Capítulo 35 - CATARINA
Abro meus olhos e destravo meu celular para ver que horas são: 5 horas da manhã. 5 horas? O sol nem nasceu.
Sem sono, resolvo tomar um banho e começar a preparar o lanche da Ana para a escola.
— Bom dia — diz Leandro, entrando na cozinha e me dando um beijo na minha testa.
— Bom dia, mano.
— Tinha pulga na sua cama? — pergunta, rindo.
— Não.
— Você sendo a primeira a acordar nessa casa é estranho.
— Perdi o sono — Sento na pequena mesa e ele começa a cortar o pão e a pôr margarina. — E você? Não é cedo demais também?
— Sim, mas tenho prova a semana toda. São as últimas provas do semestre e esse é o único horário que tenho — torce a boca.
Sorrio para ele. Sinto muito orgulho do meu irmão. Eu sabia o quanto ele levava a sério os seus estudos e quanto o tempo dele era escasso.
— Algum problema no trabalho?
Sua pergunta me faz viajar. Não era no trabalho, não mais. Não depois daquela noite com Henrique. Eu já havia decidido contar para Leandro. Precisava contar a ele que o nosso maior receio iria acontecer e que em breve viveríamos aflitos novamente. Era difícil.
Olho para o meu irmão e meu peito dói. Eu não poderia dar essa notícia para ele. Não agora, enquanto ele está em prova. Eu sabia exatamente o quanto ele iria ficar preocupado.
Leandro, mesmo sendo mais novo, se achava na obrigação de cuidar de mim e da Ana e a notícia iria desestabilizá-lo. Segundo dr. Goulart, provavelmente seria apenas no mês que vem. Até lá, com o dinheiro extra que ganhei do jornal daria para recomeçar em qualquer cidadezinha do Brasil. Essa seria a minha última opção, embora precisasse de um plano B.
— Eu estava precisando mesmo falar com você sem que Ana ouvisse — diz ele. Paro de mastigar e engulo o pão de uma vez.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Ana me contou uma coisa naquela noite que você ficou fora e...
— E...
— E acho que ela anda mentindo demais. Já disse para ela não mentir que é feio.
— O que ela disse, Leandro? — Fico aflita, mas já tinha uma noção do que seria.
— Ela disse que... — Ele sussurra. — Henrique Soares esteve aqui. Aqui em casa! Acredita? Estávamos vendo televisão e passou uma reportagem sobre ele ter ficado internado por causa do camarão no hospital de Caxias. Ainda falou que foi ela que fritou salgadinho da tia Josefa para ele. Olha a imaginação dela! Essa menina!
Ele ri, baixando a cabeça.
— Não é mentira — confirmo e Leandro me olha, arregalando os olhos. Mesmo Ana tendo me desobedecido ao contar sobre Soares, eu não poderia deixá-la passar como mentirosa. Não mesmo.
Agora é a vez dele de parar de mastigar o pão e engolir com dificuldade.
— Soares... Henrique Soares? Não... — diz incrédulo, abrindo um sorriso.
— É sério, mano, ele esteve aqui em casa.
— Você está de saca com a minha cara, só porque sou fã do cara!
— Não estou.
— Então, a Ana não mentiu? Ele comeu o salgado da tia Josefa?
— Comeu.
— Por isso que ele passou mal, aquilo é ruim demais.
Torço a boca. Seu entusiasmo é visível.
— Ele era alérgico.
— Agora a pergunta que não quer calar: o que o jogador mais famoso do mundo estava fazendo aqui?
Sorrio para ele. Leandro estava mesmo muito animado.
— Longa história.
— Tenho meia hora antes de começar a estudar. Meu chefe me liberou essa semana, por causa das provas.
Começo a contar a ele como conheci, pessoalmente, Henrique Soares.
— Não acredito que foi você que tirou aquelas fotos da Luciana Santana!
Concordo com um sorriso maquiavélico.
— Isso é segredo, pelo amor...
— Claro! Mas e aí?
Conto sobre esquecer a bolsa no carro, sobre a perseguição dele na escola da Ana, ele vindo até aqui, a entrevista e só.
Ele ouve com muito interesse.
— Isso é muito surreal, mana! Aliás, a entrevista foi de madrugada? Pelo que me lembro, você dormiu fora.
— Fui para a balada com Marlon — minto, voltando a morder o pão.
