Capítulo 36 - HENRIQUE SOARES
A verdade é que eu sempre soube que corria o risco de me ferrar. Falei que estava apaixonado por Catarina, agi como se não houvesse amanhã, mas o amanhã teve e eu me fodi.
Perdi a cabeça e agora as horas não passam.
Depois da conversa esclarecedora com Jaime, tive que me conter para não ir atrás dela ainda na madrugada e passei o restante da noite planejando raptá-la no dia seguinte e prová-la que eu estava mais apaixonado do que nunca. Mas, levei um balde de água fria quando resolvi ligar ainda cedo e ser atendido por um homem dizendo que ela estava dormindo ao seu lado.
Fiquei puto, revoltado, decepcionado! Que porra era essa? O que essa mulher queria?!
Achei que o meu maior empecilho era o fato do meu irmão estar apaixonado pela mesma mulher do que eu. Mero engano. Eu não a conhecia, não sabia qual era o seu estilo de vida, qual era a sua verdadeira índole. Eu tirei conclusões precipitadas e me enganei.
Fecho meus olhos, sentado na varanda de casa e só os seus olhos me vem à mente. Já é noite e faz quase 48 horas que não a vejo. Meu coração parece estar sendo esmagado a cada instante que me pego pensando nessa mulher. Ela quis me torturar indo para cama comigo, só pode!
Em todos os lugares só vejo Catarina. Ontem, depois da maldita ligação, eu resolvi colocar um boné e correr na praia. Eu precisava tentar aliviar o estresse e virar a página. Eu soube desde a primeira vez em que a vi que corria o risco de ficar louco. E tudo o que eu mais queria nesse momento era amá-la.
Ainda estou na esperança de que isso não passou de uma palhaçada e a qualquer momento ela irá me ligar, por outro lado fico lutando para não cair em tentação e ligar mais uma vez. Eu queria ouvir da sua boca. Queria ouvi-la dizer que apenas fui usado para crescer no seu trabalho. Aquela minha ideia de ela ser uma oportunista não era tão insana assim.
Sabe o que mais me assusta? É prever que não irei esquecê-la nem tão cedo. Merda de mulher!
Eu poderia gostar de qualquer outra pessoa, uma menos complicada, confusa, difícil, que fosse do meio artístico e que estivesse disposta a estar comigo toda hora. Tantas passaram pela minha vida nesses últimos anos. Era pedir demais que fosse qualquer uma dessas? Mas não, meu coração havia escolhido essa cretina e por alguma razão, ele não estava muito a fim de abrir mão disso.
— Está me ouvindo? — A voz de Jaime chega à varanda.
— Hum.
— Amanhã. Festa da sua maior patrocinadora — diz ele, já ao meu lado.
— E...
— E você já está sabendo disso há três meses, precisa ir. É o convidado especial.
Concordo, lembrando. Jaime dá dois passos para sair da varanda, mas para.
— O que aconteceu?
Passo a mão no rosto. Eu estava parecendo um babaca.
— Nada demais.
— Se não quiser falar, beleza. Só não fale que você sentado o dia inteiro olhando para o nada é normal.
— Está feliz com isso? — pergunto grosseiramente. Ele sabia perfeitamente do que se tratava.
Ele cruza os braços e eu ajeito minha postura na cadeira.
— Vai ficar aí com dor de corno?
A raiva dentro de mim cresce. O que ele está querendo?
— Cara, é melhor você sair daqui — peço. Não quero brigar. Não novamente.
— Porque não liga para ela?
Sorrio. Uma risada nervosa. Ligar para ela? Como se fosse uma ideia fantástica.
— Por que... por que...
Eu não quero confessar a ele que perdi. Que ela já tem outro. Eu sempre fui adepto da tática: se não conseguir algo, diga que nunca quis.
— Porque você é um idiota — ele mesmo completa.
— Jaime! Ela tem outro! Um cara atendeu e disse que estavam juntos — Foda-se! Jogo a minha tática no lixo.
— Se eu fosse ela também ficaria puta se soubesse que o cara que diz gostar de mim está em uma balada. Ainda mais alguém se tratando de você.
