
Loiro
I see your true colors
As mãos de Nina Stone tremiam, enquanto a ventania bagunçava seus cabelos dourados como o ouro. As lágrimas estavam quase escorrendo de seus olhos, mas com todo o esforço do mundo a mulher as segurava.
Todas as pessoas da rua a olhavam com pesar, era uma cidade pequena. Todos sabiam o quão duro era para Nina estar naquela casa, o quão duro seria a vender.
— Leo, terminei aquele livro que você me falou. — a então adolescente gritava pelo amigo, enquanto pulava o muro que dividia a casa dela da dele — Ela traiu ou não?
Eles eram vizinhos e se conheciam desde sempre — literalmente desde sempre. Pulavam o muro um do outro, apenas pelo prazer de pular. Dormiam várias noites seguidas um na casa do outro. Falavam que a amizade deles seria sempre e para sempre. Jamais iriam se separar. Jamais iriam se apaixonar.
A aliança na mão esquerda de Nina e as lágrimas que ela já não conseguia mais segurar mostrava que tudo aquilo era apenas mentiras. Céus, estava doendo demais.
Haviam passado dois anos, mas aquela era a primeira vez que ela entrava naquela casa novamente.
— Eu não sei, uai. — ele disse com um sorriso no rosto — Quer dizer, eu acho que não, mas sei lá. O que você quer fazer hoje?
— Noite de filmes? — perguntou já puxando o garoto para dentro da própria casa.
No final, acabaram não vendo nenhum filme. Conversaram sobre o quanto Machado havia sido sacana ao deixar aquela questão em aberto. Mas no final, não chegaram em nenhuma conclusão. Afinal, dois lábios — até aquele momento inocentes — se juntaram e um primeiro beijo e eles se esqueceram de Capitu e Bentinho.
Era óbvio que eles se amavam, mas de forma alguma queriam estragar a amizade. Por isso fingiam que eram as mesmas crianças pequenas que não sabiam nada sobre o amor.
Após mais de 5 minutos com a mão na maçaneta, Nina respirou fundo e abriu a porta. A casa continuava com o mesmo cheiro de chocolate de sua infância.
— Porque a sua casa tem cheiro de chocolate? — a garota com cabelos recém pintados de rosa perguntou.
Eles estavam deitados de cabeça para baixo na cama do moreno. Sem dúvidas, aquela era a melhor maneira de se passar as tardes de domingo.
— Eu não sei. — ele disse deitando de lado para poder encarar Nina — Acho que é assim desde os tempos da minha bisa. Você ficou bonita de cabelo rosa.
Respirou fundo novamente, a casa estava destruída. Lembrava bem do fatídico dia 02 de março de 2017. Nem as fotos, nem os quartos, nem mesmo as escadas conseguiram se salvar de sua onda de destruição.
— Você quer dizer que quando eu estava loira eu não era bonita? — perguntou divertida, se deitando de lado também.
Os seus corpos estavam tão próximos que quase conseguiam ouvir as batidas de dois corações apaixonados.
— Não coloque palavras na minha boca, Stone. Você sabe que eu te acho linda. — se aproximou colocando uma mecha teimosa atrás da orelha dela e logo em seguida lhe dando um beijo.
O corpo de Nina voltou a tremer quando em meio a bagunça achou uma foto deles em uma festa fantasia. Eles já namoravam naquela época? Ou ainda fingiam demência?
Uma lágrima pingou na foto e logo em seguida no chão, onde outras dezenas de fotos se encontravam.
— A gente não deveria ficar se beijando, isso estraga a amizade. — Nina que naquela época já não tinha mais cabelos rosas, mas sim azuis.
— Não foi isso que você disse ontem à noite. — sorriu malicioso.
Estavam em um parque de diversões, andavam de mãos dadas e se beijavam no túnel do amor. Mas não admitiam que eram um casal. Não podiam se apaixonar.
— Aquilo foi uma exceção. — cobriu o rosto com as mãos, tentando esconder a vermelhidão dele.
— Assim como todas as outras vezes desde que a gente completou 14 anos, Nana. — Leo a puxou para um abraço e deu um beijo em sua testa — Precisa arrumar desculpas melhores.
— Não consigo. — Nina riu — Você beija bem demais.
Em um ato quase que insano, ela sentou em meio à bagunça e começou a pegar aquelas fotos já tão antigas. Um pedido de namoro estranho. Uma festa de formatura. Música. Moda. Uma viagem inesquecível. Uma composição. True Colors. Goiânia — lugar de nascimento de Leo. Churrasco de família. Adoção de um gatinho. Pedido de casamento. E várias e várias cores de cabelo diferentes.
— A gente deveria casar. — o brasileiro disse enquanto observava a namorada se maquiar.
Naquela época, Nina estava usando o violeta como cor definitiva de seus cabelos.
Eles já tinham 24 anos e moravam juntos desde os 18 por causa da faculdade.
— Eu também acho. — disse sem tirar o batom da boca.
Leo estava deitado de cabeça para baixo e apreciava com um sorriso a mulher que por algum motivo muito estranho se intitulava de sua namorada. Ele era completamente apaixonado por ela.
E era recíproco.
— Eu não estou brincando! — o homem disse se sentando na cama.
