Capítulo 13
Devido a uma noite insone, ao alvorecer, Edward decidiu cavalgar. Pensou que o exercício fosse capaz de fazer com que aquela ansiedade que o tomava pudesse se dissipar, mas a visão das prímulas, campanulas e toda sorte de flores que encontrou pelo caminho, só fez com que ele se recordasse ainda mais daquela que habitava seus pensamentos e seu coração.
Jane estava a um dia de partir, e a promessa de não tê-la mais ali o afligia grandemente. Embora tivesse passado boa parte daquelas semanas tentando escapar dela, de tudo que ela representava e de tudo que ela o fazia sentir, saber que Jane estava perto lhe era reconfortante. A consciência de que poderia ter um vislumbre daquele sorriso espontâneo, dos olhos gentis e de toda sua figura delicada fazia com que ele se regozijasse de uma paz que há muito não sentia.
O Sol que Edward vira saudá-lo timidamente ao nascer do dia, agora beijava seu rosto sem nenhum pudor. Já havia passado muito tempo cavalgando a esmo pela propriedade e nem sequer sabia ao certo em que parte de Worthen estava, quando reparou que já deveria estar em casa.
Cavalgou de volta. Ao chegar, Elliot saudou-o e entregou-lhe uma missiva. Edward pegou o papel de suas mãos e franziu o cenho quando viu que era uma carta de Annabelle. Já fazia algum tempo que ele e ela não tinham nenhum tipo de contato. Na verdade, desde a chegada das irmãs a Worthen, Edward e Annabelle nunca mais haviam se visto ou se falado. Ele sabia que provavelmente não era o único amante da bela cantora, ainda que ela fizesse questão de exibi-lo como se fosse.
Ele precisava respondê-la, mas antes de seguir para o escritório, não resistiu à curiosidade de saber sobre o paradeiro de Jane:
- Sabe onde está a Srta. Jane?
- Está em seu quarto com sua tia e a prima dos McFarland, senhor - informou-lhe.
- Está bem, Elliot, obrigado - agradeceu e se retirou da presença do mordomo.
Edward rumou para o escritório e sentou-se em sua escrivaninha. Molhou a ponta da pena na tinta preta e posicionou-se para escrever. Pedia na carta que Annabelle o esquecesse. Não usou palavras ríspidas como seria do seu feitio em outros tempos, mas deixou muito claro que não haveria mais nada entre eles.
Depois de terminada a carta, Edward pediu a um dos criados que a levasse ao mensageiro. Não iria esperar para enviá-la. Queria resolver aquela situação o mais rápido possível, pois se, de fato, ele realmente fosse seguir seu coração, precisava se ver livre da amante.
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- Mal posso acreditar que você irá embora, querida Jane - lamentou Charity, sentada na cama ao lado de Catherine, observando a amiga dobrar seus vestidos.
- Eu também não compreendo! De fato, não compreendo! - reclamou Catherine. - Minha querida, você já falou com Edward? O que ele acha disso? - quis saber.
As duas mulheres olharam para ela. Enquanto Charity aparentava apenas uma curiosidade comum, a matrona a analisava com cuidado, avaliando-a e Jane não pôde deixar de notar aquilo.
- O seu sobrinho foi o primeiro a saber - disse e percebeu a decepção no olhar de Catherine.
A matrona que, secretamente, acalentava a esperança de que seu sobrinho e Jane viessem um dia a se apaixonar, sentiu-se bastante frustrada por saber que aquela possibilidade havia se perdido e que Edward não havia feito nada para persuadir a jovem a ficar.
Jane caminhou até a penteadeira e recolheu alguns de seus pertences. Repetiu o mesmo processo pelo menos mais duas vezes até ver que não havia mais nada ali que fosse seu. Então pegou o livro de poemas que Charity havia lhe emprestado e aproximou-se dela. Estendeu-lhe o volume para devolvê-lo.
- Charity, muito obrigada por ter confiado seu livro a mim - Jane agradeceu com um sorriso.
- Você terminou de lê-lo? - inquiriu, antes de pensar em tomá-lo das mãos dela.
- Confesso que não, mas li alguns poemas de Currer Bell. São realmente lindos.
Por algum motivo, a poesia parecia ter adquirido um novo gosto em sua vida. E se antes ela não a apreciava, precisava confessar que depois de ouvir Edward recitar com tanto fervor, aprendera a ver grande beleza nos versos.
Charity levantou-se da cama e empurrou delicadamente o livro de volta para Jane.