— Do que está falando?
— Pude perceber algumas coisas desde que você contou que está apaixonado por ela e uma delas foi a cara de decepção que Catarina fez quando eu disse que você e o Fábio estavam em uma festa. Eu até me sinto um burro por não ter percebido antes.
— Sério? Eu só fui porque vi vocês juntos e...
— Pode me poupar dos detalhes. Se não fosse tão tarde eu falaria para você ir até a casa dela conversar pessoalmente...
Como sempre, eu bancando o idiota para Catarina.
— Que horas são?
— Já passa da meia noite.
— Merda!
— Bom, vou dormir — fala Jaime saindo da varanda.
— Jaime! — Chamo por ele. Levanto da minha cadeira e coloco as mãos no bolso da bermuda. — Obrigado.
Ele não responde, apenas dá um aceno com a cabeça.
***
Dirijo meu carro com o coração na mão. Eu estava nervoso demais. Precisava crer que a história do homem no telefone era mentira apenas para me dar um chute no traseiro.
Jaime me deu a oportunidade de seguir o que meu coração pedia e o orgulho tinha falado mais alto.
Estaciono em frente à sua casa. Algumas crianças brincam na rua. É sexta-feira e feriado aqui no Brasil. Normal as ruas estarem cheias. Ajeito o boné para tentar passar despercebido, mas não tem jeito, o meu carro atrai olhares.
Abaixo minha cabeça antes de sair do carro e paro em frente ao portão de ferro.
— É só chamar! — grita uma criança.
Faço um aceno com o polegar, sem virar meu rosto para ele. Bato palmas e os cachorros da vizinhança latem. Bato novamente e nada.
— Leandro! — Outro garoto grita alto. — Ele falou que era pra gritar, tio.
Arranho a garganta e antes que eu pudesse falar que não era Leandro que eu queria chamar, o portão de ferro é aberto e com as palavras na ponta da língua para pedir desculpas para Catarina, vejo um homem a minha frente.
— Puta merda! — ele diz a me ver.
— Desculpe... Hum... a Catarina está?
Uma risada escapa da sua boca.
— Não acredito!
— Será que posso entrar antes que me reconheçam? — peço, em um tom gentil.
— Ah, sim, claro. — Ele me dá passagem, ainda com o sorriso nos lábios.
— Catarina...
— Ela não está. Eu sou o irmão dela, Leandro. Sou muito seu fã.
Estico minha mão para ele e o cumprimento.
— E aí, Leandro, beleza? Desculpe aparecer sem avisar, mas precisava realmente falar com a sua irmã.
— Sem problemas. Caramba, eu nem acredito que seja você de verdade aqui. Quer dizer, a mana me contou e até me fez falar com você no telefone, mas eu nem...
— Então era você?
Filha da mãe!
Ele para de sorrir na hora.
— Se ela souber que te falei vai me matar.
— Não vai, fica tranquilo.
Eu poderia saltar de felicidade. Eu ainda caí naquela!
— Entra. Catarina não vai demorar. Aceita alguma coisa? Água, Coca-Cola?
Sento-me no sofá. Leandro é um cara simpático, mesmo tendo me trolado no telefone.
— Não, obrigado, estou bem.
Ele se senta no outro lado.
— Sei que já esteve aqui, a Ana me contou.
Sorrio.
— Sim, só não sai muito bem na última visita.
— Fiquei sabendo.
Leandro de repente retira o sorriso dos lábios e por alguns segundos fica sério.
O silencio é constrangedor.
— Bom, acho melhor eu voltar mais tarde, ou...
— Não, desculpe. Como irmão, eu preciso ir devagar. Curto muito o seu trabalho e como disse, sou seu fã, mas Catarina é minha irmã, então... ela pediu para eu mentir no telefone anteontem. Quais são suas intenções com ela? — Deu para perceber que ele se divertiu com a pergunta, pois tentou ocultar o sorriso que se formava.
— Hum...
— Desculpe, Soares. A minha irmã e Ana são tudo para mim. Eu nunca tive a oportunidade de falar isso para algum cara que Catarina se envolvesse e acredite, foram poucos. E perguntar isso para você soa um pouco cômico. Preciso protegê-las, sabe?
