudo bem, Catarina. Pode ser sincera. Você gosta mesmo do Henrique?
Meus olhos lacrimejam novamente. Merda de sentimento!
— Ele é um cretino, Jaime.
— Ele é.
— Peço desculpas por não ter falado antes, eu....
— Tudo bem, Catarina. As coisas foram esclarecidas. Só não quero que você se machuque.
— Eu... eu não consigo entender o porquê ele está aqui com ela...
— Eu também preciso dizer que não entendo o que aconteceu para ele chegar com a Luciana.
— Canalhice... e das boas.
— Henrique pode ser um cara excêntrico e às vezes impossível, mas não é má pessoa. Confesso que depois que perdemos o Heitor de forma tão cruel, relevei muitas de suas ações, mas...
Antes que ele termine a frase ou que eu possa questioná-lo, ele para de dançar e pega o celular no bolso do paletó, que está vibrando.
Ele fica sério ao ver o visor.
— Desculpe, eu preciso... — diz apontando para lugar nenhum.
— Tudo bem.
Jaime me dá um beijo gentil no rosto e sai meio apressado pela multidão.
— Viu só? — diz Marlon já ao meu lado, olhando para onde Jaime foi. — Alguns são até simpáticos. Já outros são...
Ele se vira para um dos atores que estão no bar e sorri.
— Ah, entendi.
— Entendeu o que?
— O rapaz ali.
Ele se vira para mim.
— Saímos algumas vezes, mas ele não pode dar pinta.
— Como assim?
— Ele é ator e precisa passar uma imagem de garanhão para as fãs. Foi proibido de falar que é gay.
— Que horror. Coitado.
— Coitado nada. Ele é um banana. Agora fica inventando namoro com várias garotas. Pensa que engana! Hum. Só eu sei o quanto ele é gay.
Meneio a cabeça, sorrindo um pouco. O Marlon é engraçado até mesmo quando discute seus problemas. O rapaz que estivemos observando nos percebe e sorri para o Marlon, cumprimentando-o com a cabeça e Marlon retribuí o cumprimento erguendo a taça que está na sua mão.
— Mas ele não é aquele... — Agora consigo identificá-lo.
— Sim! Aquele galãzinho de meia tigela da novela das seis.
— Quem é que está podendo aqui? Depois você fica falando de mim...
— Cata, não dá para comparar gostosura e nem riqueza. Soares ganha com aquele rostinho de safado irresistível.
Me arrepio. Eu sabia exatamente do que ele era capaz.
Vagueio o olhar entre os convidados e percebo Henrique, parado me olhando. Ele está incrivelmente lindo com um Black tie, com smoking preto.
— Dá licença — digo meio brava, entregando minha taça para Marlon — Vou ao toalete.
Saio em disparada do salão, sem saber onde o maldito banheiro era. Precisava ficar longe dos seus olhares.
Encontro um banheiro e entro.
Encaro-me no espelho e sem borrar a maquiagem, passo um pouco de água sobre a testa.
— Olha só quem está aqui. — Uma voz feminina rompe o silêncio do cômodo. Através do reflexo vejo Luciana Santana.
Olho de um lado para o outro. Ela está falando comigo?
Viro-me devagar.
— Olá... — respondo desconfiada.
— Não finja que não me conhece, querida. Sei muito bem que foi você que tirou aquelas fotos.
Paraliso por alguns segundos.
— Eu? Você está me confundindo... — minto.
— Saiba que os meus advogados estão entrando com uma ação contra você.
— Mas... — gaguejo. Como essa vaca descobriu?
— A mocinha não sabe falar, é? — Ela debocha. Eu estava mesmo sem palavras. — Mas sabe trepar muito bem para agarrar um homem, não é?
— Não sei do que você está falando... se me der licença... — Ameaço sair, mas ela me impede, ficando parada na frente da porta.
Luciana é alta, magra, cabelos incrivelmente ondulados e de perto posso perceber os quilos de maquiagem no rosto que ela carrega.
— Sabe sim, sua sonsa. O que você achou? Que o Soares seria seu?
— Eu não acho nada.
— Sabe quantas jornalistas ele já pegou? Quantas ele foi para a cama? Você não passa de uma suburbanazinha de quinta categoria.
Engulo a seco, mas o nó na minha garganta quase me sufoca.
— Como é?
— É isso mesmo que você ouviu, sua lambisgóia! Você achou que ele iria manter em segredo? Ele riu da sua paixonite idiota e contou para os amigos. Todos riram de você, sua patética!
Meus olhos enchem de água.
— Ah, vai chorar, vai?! Achou que ele ia ser só seu, é? Que peninha.
Quem essa mulher pensa que eu sou? Eu não posso ir para casa e ficar com isso entalado na garganta. Não mesmo. Respiro fundo e pisco algumas vezes para as lágrimas desaparecerem.
