Capítulo 8
Já era tarde da noite, mas Edward não conseguia dormir. Sabia, no entanto, que não lhe era permitido ficar acordado àquelas horas. Ainda assim, Edward pegou sua vela e, vendo que ela já estava quase toda consumida, acendeu outra. Não tinha medo de encontrar a mãe, pois era provável que já estivesse dormindo, mas possuía um pavor terrível de encontrar o pai. Seu humor irascível, a expressão zangada com que sempre o fitava e a maneira como se dirigia a sua mãe faziam o menino tremer.
Abriu a porta do quarto com cautela. Tudo estava imerso em plena escurdão e ele teve cuidado de iluminar bem os degraus para não tropeçar. Talvez fosse até a cozinha para procurar alguma coisa para comer. Mas a verdade é que não estava com fome. Talvez se fosse até a biblioteca ele pudesse achar um livro que o fizesse cair no sono.
Foi caminhando silenciosamente até lá quando viu um facho de luz passar por debaixo da porta. Havia alguém ali, com certeza. Mordeu o lábio, apreensivo. Estava pronto para voltar, mas ouviu as vozes do pai e da mãe e se deteve sem conseguir conter a curiosidade.
- A senhora me comove! - o pai de Edward soltou de forma irônica.
- O senhor é um monstro! - acusou Eleanor com repulsa.
Edward abaixou-se e deixou a vela no chão, esgueirou-se na fria parede e espiou pela fresta da porta. Sua mãe estava sentada enquanto seu pai a mantinha presa com as mãos apoiadas uma de cada lado de seus quadris, o rosto muito próximo ao dela, encarando-a com os olhos ameaçadores e um sorriso sinistro.
- Por mil demônios, eu sempre fui! - ele riu. Estava visivelmente bêbado. - E ainda assim a senhora se apaixonou por mim!
- Posso dizer com certeza que se soubesse a espécie de homem que o senhor é de verdade eu nunca teria me apaixonado e me entregado! - garantiu-lhe. - Eu o amei com meu coração, minha alma e meu corpo e você apenas os usou!
O pai de Edward crispou os lábios, aborrecido.
- O senhor é infiel - a esposa disse com nojo. - E não faz questão alguma de esconder isso dos demais. Como pode ser tão sujo?
- Está com ciúmes? - ele inquiriu-a e sorriu com deboche.
- O senhor me deixou tão seca por dentro que pouco me importa o que faz quando está fora daqui! Mas, pelos céus, respeite esta casa e não tenha amantes onde até seu filho possa ver! Da mesma forma que eu os peguei juntos poderia ter sido Edward!
- Dane-se aquele maldito menino! - rosnou ele.
- Como pode dizer tais coisas, ele é seu filho! - Eleanor sibilou e fitou o esposo com desprezo.
- Um filho que eu não queria! - O pai de Edward cerrou os dentes. - A senhora deveria ter segurado suas saias e agora não estaria nessa situação! - Edward não entendeu o que o pai queria dizer com aquilo, mas percebeu que ele havia conseguido ferir sua mãe.
- O senhor me enganou e eu fui burra o suficiente para acreditar que me amava. É como dizem: o príncipe das trevas é um cavalheiro e o senhor me conquistou fingindo que tinha sentimentos sinceros por mim, sendo gentil e amoroso. Peço a Deus perdão todos os dias por ter sido tão tola e ter manchado minha honra - ela disse com lágrimas nos olhos. - O senhor foi o maior erro da minha vida.
- Sua meretriz barata, pelo menos eu me casei com você! - ele latiu, agarrou os pulsos finos de Eleanor e fez com que ela se erguesse do sofá.
Ela se encolheu diante da fúria dele e arregalou os olhos, assustada. Edward sentiu seu coração bater com força e ao mesmo tempo foi possuído por um sentimento profundo de tristeza e revolta. Ouviu o pai proferir palavras que o fizeram corar de vergonha, pois, ainda que fosse muito jovem, podia entender boa parte do que elas sugeriam.