Sorrio para ele, entendendo seu lado.
— Eu estou apaixonado pela sua irmã, Leandro — revelo, sem saber o motivo. Parecia que eu queria que o mundo soubesse disso.
Ele evita sorrir novamente e meneia a cabeça, como se pensasse no que dizer.
— Sei, sei... ela sabe?
— Bom, vim até aqui para enfatizar isso.
— Catarina é uma mulher simples, tem uma vida simples. Ela não merece ser machucada e...
— Eu também não quero isso, Leandro. Na verdade, acho que foi justamente sua simplicidade que me fez ficar apaixonado. Ela não me olha como se eu fosse intocado, sabe?
Repentinamente me vejo em uma conversa sincera com Leandro. Ele estava querendo proteger a irmã. Eu sabia exatamente como funcionava. Sempre quis proteger o meu irmão gêmeo.
— Entendo. Mas você mora em outro país, tem uma vida diferente... A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco.
— Estou disposto a resolver isso com ela. Bom, isso se ela não quiser me dar outro chute.
— Boa sorte, então. Aquela ali tem um gênio forte, mas na verdade tem um coração enorme.
— Preciso mesmo de muita sorte.
— Vou pegar uma água para você — diz, já de pé. — Catarina está trazendo cerveja.
Olho para o corredor onde dá na cozinha e reparo as bexigas coloridas espalhadas pela casa. Estava tão focado que nem reparei antes.
— Hoje é o aniversário da Aninha. Pelo que sei você já conheceu a nossa pequena, não é? — Leandro pergunta da cozinha.
— Já sim. A Ana é uma figura.
— É a alegria dessa casa.
— Eu imagino — digo, pegando o copo da mão dele.
— Elas foram ao mercado. Vamos fazer um churrasco. Coisa simples, só para não passar em branco. A Ana adora isso.
— Claro, ela merece.
Um toque de celular nos interrompe. Leandro levanta rapidamente e entra pela casa.
— Alô. Sério? — indaga, falando ao telefone. — Onde estão? Estou indo para aí. Não, não. Fica quieta aí. — Leandro gesticula falando no celular.
Ele desliga o aparelho e me olha.
— Catarina precisa de ajuda. O carro enguiçou próximo ao mercado.
Levanto-me rápido.
— Vamos ajudá-la. Só não sei se ela irá gostar de me ver lá.
— Acho que na situação que ela está, tenho certeza que vai.
Ele entra no meu carro e me informa o caminho até o mercado. Eu queria mostrar a ela que poderia ser uma pessoa diferente, que poderia estar ao seu lado e tendo a aprovação de Leandro será um ponto positivo, eu acho.
Na rua do mercado, vejo o seu carro, o mesmo que quebrei o vidro naquele fatídico dia.
— Melhor parar um pouco longe, Henrique — diz Leandro. — Acho melhor eu ir falar com ela primeiro, o que acha?
Observo Ana dentro do carro e ela no lado de fora, recostada a ele. Ela está linda, com um vestido claro e o cabelo preso. Concordo com Leandro, que sai do carro e caminha em sua direção.
Eu estou nervoso.
Vejo a cena de dentro do meu carro. Catarina abre um sorriso ao ver o irmão e o abraça. Explica mais ou menos o que aconteceu, apontando e coloca as mãos na cintura. Leandro acena para o meu carro e dou graças por ele ter os vidros escuros.
O seu sorriso cessa e meu coração bate ainda mais forte quando vejo que caminha em direção ao meu carro.
Ela para ao lado da minha porta e dá duas batidinhas no vidro. Abaixo o vidro e seus olhos encontram o meu. Essa mulher já faz parte da minha vida.
— O que está fazendo aqui?
— Vim ajudar.
— Não. O que foi fazer na minha casa?
— Precisava te ver, falar com você.
— Não, você não precisa. Seja lá o que tenha rolado com a gente, acabou, não é? Não precisa vir aqui me explicar alguma coisa. Não sou do tipo que acredita em histórias que os homens contam. Fica na paz, ok?
