Dia 15 • Segredos
ESTAVA NA CASA DO Parker e nós os dois estávamos na piscina que ficava no lado de trás da casa. O sol torrando as nossas peles e a brisa soprando aos poucos naquela tarde quente. Estava tudo indo bem, até que começamos a discutir por causa dos últimos acontecimentos relacionados a Morley e Parker me jogou na piscina violentamente.
Quando subi até a superfície, já estávamos na minha casa, no meu quarto. Eu estava fazendo as unhas e ele estava assistindo a um jogo de futebol, quando as coisas começaram a esquentar e discutimos por causa da maneira que ele vinha me tratando. Parker machucou os meus braços com a força em que segurava, quando fechei os olhos ao sentir a dor, tudo ficou em puro silêncio e quando os abri, eu estava dentro do carro dele.
O dia era chuvoso, estávamos voltando do parque de diversões, eu reclamei com ele sobre as suas roupas, como ele olhava para as outras garotas e a reação dele foi de quase me dar um tapa na bochecha esquerda do meu rosto, mas eu o impedi.
— Molly! — gritava uma voz no fundo.
No princípio parecia um zumbido, mas depois de um tempo foi se intensificando e quando eu não aguentei mais ouvir o meu nome daquela forma, abri os olhos.
O sol forte bateu nos meus olhos e eu semicerrei para puder ter uma boa visão. Eu estava deitada no chão e não me lembrava de como acabei aí. Os cacos de vidro estavam a minha volta, alguém estava com o rosto próximo ao meu e ao forçar o olhar, percebi que era Emily.
— Ainda bem que você acordou, Molly. Poxa, eu estava preocupada — Emy disse, me erguendo do chão.
A minha cabeça latejou com força e as minhas pernas estavam fracas. Cambaleei até a cama com ajuda da minha melhor amiga e me deitei.
— O que aconteceu aqui? — Emy quis saber, encarando a porta que seguia interdita e o espelho quebrado no chão.
— Como você entrou aqui? — Perguntei.
— Da janela. Pelos vistos, a senhora estava tão zangada que nem se preocupou em trancar a janela — Emy respondeu zangada e eu revirei os olhos. — Agora responda a minha questão: que porra aconteceu aqui?!
— Ela é a culpada, Emily! Ela e o Parker, os dois são culpados! Eles é que acabaram com a minha vida! — Eu gritei, apontando para o projeto de espelho no chão. — A Stephanie acabou com a minha vida por causa de sua imaginação fértil!
— Conte bem isso, por favor.
— A Stephanie me uniu com o Parker porque pensou que nós éramos o casal perfeito, mas na verdade, o rapaz da minha vida é o Gregory — desimbuchei e minha cabeça doeu. — Aí, que dor!
— Espera, o Gregory? O Greg Peterson? — Emy questionou e eu confirmei com a cabeça. — Puta merda! Isso sempre esteve embaixo dos nossos olhos! Nós sofremos com um calendário de merda, você passou vergonha na internet, fez missões para reconquistar alguém que não era seu enquanto que o prêmio sempre esteve andando conosco! Que desgraçada!
O meu peito doia, e a minha cabeça dava várias voltas como se eu tivesse acabado de fazer mil piruetas. Gregory. De longe eu pensara que Greg seria o rapaz da minha vida.
— Você nem imagina como eu me senti com isso — falei com a voz fraca e minha amiga sentou-se ao lado de mim no colchão.
— Agora com o espelho partido, Molly, o que faremos? Será que da para falar com ela? — Emy indagou.
— Meu Deus! O espelho! Sem a Stephanie acho que não tem como fazer a transição! — Dei um pulo da cama até o chão, sentindo tudo ao meu redor girar.
Tentei recompor o espelho, chamando pela Stephanie, mas nada dela aparecer.
— Acho que destruí a única forma de comunicação com a Steph — eu disse a Emy, deixando o espelho de lado e sentei-me no chão. — Eu estou tão fraca, tão furiosa, tão nervosa! Que eu só quero fazer uma coisa.
— E o que seria mesmo? — Emy quis saber, levantando-se da cama.