O pequeno Edward apertou os olhos e em seu coração pediu a Deus que aplacasse a cólera de seu pai. Como a sua mãe o havia ensinado mesmo? Devia juntar as mãos e pedir com fé. E assim ele fez, mas o pai parecia ficar cada vez mais furioso. Edward ouviu sua mãe gritar repetidamente que seu pai parasse e a soltasse. Perturbado com aquilo, ele tornou a abrir os olhos.
- Pare, por favor, solte-me! - pedia, tentando empurrá-lo para longe, mas ele agarrava sua cintura com determinação e segurava sua nuca, forçando-a a aceitá-lo. - Solte-me!
Vendo que nenhum milagre iria acontecer e sem suportar mais aquela situação, Edward cansou de esperar e, enchendo-se de coragem, adentrou a sala.
- Solte minha mãe! - o pequeno ordenou.
No início, Eleanor olhou para o filho com surpresa e depois com temor. O pai voltou-se para ele, largando a esposa bruscamente. Ela cambaleou para o lado, mas conseguiu se equilibrar segurando-se no braço do sofá.
- O que você faz aqui, garoto insolente? - exigiu saber, o rosto corado, os olhos vermelhos e estranhos por conta de seu estado ébrio.
Por alguns segundos, observando aquela figura enraivecida, Edward vacilou. Ele parecia estar defronte a um animal selvagem.
- O senhor não irá machucá-la! - ele ergueu o queixo de modo desafiador.
- Ora, ora, então você quer defender sua mãe, garotinho? - zombou o pai e soltou outro riso estrondoso. - Acha que pode me enfrentar?
- Por favor, deixei-o em paz, é apenas uma criança - suplicou Eleanor, tocando o ombro do esposo.
Mas ele não se compadeceu do seu pedido e tirou a mão da esposa de seu ombro num gesto violento.
- Esse insolente precisa aprender a não se intrometer quando não for chamado e a não desafiar o pai - disse ele, frio, e caminhou até o filho.
Edward não soube o que fazer, por isso permaneceu parado, esperando o pai como se fosse um animal indefesso esperando para ser devorado por um leão. Assim que chegou à sua frente, o pai ergueu a mão e deu-lhe uma pesada bofetada que fez com que o pequeno fosse ao chão.
- Por Deus! - exclamou Eleanor horrorizada e correu para ajudar o filho, mas o pai não permitiu que ela chegasse perto dele, impedindo-a com o braço estendido.
Um ponto claro surgiu de repente à soleira da porta. Era Helen que segurava uma vela. Ao olhar para o chão e ver o pequeno Edward caído, ela levou as mãos à boca em completo espantada.
- Leve-o daqui, Helen - suplicou Eleanor, pois sabia que o esposo estava mais fora de si do que de costume e poderia machucar ainda mais Edward.
- Isso! Leve-o daqui, sua bruxa - trovejou o carrasco, irritado e proferiu outra gama de insultos.
Edward sentiu seu rosto arder e as lágrimas queimarem. Não conseguiu evitar erguer os olhos para o pai com ódio. Odiava aquele homem com todas as suas forças.
- Venha, menino - pediu Helen ajudando-o a se levantar.
Edward lançou um olhar para mãe em dúvida, embora soubesse que nada do que fizesse fosse amenizar quaisquer maus-tratos que seu pai quisesse afligir a ela. Ele era fraco como um ratinho e odiou a si também por aquilo. Parecia não haver ninguém no céu ou na terra que pudesse protegê-la daquele homem mau.
- Vá com a Helen, querido, eu ficarei bem - Eleanor sorriu afável para o filho e tentou transmitir-lhe segurança.
Edward se deixou ser guiado pela governanta até seu quarto mesmo sabendo que certamente sua mãe não ficaria bem como havia lhe dito. Helen sentou-o na cama e afagou os cabelos dele. Edward se manteve duro, o semblante muito sério e o olhar vidrado.
- Eu odeio ele com todas as minhas forças, Helen!