— Você não sabe o que está falando, Catarina. Não disse mentira nenhuma.
— Ah, não? Vou acreditar que você estava apaixonado por mim quando foi para a balada com seu amigo jogador, tudo bem?
— Eu fui buscá-la no trabalho e vi você e Jaime.
Ela abre a boca e fecha algumas vezes antes de continuar.
— O que você está falando?
— Vi vocês na rua como uma família feliz. Fiquei puto.
— Jaime foi até o jornal porque queria saber como eu estava depois da entrevista.
— Eu sei, mas na hora entendi errado.
Algumas pessoas passam ao nosso lado e levanto um pouco o vidro, deixando apenas os meus olhos a mostra.
— Você é tosco, sabia. Não me deve satisfação!
— Devo.
— Não deve.
— No momento em que percebi que você é a mulher que amo é meu dever dar satisfação e desfazer toda essa confusão.
Ela para e a sua postura muda.
— Não venha com essa! Olha... — Ela recomeça agora mais calma. — Hoje é o aniversário da minha filha e nada vai estragar o meu sorriso. Agora, vai embora, Henrique.
— Por favor, não me peça isso.
— O que você quer?
— Agora? Eu quero poder ficar para o churrasco da Ana.
— Eba! — A voz de Ana surge ao lado de Catarina e eu a vejo no colo do Leandro.
— Desculpe mana, mas o rapaz vai ajudar a empurrar o carro.
Abaixo o vidro novamente e Catarina sai de perto. Cumprimento Ana, que sorri.
— Parabéns, Aninha.
— Obrigada, tio.
— Vou lá ajudar a empurrar o carro também — digo.
— Acho melhor não. Está cheio de gente na rua, acho que vai dar muita confusão — diz Leandro. Ele está certo.
Eles se afastam para verem o carro.
— Já sei o que posso fazer.
Pego meu celular e ligo para o meu assessor, mas antes de pedir ajuda, vejo o carro de Catarina sendo empurrado por alguns homens e por fim, pegando no tranco.
Os caras sorriem para ela e ela para eles. Torço a boca. Leandro está ao lado dela com Ana no colo e agradece os homens pela ajuda. Ele faz um sinal de positivo para mim e entra no carro com Catarina.
Sigo-os até chegar a casa deles e assim que Catarina sai do carro vem até o meu.
— Que parte você não entendeu quando eu disse que era para você ir embora? — ela pergunta, com as mãos na cintura.
Eu saio do carro, ajeito o boné e sinto minhas mãos tremerem. Era a minha vez. Eu precisava ter consciência de que estava na linha tênue para fazer tudo isso ir por água abaixo.
— Que parte você não entendeu quando eu disse que te amava?
Minha pergunta é ouvida e assimilada com silêncio.
— Eu te amo, Catarina. Eu não sei muito bem como agir. Isso tudo é muito novo para mim. Só sei que nunca quis estar tão perto de alguém como quero estar de você. Não me peça para ir, por favor.
Ela engole a seco e percebo seus olhos cintilarem.
— Você sabe fazer churrasco? — pergunta, piscando várias vezes, sem fixar os olhos em mim.
— O melhor do mundo.
— Então, entra. Marlon e Leandro são péssimos e minha filha merece o melhor.
Sorrio e ela também, mordiscando o lábio.
Eu queria abraçá-la e sentir seus lábios sobre os meus, mas me mantenho quieto. Eu precisava de calma.
Leandro e Ana começam a retirar as sacolas de compras do carro e eu vou até lá e ajudo, colocando-as dentro de casa.
O irmão de Catarina solta uma risada.
— Está rindo de quê? — Ela questiona, carregando mais duas sacolas.
— Ah, vai me dizer que Henrique Soares carregando sacola do supermercado Guanabara não é engraçado?
Catarina se junta ao irmão na risada e eu nego com a cabeça rindo também.
— Se soubesse quantas vezes carreguei sacolas de mercado, não achariam tão hilário.
— Desculpe, é que não daria para imaginar se eu não estivesse vendo na minha frente — comenta Leandro.
Ana me cutuca de um lado.
— Você é rico?
Sua pergunta é direta e sei que não há maldade nisso.