- Fique com ele. Será um presente meu para que você não me esqueça, embora eu vá fazê-la me prometer que irá me escrever! - determinou a moça.
- Oh, Charity, eu não poderia - Jane sabia como aquele livro era valioso para ela.
- Bobagem! Aceite ou eu me sentirei ofendida! O que acha, Sra. Radford? - Charity voltou-se para a matrona que mostrou um largo sorriso.
- A Charity está certa, querida Jane. Não é nada educado recusar um presente! Nada educado! - repreendeu docemente.
- Sendo assim, eu aceito - determinou Jane e abraçou a amiga com carinho.
As três mulheres ficaram ali por algum tempo até que Jane tivesse terminado de arrumar todos os seus pertences. Depois, elas e as irmãs se reuniram na sala, onde ficaram a conversar. Kristen agraciou Jane com uma linda canção e ela ficou a apreciá-la, pois amava ver como a irmã possuía talento. Kristen certamente havia adquirido um grande conhecimento com as aulas que havia tido, mas o dom estava ali. Era um presente de Deus que ela com toda sua doçura e simplicidade havia merecido.
Jane correu seus olhos por cada uma das pessoas que estavam naquela sala, pensando em quão eram especiais, cada uma com qualidades e defeitos dos quais ela sentiria muita falta. Então, deteve seu olhar na porta. Edward se encontrava com o corpo encostado à soleira, os braços cruzados sobre o peito, fitando-a intensamente com seus olhos claros. O coração de Jane bateu forte como se quisesse atravessar seu peito e se juntar a ele. Ela sorriu para Edward, mas ele não correspondeu. Permaneceu com uma expressão séria e, então, endireitando-se, ele girou os calcanhares e se retirou.
Ela não conseguiu evitar o pensamento de que Edward conseguia ser perturbador e irritante. O que ele pretendia agindo daquela maneira? Jane apertou os lábios e se concentrou naqueles que estavam com ela, embora seus pensamentos insistissem em vagar no dono de Worthen.
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Aquela noite, embora não houvesse lua, era iluminada pelos vários pontos brilhantes que navegavam no negro e imenso oceano que era o céu. Jane inclinou-se sobre a mureta de pedra que dava vista ao imenso campo e descansou os braços ali, observando a beleza das coisas criadas por Deus.
Seria sua última noite em Worthen. Ela sentiria saudades de caminhar pelo jardim lendo as Escrituras; de ver Anna tentando reprimir as investidas sutis de Harrison; de estar junto a Dayse; de ouvir o som do piano e até dos desvairamentos de Kimberly. Sobretudo, Jane sabia que sentiria falta dos olhos de Edward, do sorriso que ele lhe concedia quando conversavam - sentiria falta de tudo nele.
Alguns diriam que ela estava louca por se apaixonar por alguém como ele, mas por trás de toda aquela aparência séria e das palavras duras, escondia-se um menino que precisava voltar a acreditar no amor e em suas várias formas. Um menino que precisava renovar sua fé e ver que a vida por mais dolorosa que pudesse ser ou ter sido, também podia trazer surpresas maravilhosas e alegres.
Jane fechou os olhos e deixou que o vento suave da primavera soprasse em seu rosto. O aroma das flores penetrou em suas narinas e misturou-se ao aroma doce que somente Edward possuía. Ela sentiu o calor do corpo dele e soube que ele estava ali. A mão quente de Edward acariciou o rosto dela e ela virou-se. Abriu os olhos lentamente, deparando-se com os dele, brilhantes e verdes como as folhas no começo da estação.
Edward ficou extasiado com a chama que vira cintilar nos dois espelhos cinza que refletiam não só os sentimentos dela, mas os seus próprios. Contornou os lábios de Jane com o dedo, fazendo com que cada fibra dela estremecesse. Ela nunca estivera tão próxima dele e aquilo era maravilhoso e assustador - parecia irreal.
- Eu amo você, Jane - ele declarou.
Aquele devia ser um momento extraordinário para Jane, ouvir aquelas palavras, sob o céu estrelado, vinda dos lábios daquele que fazia com que ela sonhasse acordada. Finalmente Edward estava admitindo que a amava, mas havia algo na voz dele que fez com que o coração de Jane se partisse ao invés de se alegrar.
- O senhor fala como se isso fosse algo ruim - ela observou desgostosa. - Tem medo de que eu o magoe - não foi uma pergunta, mas uma convicta afirmação.
A certeza nas palavras de Jane fez com que ele elevasse os lábios num sorriso amargo.