— Eu quero me vingar do Parker! — Eu disse rispidamente e minha amiga arqueou a sobrancelha.
— Ok. Ok. Sabe quem vai parar no hospício mais próximo? Sou eu! Porque você acabou de descobrir que o "rapaz da tua vida" é outro e ainda quer se vingar do que você pensava que era? — Emily indagou e eu afirmei com a cabeça. — Eu acho que vou enlouquecer no fim disso tudo.
— Você acha mesmo que ainda estamos sã mentalmente, Emily? — Perguntei a minha amiga e ela bufou, revirando os seus olhos.
— Qual é o teu plano?
— Eu tenho uma ideia genial. Você está de carro?
— Ah! Rato! — Emily gritou, pulando nas minhas costas e por discuido a caixa de ferramentas caiu no chão e todas as peças fizeram imenso barulho.
Quando foquei com o flash do celular, encontrei apenas um ratinho de corda de brinquedo e eu olhei carrancuda para a minha amiga que soltou-se de mim.
— Que dramática — resmunguei. — Imagina se tivesse alguém aqui?
— Nós não devíamos estar aqui! Isso é contra a lei, você sabia? — Emily protestou, cruzando os seus braços e eu revirei os olhos.
— Já estamos aqui, não há como desistir — eu disse a ela e continuei com a minha busca.
O cheiro de humidade e a poeira invadiam as minhas narinas e estava escuro. Normalmente as coisas ficam organizadas, mas dessa vez estava um pouco fora de ordem.
— Se o Greg nos apanhasse aqui...
— O que vocês fariam? — Gregory perguntou e eu dei um pulo de susto, me segurando na minha melhor amiga.
Gregory estava na porta que dava acesso a cozinha, com os olhos semicerrados e com uma lanterna na mão. O meu peito acelerou e as minhas pernas ficaram bambas. As suas sobrancelhas estavam franzidas e os lábios comprimidos numa linha reta. O rapaz da minha vida.
— Oi, Gregory! — Sorri nervosa e alisei o meu vestido preto curtinho até as pernas. — Tudo ótimo?
— O que vocês estão fazendo na minha garagem? Não deveriam estar na escola? — Greg questinou e eu aumentei o meu sorriso, dando uma cotovelada na minha amiga.
— Hum, você também não deveria estar na escola? — Emily rebateu e Greg abriu um sorrisinho.
— Devia, mas eu fiquei em casa para ensaiar as músicas que tocaremos para o tio George hoje à tarde. Mas isso não responde a minha questão, o que vocês estão fazendo na minha garagem, Rainha do Gelo e sua fiel assistente?
— É uma emergência — me apressei a dizer. — Nós vamos precisar das latas de tinta em spray e as capas pretas que você tem aqui na garagem.
— Para? — Ele indagou e eu mordi o lábio inferior.
— Queremos fazer grafite na minha casa! — Emily respondeu e riu nervosa de seguida. — O meu pai me deu permissão, e... Não existe horário melhor para isso a não ser numa quarta-feira de manhã enquanto os outros estão na escola, ahm?
— Vocês as duas estão muito esquisitas. Mas, está bem. Eu permito que levem as tintas, mas — Greg olhou para mim e piscou o olho, abrindo um sorriso de canto, senti algo estranho subir até os fios de cabelo. — Você está me devendo uma, Stephanie.
— Por que tenho que ser eu e não a Emily? — Perguntei com a voz fraca.
— Vocês sabem que acabaram de cometer um crime invadindo a minha casa, não é? — Greg provocou e eu franzi as sobrancelhas. — Então não estão em condições de reclamar. Você está me devendo um favor, Stephanie e ponto final.
— Está bem, mas não comente com ninguém sobre isso. E nem sobre as tintas, por favor — eu cedi e ele mostrou todos os dentes num sorriso maroto. Eu amava aquele sorriso.
O que nós as duas fizemos nem dava para chamar de obra de arte. Perfeito!
Conseguimos fazer o que eu imaginara quando estávamos a caminho da escola.