A governanta precisou se esforçar muito para dizer o contrário porque ela mesma já o odiara por diversas vezes. Edward só havia tido um pequeno vislumbre de todos os problemas que o casal sempre tivera ao longo daqueles anos, embora as coisas só parecessem piorar cada vez mais. Antes eram apenas o desprezo e o desdém. Mas, então, o pai de Edward passou a ser cada vez mais agressivo com palavras, depois com gestos e Eleanor era sempre obrigada a pedir a Helen que afastasse o filho dela para que o menino não presenciasse seus piores acessos. Sendo assim, aquela era a primeira noite que Edward presenciava sua total crueldade.
- Não o odeie, Edward, pois, por pior que ele possa ser, ele ainda é seu pai - suspirou para ganhar forças, orando para dizer as palavras certas. - Devemos pedir a Deus que o liberte do mal e do vício que consome sua alma e faça com que ele se torne uma pessoa melhor. Ele pode transformar um coração de pedra em um coração de carne e colocar ali amor.
- Amor? - o garoto repetiu com indignação. - O amor é ruim, Helen, olha o que fez com minha mãe!
- Ah, querido - tentou explicar Helen -, acontece que sua mãe acreditava que seu pai a amava de puro e sincero coração. Na verdade, todos achávamos - disse com um suspiro. - Mas um amor puro e sincero é maravilhoso.
- E como saber quando alguém nos ama assim? - o garotinho voltou-se para ela com o cenho franzido.
- Bem... - aquilo Helen não sabia explicar. - Eu... Ora, garoto, um dia você irá amar uma boa moça e então saberá do que estou falando.
Em seu íntimo, Edward discordou da governanta. De qualquer forma se aquele sentimento transformava as pessoas em tolas como fizera com sua mãe, ele preferia que nunca sentisse algo assim.
❀
Com as mãos nas costas, Edward observava o quadro de seus pais, pensativo. Sua mãe era uma mulher linda, com cabelos claros e um sorriso sereno, mas os olhos azuis carregavam uma tristeza que lhe era dolorosa de ser olhar. Já o pai possuía uma expressão dura, presunçosa e desafiadora. Os lábios pareciam sorrir de forma insolente, e se aquela não fosse apenas uma pintura, Edward poderia garantir que ele estava debochando dele como sempre fazia.
- Querido Edward! - exclamou Catherine tirando-o de suas divagações. - Joias! - ela disse com agitação e Edward olhou-a, confuso. - As irmãs McCarthy não possuem nenhuma! Nenhuma!
Aquilo parecia o fim do mundo para sua tia e Edward quase riu de sua afobação.
- Mamãe tinha muitas joias, posso pegar algumas que estão em seu quarto - sugeriu.
- As joias de sua mãe? - a tia inquiriu em dúvida. - Tem certeza?
- Sim, tia, eu tenho. Irei buscá-las agora - disse Edward e se dirigiu ao quarto da mãe junto à Catherine que o acompanhou.
Adentrou o quarto de Eleanor, um aposento tranquilo, com uma decoração delicada muito parecida com a personalidade da própria. O cômodo cheirava a uma mistura de rosas e Edward não pôde deixar de fechar os olhos e inspirar aquela fragrância, mas logo balançou a cabeça para sair daquele torpor. Caminhou até a penteadeira. Abriu uma gaveta e de lá tirou uma caixa dourada. Dentro daquela caixa estava a maior parte das joias de Eleanor.
- Aqui está, tia - disse ele deslizando o objeto até Catherine. - Escolha as joias que a senhora achar que irão combinar mais com as irmãs.
- Oh, meu querido sobrinho, como você é generoso! Estou muito orgulhosa de você. Muito! - Catherine disse, veemente e Edward mostrou um sorriso amarelo.
Catherine abriu a caixa, revelando peças lindíssimas. Ficou bastante encantada, pois Eleanor possuía bom gosto e sabia escolher tudo não sendo extravagante demais em adotar pedras grandes ou muito cheias de brilho. Ela escolheu com cuidado enquanto Edward observava sua seleção, vez ou outra palpitando quando ela perguntava.