- A senhora entendeu tudo errado - ele disse e ajeitou uma mexa de Jane que insistia em escapar de sua trança. - Não tenho medo que você me magoe, pois sei que seria incapaz. Você é a pessoa mais sincera e mais maravilhosa que já conheci. - Edward tomou carinhosamente o pulso de Jane e levou-o até os lábios, depositando ali um beijo suave.
Jane sufocou um suspiro, sentindo um arrepio percorrer todo seu corpo com o toque dele.
- Eu não entendo - ela não pôde deixar de dizer, pois se ele não tinha medo de que ela o magoasse, por que então fugir daquele modo?
Edward entrelaçou os dedos de Jane nos seus e apertou as mãos dela carinhosamente, mantendo seus olhos fixos nos dela.
- Não tenho medo que você me magoe, mas tenho horror em pensar que posso magoar você - replicou com o olhar cheio de dor e de um ressentimento que ela já virá brilhar ali tantas vezes.
- E por que você me magoaria? - Jane franziu o cenho sem compreender.
Como ela poderia entender que Edward temia fazê-la sofrer? Ela era especial de uma forma tão única, que ele sabia que aquela mulher devia ser amada e cuidada como uma ave de espécie rara.
- Porque eu sou assim, Jane, eu magoo as pessoas. Sou como uma rosa com espinhos. As rosas não têm controle sobre quem elas irão machucar. Está na natureza delas.
- Como pode falar assim? - ela sibilou de modo afável. - Oh, Edward - cedendo ao impulso que a tomou, Jane jogou seus braços ao redor do pescoço de Edward e o abraçou. - Deixe-me ser o instrumento de Deus que irá ajudá-lo a arrancar esses espinhos.
Edward puxou gentilmente a cintura de Jane, pressionando o corpo dela mais para junto de si. Era tão bom ouvir a voz dela, tê-la próxima, sentir seu perfume suave.
- Jane, eu não tenho a sua fé. Eu não acho que Ele irá olhar para mim, pois não sou digno do Seu amor.
Ouvi-lo falar daquela maneira era doloroso. Jane queria tanto consolá-lo! Abraçou-o com ainda mais força, fechou os olhos e, numa súplica silenciosa, pediu que Deus a guiasse, que lhe desse as palavras certas.
- Edward meu querido - ela segurou o rosto dele, fazendo com que ele tornasse a fitá-la -, sei que você deve ter passado e visto coisas muito tristes, coisas que fecharam seu coração e fizeram você se trancar nessa armadura de ferro, mas chegou a hora de se despir dela. - Jane afastou-se e pousou a mão no peito dele, onde seu coração batia agitado. - Deixe-O entrar aqui, querido, e deixe-me segui-Lo. Há grandes coisas preparadas para você, coisas que sequer você pode imaginar. Mas precisa deixar para trás todas essas mágoas, tudo que escurece sua alma.
- Não sei, Jane, se sou capaz de esquecer todas as minhas mágoas e voltar a acreditar - disse com sinceridade. - No entanto - ponderou -, deve haver algum motivo maior para que isso esteja acontecendo, para que você esteja aqui e eu pretendo lutar para merecer você.
Jane sabia que levaria um tempo para que Edward se abrisse por completo, mas acreditava que esse tempo estava chegando. Ela sabia que ele não era cético às coisas celestiais, só precisava fazer com que ele percebesse que havia uma fé abundante em seu coração, fazê-lo enxergar sua capacidade para o amor.
Ela sorriu de forma singela para Edward e, sem resistir àquele sorriso, ele puxou seus ombros, fazendo com que Jane descansasse a cabeça em seu peito.
- Como ficaremos? - ele quis saber, enquanto afagava os braços dela.
Jane ergueu os olhos para ele ainda sorrindo daquela maneira que o fascinava.
- Vamos fazer tudo com calma e ter paciência.
- Mas você não irá embora, não é? - ele mordeu o lábio e esperou ansioso.
- Não - ela garantiu-lhe num sussurro que soou como música aos ouvidos dele.
Edward assentiu e sorriu satisfeito. Não houve mais palavras, pois o silêncio parecia dizer muito mais do que eles poderiam expressar. E ele teria ficado plenamente feliz se não fosse pelo segredo que escondia dela. Precisava contar sobre o testamento, mas não naquele momento. Naquele momento precioso em que ela estava ali em seus braços, tudo que ele queria era aproveitar cada segundo daquela deliciosa novidade.
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Olá, pessoal, espero que tenham curtido o capítulo. Minha beta particularmente reclamou pela falta de beijo, mas... Isso vai acontecer na hora certa =)
Obrigada por chegarem até aqui.
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