— Eu até acreditaria em você se Marlon não tivesse chegado cedo aqui e colocado Ana na escola.
Olho para o meu irmão e para o pão.
— Que horas são? Céus, eu estou atrasada para levar Ana para escola! — Levanto rapidamente.
— Catarina...
— Na volta nós conversamos! — digo, já no corredor de casa.
Acordo a Aninha, que logo questiona o motivo de tudo estar pronto.
No caminho para escola, meu celular toca. Pego do bolso dos shorts e vejo pelo visor: Soares.
O frio na barriga é inevitável e meu coração acelera. Esse malandro não deve ter festinha hoje e deve estar à procura de uma para esquentar sua cama. Não seria má ideia, Catarina!
— Não. Não seria — falo sozinha. — Não tem o porquê isso continuar. Foi bom? Foi, mas agora chega.
— Não vai atender, mãe?
— Não, filha.
— Por quê?
O celular para de tocar, mas segundos depois toca novamente.
— Por que não estou afim.
— Isso não é resposta, mãe! Você vive me falando isso.
Coloco o celular no bolso, ignorando as ligações.
Ana estava certa.
— Desculpe, meu amor. É do trabalho, daqui a pouco retorno.
Ela sorri, satisfeita. Ana e sua mania de questionar tudo. Beijo Aninha e a deixo na escola.
Volto para casa com os meus pensamentos em Henrique. Era para ele estar dormindo depois da farra, não é? Quem disse que foi dormir? Deve estar saindo da balada e resolveu azucrinar a minha vida.
Pego meu celular e vejo as quatro chamadas perdidas, mas ao invés de retornar, ligo para Jaime. Estava preocupada com o jeito que ele saiu da lanchonete ontem. Era para eu manter distância, mas não poderia ignorar o fato dele ser um homem muito bacana. Chama e ninguém atende, talvez esteja ocupado.
Entro em casa na esperança de Leandro estar entretido nos estudos, mas ele ainda está sentado na mesa da cozinha.
Meu celular toca e vejo que é Henrique novamente.
— Quem é? — pergunta Leandro, me vendo na porta da cozinha.
Uma ideia surge.
— Atende! — peço, colocando o celular na sua mão.
— O quê?
— Atende para mim e diz que eu sumi...
Ele franze o cenho.
— Sumiu? Mas quem... — Ele olha o visor. Ele abre a boca, espantado. — É ele mesmo?
Sussurro um sim, como se ele pudesse me ouvir antes mesmo de ser atendido.
— Não me diga que você dormiu com ele? — Sua constatação me faz parar de tentar que ele atenda.
O aparelho para de tocar, mas não por muito tempo.
— Não acredito!
— Fala que eu não estou e que... que... que é para ele não me ligar mais! — Sinto um aperto no coração.
— Você está dispensando Henrique Soares? Puta que pariu!
Leandro não falava palavrão, mas sei que essa foi a única maneira dele expressar sua surpresa.
— Ele é malandro, só queria me levar para a cama! — conto, assim, dessa forma bruta, só para ele pegar, atender e resolver isso de uma vez.
Leandro entende. Ele não deixaria isso, nem mesmo para Soares.
— Alô — atende Leandro, fazendo uma voz grossa. Não entendo porque ele muda a voz sendo que Soares nem o conhece. Quase gargalho, mas ele continua. — Não. Catarina não está. Onde ela está? — Faço mímica para ele continuar a mentir. — Hum... ela está deitada aqui ao meu lado, rapá, está dormindo! Aliás, não liga mais porque ela não quer saber de você. Tenha um bom dia... seu... seu... mané!
Ele desliga a ligação.
Fico paralisada. Sem entender aonde Leandro foi chegar. Ele fica olhando para o celular por alguns segundos.
— Meu Deus, Catarina.
— O que foi?
— Eu falei com Henrique Soares no telefone! — Ele abre um sorriso imenso. — Caraca!
Cruzo os braços.
— Precisava falar que eu estava com outro? Assim parece que sou vadia.
— Ué, você queria que eu desse um fora, não é?
Sim, eu queria, mas um pouco de arrependimento aperta meu coração. Quem nunca se arrependeu no mesmo instante?
— Tudo bem, Leandro. Esquece isso.
Ele ri alto.
— Como se isso fosse possível — diz ele, levantando da mesa.
Como se isso fosse possível. Respiro fundo. Teria que ser.
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