Vamos então imaginar uma estória passada em Belém (Palácio do Presidente da República de Portugal). Com este Presidente, acredito que até arranja tempo para ler estas minhas crónicas. Seguramente que este período pandémico, para ele (e não só), deve ter sido horrível.

Um belo dia, no expediente para despacho, com máscara e luvas, vinha uma carta de Donald Trump. Vamos ver então o que o amigo americano quer ao Presidente Português.

O espanto não podia ser maior. O amigo Trump precisava de um «explicador», em face da ignorância mais que comprovada do seu «staff» e da péssima imagem de ignorância que transmitia ao mundo. Na América não o preocupava tanto, agora com os colegas de outras nações, começava a sentir algum desconforto de não saber, por exemplo, que o Uruguai é independente (pensava que era um Estado Federal do Brasil) ou que os Azores eram um Estado Federal Americano.

Marcelo pôs as mãos na cabeça. «Só me faltava mais esta, e em vespera de eleições para o futuro presidente, português e americano!»

Na carta vinha um pedido de extrema confidencialidade, pedindo o amigo Trump o favor de não envolver o pessoal diplomático acreditado em Lisboa.

A fundamentação era óbvia: a licão de história dada por Marcelo na Casa Branca ficou na memória do seu homólogo e nos Serviços Secretos Americanos, Marcelo vem referenciado como dos homens mais cultos do mundo. Desde o extinção dos cavalos marinhos na Ria Formosa até aos novos planetas descobertos pela NASA, o Presidente Português é sem dúvida um marco da cultura da História Universal.

Com a nova conjectura, os amuos do Centeno, o optimismo do Costa e os disparates do Ventura, Marcelo, anda efectivamente cansado e pouco paciente para mais esta tarefa. Afinal sempre vai a caminho dos 80 e ser presidente é bem mais trabalhoso que ser comentador.

Reune com os conselheiros através do «Teams», aproveitando a plataforma da tele-escola e o período de intervalo, e todos são unanimes de que com as tensões políticas no mundo seria um risco muito elevado um envolvimento destes. Se a CNN descobrisse era o fim das selfies e do mergulho tranquilo em Cascais.

«Ora bem, mas alguma coisa temos de fazer? Os EEUU ainda são um dos nossos grandes aliados?»

Um dos conselheiros deu uma sugestão:

«Deve haver na biblioteca da presidência a colecção completa da Enciclopédia Luso-Brasileira, com lombada dourada. Porque não enviar ao Presidente Trump essa relíquia dos nossos tempos. E agora até nem há ministro das finanças portanto dá-se conhecimento ao próximo como facto consumado!»

Entetanto surge uma voz a avisar que a Presidência só dispunha de 5 minutos porque se iria dar início à aula de Geografia do 8º ano.

Porém ninguém deu grande importância:

«Mas está em Lingua Portuguesa? Como traduz?»

Marcelo aí já estava na rota da decisão. «Problema dele!»

E assim foi. Embalagem monumental em correio diplomático fazendo lembrar a famosa embaixada ao Vaticano por D. Manuel I.

Passados uns dias, recebe um chamada da Casa Branca. Como sabem a Casa Branca ressuscitou o velhinho PBX do tempo de Reagan.

A espectativa era grande. Problemas de sobra já ele tinha. Agora até tinha de receber os feirantes de Carcavelos por perda de negócio.

«Hello Marcel!»

O vozeirão não enganava. O gigante americano ao vivo. Estava radiante. Já tinha mandado fazer uma estante para a sala oval onde colocaria aqueles livros dourados que nada entendia. Eram uma preciosidade decorativa.

Marcelo ficou sem saber o que dizer sugerindo que arranjasse um assessor que traduzisse a lingua portuguesa. Efectivamente a colecção era um poço de conhecimento sobre o mundo.

«Sem dúvida Marcel, és um gajo muita porreiro! Era mesmo isto que precisava.»

Mas como ler? Marcelo cada vez mais engolia em seco.

«Não tem problema Marcel. Meu filho na lei, genro é isso?, arranjou-me um tradutor Google e tiro a foto da página e na impressora sai a folha em American English. Não é uma maravilha? Até já sei que Amora é um fruto venenoso e que o vosso primeiro Rei foi o Afonso VII de Leão.»

Algo tinha de lhe vir à mente para rematar a conversa.

«Nem mais Presidente Trump. Também faço quase isso. A vossa Google é fantástica mesmo. Como somos mais modestos usamos apenas a Google para substituir essa maravilhosa colecção que lhe enviei, em nome pessoal. Não é uma maravilha?»

«Nem mais Marcel, fico-lhe eternamente grato!»

Junho de 2020