O carro esportivo vermelho-escarlate do Parker, o mesmo do dia do acidente, agora estava todo pinchando com palavrões e ofensas bem direcionadas para ele. No lugar do motorista pintamos um corpo de uma mulher com um biquíni bem curtinho e exagerado. Logo que Parker entrasse, teríamos uma visão perfeita de Parker num corpo feio de biquíni franzido.
— Bom trabalho — eu disse a Emily, depois de batermos os nossos punhos.
O dia estava muito ensolarado e entramos dos portões dos fundos para não sermos vistas fora no tempo integral de aulas e tomarmos detenção.
Estávamos vestindo capas pretas que o Greg nos emprestou e óculos de proteção.
— Dois crimes em um só dia. Uau, eu só tenho apenas dezasseis e já fiz isso tudo — Emily murmurou e soltou uma risada fraca. — Pelo menos estou nessa contigo.
— Sempre faremos as melhores coisas juntas, amiga. Sempre — falei e ela encarou-me com um sorriso enorme.
Estávamos prestes a nós abraçar, quando ouvimos o toque de saída dos alunos e foi aí que os problemas começaram, pois logo nas primeiras pessoas saindo da escola, o Parker estava todo sorridente, vestindo a jaqueta do time e jeans e ao lado dele a sua affair, Morley.
— Merda! — Resmunguei. — Temos que dar um fora daqui!
Emily puxou a mala de tintas do chão e devolvemos as latas às pressas e quando estávamos prestes a ir embora, ouvimos o Parker a nos chamar.
— Ei! Vocês aí! O que estavam fazendo com o meu carro?! — Parker gritou e eu olhei pra trás, o seu rosto contorcido numa careta furiosa. — Stephanie?! Para aí!
Corremos em direção ao carro da minha amiga que estava do lado de fora das dependências escolares e atrás de nós, Parker corria tentando nos alcançar.
— Rápido, rápido! — Emy gritou pressionando o botão de destrancar as portas do carro.
As portas finalmente ficaram destrancadas e nós entramos no automóvel. Parker ainda estava atrás de nós, mas minha amiga ligou o carro e pisou fundo no acelerador nos tirando de lá.
Quando estávamos fora de vista do Parker e qualquer outra pessoa da escola, eu baixei o vidro e soltei todo o ar que eu mantinha dentro de mim.
O meu peito estava subindo e descendo freneticamente e a brisa foi como uma poção do relaxamento.
— Que dia! — Emy falou, desacelerando e me encarou com um sorriso nos lábios. — E aí, como está se sentindo?
— Eu... Não faço ideia.
Emy assentiu e eu reconstei-me no banco.
Eu não sabia o que fazer a seguir. Parker não era o que eu tinha planejado. Restavam-me quinze dias apenas. Gregory. Eu desde o princípio deveria ter ficado com Gregory. Se a Stephanie tivesse me unido com o Gregory talvez eu estivesse viva? Argh! Fechei os olhos e suspirei alto.
Ao abrir os meus olhos, vi que não estávamos no caminho habitual para a casa da Stephanie ou para a casa da Emily.
— Aonde vamos? — Eu quis saber.
— Para o estúdio do tio George. Esqueceste-te da audição? — Emy indagou e eu abanei a cabeça concordando.
— Só estou um pouco confusa. Mas ok.
Quando chegamos ao prédio enorme e luxuoso onde o estúdio se localizava, descemos do carro e caminhamos até a recepção.
O local era tomado por móveis modernos, com sofás brancos e lustres dourados no teto. No balcão de mármore reluzente, tinha um computador de última geração e por detrás, uma mulher de aparência juvenil, lábios carnudos e cabelo ruivo ondulado. Ela era bonita.
— Boa tarde, nós queremos ter com o George Steel, por favor — Emily disse a recepcionista.
A mulher sorriu e assentiu com a cabeça, tirando o celular do descanso e fez uma ligação.
— Boa tarde senhor Steel, a sua sobrinha, Emily Steel, está aqui embaixo — disse ela. — Sim, senhor. Com certeza. Está bem, avisarei a ela.
Quando ela terminou a ligação e devolveu o celular no descanso, nos disse para subir o elevador e ir até ao décimo andar, na primeira porta à esquerda e que os meninos da banda já estavam lá.