— Ana! — Catarina chama atenção dela e eu peço para não brigar com ela.
— Bom, não sei de quê riqueza você está perguntando. Se for de dinheiro, sim, acho que sou. Se for de saúde, também sou, mas se for de felicidade, eu digo que estou quase lá — Olho para Catarina que sorri um pouco, deixando uma sacola cair no pé.
— Aí!
— Cuidado — Peço, ficando ao seu lado, pegando em sua mão. Ela levanta o olhar para mim e nega com a cabeça. Eu não sabia o que ela estava negando.
— Está tudo bem.
O telefone toca e Ana sai pela casa para atender e Leandro continua lá fora.
— Por que, Henrique? Por que eu? — Ela pergunta com os olhos presos ao meu. Acaricio sua mão e com a outra, passo pelo seu rosto.
— Porque através de você que estou percebendo que a vida vai além de respirar.
— Catarina! Marlon chegou — grita Leandro.
Ela solta a mão da minha e pega a sacola do chão, colocando-a em cima do sofá.
— Opa! Opa! Cadê a princesinha do tio? — Um homem entra na casa com uma caixa grande.
— Tio Marlon! — Ana responde, correndo pelo corredor.
Ela pula no colo dele, que mostra o embrulho. Ela rasga todo e com uma felicidade imensa ganha algum brinquedo rosa.
— Te amo, tio.
— Eu também te amo, Aninha.
Ele a coloca de pé no chão e ela sai em direção ao quintal. Assim que me nota na sala, fica sem graça.
— Oi, Cata — diz, arrumando o seu cabelo.
— Oi, Marlon. Esse é... — Catarina começa a nos apresentar.
— Tudo bem, Soares? É um prazer enfim conhecê-lo.
— Esse é Marlon, meu melhor amigo.
Cumprimento com um aperto de mão mais forte do que o normal. Melhor amigo?
Percebo seus olhos abrirem para Catarina.
— Fala aí, Marlon, beleza?
Ele me olha como se não acreditasse que eu estava ali.
— Marlon — Catarina chama. — Porque não arruma a mesa para mim? Está tudo em cima da mesa no quintal. Só pendura o painel na parede e coloca a toalha nas mesas. Logo te ajudo com o restante das bexigas, pode ser?
— Claro! É para já. Com licença, Soares.
Aceno, forçando um sorriso. Assim que ele sai, Catarina vem para ao meu lado novamente.
— Marlon é gay — Ela revela, com uma risadinha. — Então pode tirar essa cara de malvado para o meu amigo, ok?
— Ah, hum... eu não...
Ela cruza os braços e espera eu mentir. Resolvo falar a verdade.
— Obrigado por avisar.
— Não que você mereça, bonitão.
— Do que você me chamou?
— Bonitão.
— De bonito aqui só tem você... — Pego seu rosto entre minhas mãos e antes que eu possa beijá-la, um pigarreio vem da porta.
— Mãe! — Ana está na porta com um sorriso sacana. — Eu sabia que você ia gostar da minha mãe.
— Ana! — Eu sorrio e olho para a menininha e para Catarina. — Aninha, não fala besteira. Agora me diz: quem foi que ligou?
— Não sei, mãe, ficou mudo. Só ouviram minha voz. Minhas amigas vão chegar daqui a pouco.
— Ana — Catarina chega perto da filha e abaixa um pouco. — Ninguém pode saber que o Henrique está aqui. Será que podemos fingir que ele é uma pessoa comum, apenas um amigo da mamãe?
— Posso fazer isso.
— Tem certeza?
Ela concorda.
— Obrigada, meu amorzinho. Agora vai brincar. Logo sua mesa do Frozen estará pronta. Marlon está montando.
— Vou ajudar o tio, então!
— Isso.
A menina sai em disparada e ela ameaça pegar algumas sacolas.
— É para levar para a cozinha?
Catarina concorda. Levo-as e logo ela começa a retirar as carnes e refrigerantes da sacola.
— Não tive tempo para comprar antes — informa. — Por isso essa loucura.
— Ela gosta de mim — mudo de assunto.