— Nem eu! — disse olhando o reflexo dele pelo espelho.
Ambos sorriam maliciosamente. Nina não queria se lembrar com tantos detalhes. Talvez a dor da perda não seria tão forte. Talvez ela tivesse conseguido seguir em frente — mesmo que minimamente.
Eles se casaram em Vegas dois dias depois. Nina com um vestido azul — quase florescente — e Leo vestido de Elvis Presley. Depois de alguns meses, quando voltaram para a sua cidade natal, se casaram do modo tradicional.
Ela — com os cabelos verdes — de branco e ele de terno. Um buquê. Gravidez. Gêmeos. Alina e Noah — por causa de uma história que ela havia lido no blog de Sophie Brahen.
Em meio a tudo aquilo — fotos e lembranças — a mulher, que já não tinha cabelos coloridos, achou uma caixinha. Estava escondida no fundo de um armário antigo.
Assim que se casaram — pela segunda vez — e anunciaram a gravidez na festa, os pais de Leo resolveram dar a casa das memórias mais antigas dos dois. A casa com cheiro de chocolate.
As mãos de Nina tremiam tanto que ela temia não conseguir abrir a caixinha colorida. Dentro dela tinha um DVD e nada mais. Movida pela curiosidade, a loira andou até o meio da sala e colocou o objeto para rodar. Aparentemente a televisão havia se salvado da destruição geral.
Nina prendeu a respiração quando viu a imagem de Leo na televisão. Ele estava igual ao último dia. O mesmo sorriso travesso. O mesmos cabelos cacheados teimosos que insistiam em cair em seus olhos. O mesmo homem que ela havia jurado amar, mas que havia partido tão cedo.
Ela teve que se segurar para não desligar a televisão e sair correndo sem rumo. Mas precisava saber se o seu marido sabia que estava morrendo. Será que teria como ela saber? Ou como ela evitar? Estava até difícil de respirar.
Resolveu que o único jeito de saber era continuar a ver. Então ela começou.
— Oi, é o Leo. Infelizmente não o Valdez. — sorriu marotamente, mas logo em seguida ficou sério — Minha princesa dos cabelos coloridos, se você está vendo isso é porque eu morri. Faz umas duas semanas que eu descobri que aquelas dores de cabeça não eram tão simples igual eu pensava. É grave e fatal. Não tem cura. Pensei em várias maneiras de te contar, mas não consegui. Não queria te fazer sofrer antecipadamente, mas igual eu disse antes: se você está vendo esse vídeo é porque eu não estou mais do seu lado. — algumas lágrimas teimosas cairam do rosto do homem, que logo as limpou e abriu um sorriso triste — Eu sei que deve está sendo difícil, mas eu preparei uma coisinha para você.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Nina assim como as gotas de chuva em uma tempestade forte. No entanto, ela não conseguia parar de assistir.
Tudo começou com uma foto deles pequenos. Um vídeo engraçado de um casamento improvisado. Primeiro dia na escola. Dia na piscina. Fantasias de Príncipe e BatGirl. Primeiro dia no colegial. Selfie em uma aula chata. Selfie na detenção. Dia na praia. Cabelo cor de rosa. Beijos. Fotos no parque de diversão. Pedido de namoro feito por Nina. Tentativa de pedido de namoro por parte de Leo. Formatura. Beijos debaixo do Visgo. Selfie na faculdade. Primeiro casamento. Segundo casamento. Algumas fotos engraçadas de quando estava grávida dos gêmeos. Nascimento de Noah e Alina. Nascimento de Nicole. Vários momentos engraçados com as crianças. A última foto de Leo vivo.
— Se eu pudesse ficaria com vocês sempre para sempre, mas não posso. — Leo já não conseguia mais segurar as lágrimas — Eu te amo tanto e sei que você também me ama. Mas por favor não pare a sua vida quando eu morrer. Não deixe de pintar seus cabelos com cores estranhas. Não deixe de viver, Nana. Você me fez o cara mais feliz dessa vida e lhe agradeço por isso. Mas você não pode acabar com a sua vida. Por favor. Eu te amo muito mesmo. Obrigado por me proporcionar os melhores momentos de todos. Câmbio. Desligo. — e então ele sorriu — Antes que eu me esqueça, Ela não traiu.
Nina ficou mais de meia hora encarando a televisão escura. Faziam dois anos que havia recebido a notícia de um hospital falando que seu marido estava internado. Quando chegou ele já havia morrido.
Não tinha tido tempo de se despedir. Nem de dizer o último adeus.
Respirou fundo, e começou a arrumar a casa. Agia no automático. Pegou as fotos e o DVD e colocou com cuidado em uma caixa. Ligou para a sua mãe dizendo que iria demorar, perguntando se ela poderia ficar com as crianças por mais um tempo. Tirou a placa de Vende-se e ligou para a corretora, não tinha coragem de vendê-la — pelo menos não agora.
Foi em direção à farmácia mais próxima e mesmo com o rosto inchado, mesmo sem ter muita noção do que fazer — mas ao mesmo tempo completamente racional de sua ação — disse:
— Por favor, onde ficam as tintas para cabelo?
Mamãe, você está tão bonita com o cabelo de arco-íris
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