Fomos até ao elevador e quando entramos minha amiga pisou no botão dez e as portas fecharam-se. Tinha um espelho logo por trás e ao encarar o rosto da manipuladora de vidas tive vontade de chorar. Stephanie destruiu tudo, tudo da minha vida por uma coisa boba.
— Molly, você não me parece bem — Emy comentou ao observar o meu semblante no espelho.
Violentamente, limpei uma lágrima que escorreu do meu olho direito e subi as pontas dos meus lábios num sorriso mais que forçado.
— Imagina, Emy. Imagine — respondi e cruzei os meus braços.
As portas do elevador abriram-se e eu logo saí de lá. O corredor era extenso, mas felizmente a primeira porta à esquerda estava logo no nosso campo de visão.
Entramos e o ar-condicionado quase que me repeliu pelo ar gelado que nos recebeu. Os rapazes da banda estavam todo de jaqueta (o habitual deles e uma grande valia para essa temperatura) e estavam sentados num sofá comprido que tinha na sala de paredes cinzas, com várias caixas de som, uma mesa de mixagem e microfones por todo o canto. Era o estúdio.
— Oi, rapazes! — Minha amiga disse animada para eles.
Todos responderam o oi, e nós nos sentamos ao lado deles no sofá. Greg por ironia do destino, levantou-se para deixar a Emily sentar-se ao lado do Luke e ele ficou ao meu lado.
— Oi — Greg disse para mim e eu o respondi com um murmúrio. — Uau, alguém está mesmo para baixo. O que houve?
— Eu... — abanei a cabeça em negação. Não sabia se era o momento exato ou não para dizer-lhe tudo que tem no meu coração. — Estou bem, Greg.
— Não é o que me parece — ele insistiu e tocou a minha mão direita com a sua. Eu olhei para ele, os seus lábios entreabertos num meio-sorriso. A minha mão que ele tocou estremeceu. — Eu não gosto de te ver desse jeito.
As minhas bochechas esquentaram-se e abri um sorriso involuntário. Greg abriu os seus braços e eu o abracei. No seu abraço eu me senti segura. Minhas lágrimas rolaram dos meus olhos e molharam a sua jaqueta e algumas desabaram sobre o seu pescoço.
— Quando você quiser desabafar, eu sempre estarei aqui por você — Greg murmurou no meu ouvido. — E eu garanto que estará tudo bem.
Eu afastei-me para puder encarar o seu rosto e senti Greg aproximar o seu rosto do meu. Eu fechei os meus olhos e senti os seus lábios contra a minha testa.
— Obrigada — eu disse a ele e abri os meus olhos. Greg assentiu.
— Boa tarde, meninos — Tio George cumprimentou-nos quando entrou no estúdio segurando várias planilhas nas mãos. — Tudo bem? Temos que começar agora pois tenho uma reunião super importante com os produtores mais logo.
Os meninos da banda levantaram-se do sofá e eu chamei o Gregory.
— Boa sorte — eu disse a ele, que abanou a cabeça em afirmação e foi com o resto dos rapazes para a parte fechada, onde tinha instrumentos musicais e microfones presos em suportes.
Do lado de fora não dava para ouvir nada, mas deu para se sentir que estavam a se divertir pelas suas expressões faciais. Ao meio das audições, entraram mais duas pessoas no estúdio. Uma loira vestindo um terno preto e salto agulha muito alto e um senhor já na casa dos quarenta e grisalho, vestindo uma camisa social azul e calças cinzas.
Depois da banda terminar o seu repertório, saíram de lá e vieram ter conosco novamente nos sofás.
— Mano, isso foi irado! — Dylan exclamou ao sentar-se. — Esse papel já é nosso!
— Acalme os ânimos, Walker — Timothee disse a ele. — Ele não estava sorrindo.
— Mas eu sinto que fomos muito bem — Luke interviu e Greg concordou com ele.
— Eu também acho que conseguimos isto — Greg emendou.
Depois de longos quinze minutos, o tio George veio ter conosco para dar o veredito final.