- O que acha dessa para Jane? - ela ergueu um colocar cravejado de pequenos brilhantes.
Edward pegou o colar em suas mãos e tentou imaginar Jane usando-o, mas ele parecia um tanto exagerado para ela. Recordava-se de que nem mesmo sua mãe gostava dele e acreditava que provavelmente não havia sido ela a escolher aquela peça.
- Não - ele deixou o colar sobre a penteadeira e começou a mexer na caixa, procurando algo mais adequado.
Achou um cordão dourado, de onde pendia um pingente em forma de pomba. No lugar onde devia ser o olho da ave, encontrava-se uma pedrinha brilhante como se fosse um pingo de tinta que houvesse caído lá por acidente. Era bonito de uma forma simples, delicada e discreta como Jane.
- O que acha? - perguntou à tia.
- Oh, querido, é muito bonita! Acho que ela irá gostar. Não tenho dúvidas de que ela irá gostar! - respondeu Catherine maravilhada com a percepção do sobrinho.
Depois de escolherem as peças, Edward seguiu para o escritório, ainda havia coisas que queria resolver e Catherine rumou para o quarto das irmãs. Elas estavam todas encantadas por aquela perspectiva, pois nunca tinham estado numa festa. Kimberly suspirava pelos cantos com extrema alegria e gabava-se de seus quase dezoito. A jovem tinha certeza de que encontraria algum nobre com título que se apaixonaria por ela e então ela realizaria seu sonho de ser muito rica e importante na sociedade.
Todas ficaram muito gratas pelas joias. Jane estava no quarto de Anna quando Catherine entregou-lhe o colar. Ela ficou feliz com a peça e suspendeu-a em seus dedos, sob seus olhos, para que pudesse admirá-la melhor.
- Oh, Sra. Radford, muito obrigada! Ela é tão linda!
- Agradeça a Edward, pois a sua foi ele que escolheu - disse Catherine e piscou.
Jane corou até a raiz dos cabelos, mas sentiu um misto de orgulho e alegria por Edward ter tido aquele cuidado.
- Aliás, a ideia de que suas irmãs usassem as joias de Eleanor foi inteiramente dele.
- Que gesto nobre - ela disse e Anna concordou.
- Oh, sim, muito! Meu sobrinho é um anjo, não acha? - Catherine curvou os lábios de uma maneira que pareceu um tanto sugestiva.
- Oh, Sra. Radford. - Jane riu.
- Então está bem, irei deixá-las para que se arrumem para hoje à noite, minhas queridas! Já as imagino fabulosas! Fabulosas!
Catherine saiu do quarto deixando as duas irmãs. Anna, fitando-a ao seu lado, sentada na cama, não pôde deixar de notar o brilho que os olhos cinza de sua irmã haviam adquirido quando soube de quem havia sido a escolha daquela peça.
- Você irá ofuscar as estrelas, Jane, se continuar tão resplandecente - gracejou.
- Não seja tola - ralhou ela travessa e beliscou a cintura da irmã e Anna se encolheu, rindo. - Ele deu joias para todas nós - salientou e ergueu o queixo.
- Mas não escolheu as nossas, só a sua - provocou-a.
Jane fez uma careta e mostrou a língua, mas não conseguiu deixar de pensar no que a irmã dissera. Por que ele teria tido essa gentileza especial para com ela? Haviam se aproximado bastante naqueles últimos dias e ela sentia que estavam ficando bons amigos então talvez não fosse por nenhum motivo grandioso, mas não importava. Estava tão contente com aquele gesto que não importava o motivo. Só o que importava é que ele a fizera se sentir especial.
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Citação de Shakespeare*
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Obrigada a quem chegou até aqui, espero que tenham gostado. Ainda teremos mais uns dois ou três momentos do Edward com o pai, mas aqui já vimos um pouco de como as coisas eram quando o Edward Master era vivo.
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