— Quem é você para falar de mim, sua vadia? — Cuspo e ela se choca. — Limpe sua boca antes de falar comigo, tá legal? Você pensa o quê? Que tem um rei na barriga? Você não passa de uma mulher mimada, mesquinha e... — Penso no que falar. Eu precisava colocá-la no seu devido lugar. — E sem caráter. É isso que você é.
— E vai fazer o que agora? Vai me bater como uma favelada?
Meu sangue ferve. Foi a gota d'água.
Em um só movimento, minha mão vira seu rosto para um lado em um estalo alto.
— Sua vadia! — ela grita partindo para cima de mim.
Ela puxa o meu cabeço e eu o dela. A cena é no mínimo lamentável, mas quem é ela para mexer comigo, sendo que nem me conhece?
Ela cai no chão. Eu posso ser baixa, mas tenho uma força descomunal quando estou com raiva. Luciana me olha assustada. Eu me abaixo ao seu lado e dou outro tapa forte em seu rosto.
— Esse foi pelos xingamentos. — Em seguida dou outro tapa. — Esse foi me chamar de suburbana de modo pejorativo. Sou suburbana mesmo e tenho orgulho de onde vim.
Ela me olha espantada.
— Você é... — Antes que ela me xingue novamente o tapa dá lugar a um soco em seu rosto.
Ela grita.
— Sai de cima de mim, sua... — ela ameaça e levanto minha mão para dar outro soco.
— Catarina! — A voz do Henrique ecoa no banheiro.
Levanto lentamente e ajeito meu vestido. Não poderia levar desaforo para casa.
— O que aconteceu aqui? — ele pergunta, ao meu lado. Luciana se levanta com dificuldade, ainda com a mão no rosto.
— Esse animal me bateu! Está com inveja! Recalcada!
Parto para cima dela, mas Henrique nos separa.
— Ela deveria estar enjaulada! — Continua gritando. Algumas pessoas entram no banheiro e começamos a ter plateia.
— Chega, Luciana! — fala Henrique.
— Vem, Catarina... — Henrique puxa meu braço para a saída.
— Onde você vai? — pergunta Luciana.
Henrique a ignora. Eu deveria soltar meu braço e negar aproximação, mas como a cara de raiva da Luciana está tão boa, prefiro seguir com os planos dele.
— Henrique? Henrique? — Ela tenta nos impedir. — Está todo mundo lá fora, não faz isso comigo! — Luciana implora e eu quase me comovo.
— Foi você que se meteu nisso, Luciana. Eu fiz o papel que você queria, mas não me peça para ficar longe da mulher que eu amo. Isso não vai acontecer.
— Ama? — indaga ela, transtornada.
Henrique a ignora e com a mão em minha cintura praticamente me carrega para fora do banheiro.
— Vamos!
— Eu não quero ir a lugar nenhum com você.
— Catarina, você precisa entender...
À direita vejo um dos jornalistas tirar uma foto nossa.
— Porra! Será que podemos sair daqui? Eu prometo ter uma explicação lógica para isso.
— Eu acho bom mesmo — digo furiosa.
Assim que outro jornalista chega, nós dois saímos pela porta de emergência e caminhamos de mãos dadas até o estacionamento.
Ele abre a porta do seu carro e entra em seguida, mexendo no porta-luvas.
— Toma. — Henrique me entrega um envelope pardo. — Abra.
Pego e envelope e abro devagar.
São fotos. Fotos minhas, minhas com ele e até da Ana.
— O que significa isso?
— Chantagem. Aquela vadia contratou um detetive e agora tem essas fotos.
— Ah, eu vou voltar lá agora mesmo! — grito, já tentando abrir a porta do carro. — Preciso acabar com a raça daquela desgraçada.
— Calma, Catarina.
— É por isso que você está com ela?
Ele meneia a cabeça, passando a mão pela barba.
— Ela ameaçou expor vocês
Uma onda de carinho e afeição me domina. Ele estava protegendo a mim e a Ana. Sem me controlar, eu o abraço bem apertando.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. A culpa é toda minha — diz, mexendo em meus cabelos.
— E agora?
— Agora ela deve estar revoltada — bufa. — Talvez seja melhor eu...
— Você não vai voltar.
— Eu preciso. Por vocês...
— Eu estou entrando nessa, não estou?
— Mas e Ana?
— A Ana vai ficar ainda mais triste se souber que você mentiu para ela que estava namorando a sua mãe.
Henrique solta um sorriso enorme.
É nesse momento que tenho a convicção de que a minha vida estava realmente ligada à dele e nada mais iria mudar isso.
— Eu te amo, Catarina. Não sei como vivi tanto tempo sem você.
— Eu... — ele espera, segurando meu rosto entre suas mãos, com um sorriso nos lábios e os olhos marejados. — Eu também te amo, Henrique Soares.
Ele fecha os olhos devagar, como se precisasse assimilar aquela declaração e logo uma lágrima escapa dos seus olhos.
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