— Bom, rapazes, vocês, em primeiro lugar, arrasaram! — Tio George falou animado. — Mas temos um problema — a sua animação foi esvaziando. — A produção quer apenas três rapazes.
— O quê?! — Emily quase gritou atónita.
— Espera, nós vamos ter que excluir alguém do grupo? — Foi a vez do Greg indagar. — É verdade isto?
— Sim, o filme foi pensando para um trio musical — Tio George explicou.
— Eu acho que o Timmy pode ficar de fora, já que ele entrou só agora na banda — Dylan sugeriu.
— Dylan! Nós todos somos uma banda, sem o Timmy os Ratos de Academia estarão incompletos! — Greg reclamou.
— Na verdade, a produção não quer o... O integrante negro da banda — George falou e eu o olhei incrédula. — Na banda não tem nenhum rapaz negro.
— Mas isso pode se mudar no roteiro — eu disse e tio George negou com a cabeça.
— Não querem negros na banda.
— Mas isso é racismo! — Emily gritou, levantando-se do sofá muito furiosa. — Eu não acredito que você esteja fazendo isso, tio George!
— Não sou eu, são os produtores — ele tentou defender-se.
— E você está aceitando de boas um ato de racismo? Eu esperava muito mais de você! Do que apenas um boneco telecomandado por dois executivos com uma mente precária!
— Emily, acalme-se, eu posso sair da banda se for o necessário — Luke disse a namorada.
— Não, Luke. Você é da banda. Se foi isso que decidiu-se, então, nós temos uma decisão final — Greg olhou para Dylan e Timmy que concordaram com ele. — Nós não queremos fazer parte disto. Obrigado pela atenção nos dada, mas estamos fora dessa palhaçada. Vamos embora.
Eu me levantei do sofá e os outros também.
— Adeus, tio George. Boa sorte nessa minúscula produção suja que está trabalhando — Emily disse rispidamente.
Saímos da sala do tio George e nos entulhamos todos no elevador.
— Porra! Racismo é tão século passado! — Timmy resmungou.
— Ainda existem pessoas presas lá, Timmy — eu disse a ele.
— Sabem de uma coisa? Isso foi uma prova — Greg disse-nos. — Pois se fôssemos fracos e falsos um com os outros teríamos aceitado a oferta e teriamos tirado o Luke dos holofotes.
Quando chegamos ao térreo e saímos do prédio, Dylan sugeriu que fossemos a um bar-karaoke descontar toda a fúria e ressentimento nos microfones.
— Até que é uma boa ideia — tive que admitir, pois eu tinha muita coisa que queria tirar de dentro de mim.
— Eu também acho — Luke disse.
— Então todos nós nos encontraremos lá, certo? — Dylan quis saber e todos confirmaram.
Nos despedimos, e todos foram para as suas casas. Eu voltei com o Dylan e fiquei pensando em várias coisas pelo caminho. Por que nós adolescentes nos concentramos muito nos pensamentos? Por que pensamos demais?
Chegando na casa dos Walker, eu atravessei a porta e subi as escadas ainda atordoada com as milhares de sensações e pensamentos que rodavam na minha cabeça.
Abri a porta do quarto e encontrei tudo como estava antes. A penteadeira fora do lugar, a cadeira caída pra trás e o espelho em mil bocados no chão. E eu continuava a sentir-me exausta, cansada. Traída.
Tomei um banho, e ao procurar as roupas no guarda-roupa, me encontrei com diversas opções de vestuário da Stephanie. Senti a fúria crescer dentro de mim, mas tentei oprimir e abri um sorriso na tentativa de tentar ser otimista. Vai ficar tudo bem.
Ao terminar de vestir a blusa branca de listras pretas, e o macacão jeans com vários adesivos fofinhos, eu desci as escadas até o rés-do-chão para puder ir embora com o Dylan.
Ao entrar na sala, senti o cheiro de abacate e e pão integral torrado. Avó Gretta estava sentada na poltrona amarela que se encontrava próxima a janela e perto dela estavam duas taças cheias de abacate e um prato com torradas.
— Estava a tua espera — disse ela, se reconstando na poltrona. — Venha, senta-te.