— Quem? Ana?
Faço que sim.
— Ela é uma sacana, isso sim. — Ela sorri lindamente. Seu sorriso atinge meu coração.
Catarina abre a geladeira e tira de dentro um bolo redondo confeitado de azul claro e coloca sobre a mesa.
— Como você faz isso?
— O quê? O bolo? Ah, é fácil...
— Como você consegue me fazer feliz com apenas um sorriso?
Ela para de sorrir e me olha séria.
— Droga, Henrique! Droga, droga, droga!
— O que foi?
— Vai acontecer como você fez com centenas e talvez milhares de mulheres.
— Você não sabe o que está falando, mulher. Eu nunca me apaixonei antes. Nunca disse isso para mulher alguma...
— Mulheres quando fingem que acreditam são melhores do que homens quando acham que enganam.
— Ainda acha que eu estou mentindo? Por que acha que estaria aqui?
— O que você quer? Que eu digo que também estou apaixonada? Eu também estou apaixonada por você e isso... isso é...
Uma felicidade me toma. Era esse tipo de riqueza que eu estava falando.
— Isso é verdade ou você é uma mulher querendo me enganar?
Ela quase abre um sorriso.
— Não, eu... céus, eu não consigo parar de pensar em você.
— Isso é maravilhoso.
— Não! Não é! Você vai embora e voltar com a sua vida normalmente enquanto eu vou ficar aqui relembrando os poucos momentos felizes que tivemos. Isso não é justo!
— Catarina, isso...
— Cata! Tem gente chamando no portão! — grita Marlon. — Leandro foi comprar gelo!
Sem me dar a oportunidade de responder a sua suposição, ela sai da cozinha. Eu não sabia ao certo o que iria acontecer quando tivesse que voltar para a Espanha. Eu precisava ganhar a mulher, depois pensaria mais adiante. Afinal, faltavam alguns dias para o meu regresso e na minha concepção esse era um problema fácil de ser resolvido.
Um minuto depois ela retorna.
— Ajeita esse boné. A maior parte dos convidados são crianças, então é só não encará-las demais, ok? — Avisa, saindo em seguida. — Ah! — ela volta. — As carnes estão aí, fique à vontade. Vou pedir ao Leandro para acender a churrasqueira.
Concordo com um sorriso. Eu não sabia fazer churrasco. Precisava de uma desculpa para permanecer aqui. Em casa, quando morávamos em São João de Meriti, era meu irmão que sempre se prontificava a essa tarefa.
Meu coração se aperta. Lembrar do meu irmão sempre me remete as coisas boas e ruins ao mesmo tempo. Ajeito o boné e volto a colocar os óculos escuros. A festinha começa e o churrasco também.
— Pelo visto perdi o meu posto de churrasqueiro? — esbraveja Marlon e eu apenas levanto os ombros.
— Ah, nem vem, Marlon. A carne fica igual carne seca quando você prepara! Nem você come.
— Ai, Cata, assim você machuca meu coração.
Durante a simples festa posso perceber quanto amor existe ali. É uma família pequena, mas esse detalhe não era importante. Eles falavam o quanto se amavam constantemente e era possível sentir a verdade em suas palavras. Nunca ouvi tanto eu te amo sendo mencionado de forma tão pura.
Eu sorri com brincadeiras que beiravam a normalidade. Nada era normal na minha vida que se resumia a bebedeiras com os caras, as mulheres gostosas que eu pegava, uma piada desbocada entre amigos.
Eu sempre fui feliz, mas era uma felicidade incompleta porque eu não conhecia o verdadeiro significado da palavra amor. O amor por uma mulher e por tudo que a rodeia.
Em cada troca de olhar, pensamento, gesto, o meu coração bate mais intensamente. Vê-la sorrindo com Ana, sorrindo para as pessoas, leve, intensa, só me faz ter uma constatação: como pude viver tanto tempo sem essa mulher?
As minhas mãos suam, o nervosismo toma conta do meu ser e aquela necessidade de estar perto sem nenhum motivo floresce na minha alma. Era o tal amor. O amor me fazendo perceber que minha felicidade passou a ter nome: Catarina.
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