— Não vai ser possível, avó. Vou sair com o Dylan — avisei-a, mas ela revirou os seus olhos e abriu um sorriso.
— Ele já foi. Eu disse a ele que já tínhamos um compromisso marcado — justificou ela e eu arregalei os olhos.
— O quê?! — Gritei incrédula e avó Gretta riu.
— Por favor, venha sentar-se comigo. Temos muita coisa a conversar, o tempo é curto, pois não?
O meu tempo realmente era curto, só já tinha quinze dias apenas em vida novamente e...
— Por que quer conversar? — Indaguei.
— As vezes devemos deixar tudo explicado antes de seguirmos outros rumos das nossas vidas — falou. — E eu tenho muita coisa a dizer a você, mas primeiro — ela apontou para as gavetas do raque onde ficava a tv. — Leve uma cassete e coloque a reproduzir. Qualquer uma delas servirá.
Abri a gaveta de baixo e tirei de lá uma cassete empoeirada. Soprei-a e expirei quando senti a densa poeira atravessar as minhas narinas.
Coloquei a cassete no leitor de vídeo e liguei. Uma imagem branca foi aparecendo na tela gradualmente e depois de alguns minutos, a imagem já estava toda na tela, mas não na resolução dos dias atuais, estava no 3:4 e o filme era sem som em preto e branco.
— Por que um filme mudo? — Eu quis saber, me aproximando dela.
— O Thomas, o meu falecido marido, dizia que às vezes, a maneira certa de demonstrar o amor é com as ações, não com as palavras. Todo mundo sabe dizer um "eu te amo e por ti eu posso morrer", mas poucos "morrem por amor".
— Uau, isso é tocante — falei, ao processar as palavras por ela ditas.
— Thomas era poeta — avó Gretta explicou e me entregou uma taça de abacate quando sentei-me ao lado dela numa cadeira giratória.
— Acredito que ele fora mesmo bom.
— Dava para o gasto — eu ri com isso e ela também. — Está tudo bem, Molly?
Suspirei e com uma colher, levei uma boa porção da sobremesa até a minha boca e tentei me concentrar no sabor daquilo, do que em uma resposta plausível.
— Entendo se você não quiser falar sobre isso. Mas nós devemos. Afinal, você partiu o espelho.
— Foi um acidente! — Gritei e senti o meu peito doer após isso. Avó Gretta me olhava assustada e eu abanei a cabeça em negação. — Me desculpa, é que foi só um... Acidente.
— Eu compreendo. Mas como chegaste a esse extremo?
— Bem, eu descobri que ela foi culpada por tudo isso. Pela minha morte, pelo rapaz errado, por todo mal que o Parker me trouxe — levei mais uma colher até a boca.
— Eu sabia que você reagiria dessa forma.
— A senhora sabia de tudo? — Questionei e a avó Gretta assentiu. — Mas por que não me contou?
— Molly, nem todos segredos devem ser contados, pois podem doer mais para a pessoa do que quando não sabia.
— Mas a Stephanie manteu um segredo que poderia me destruir novamente. Ela deveria ter me contado tudo — expliquei.
— E ela novamente teria se interferido na sua história. Você não acha que ela quis que você amasse alguém sem interrupções? — Perguntou-me e eu encolhi-me na cadeira. — Todos cometem erros. A Stephanie não era perfeita, ninguém é perfeito. Todos carregamos segredos que se forem soltos, ninguém nos olhará com aquela admiração, com aquele amor. Seremos eternamente odiados pelas ações que cometemos no passado.
— Mas que segredo é tão forte ao ponto de criar ódio? Se a Stephanie me contasse tudo, eu estaria em paz agora! — Bradei.
Avó Gretta assentiu e prosseguiu:
— Se ela contasse para você, não acha mesmo que você teria ido logo aos braços do Gregory e forçado um romance? Ela quis deixar as coisas natural. Nós não mandamos nos corações e nem na vida. Eu creio que você também tem segredos que prefere não contar a ninguém — observou ela.
— Eu... — não me lembrava de nada que ninguém poderia saber. Talvez o que o Parker chegou a fazer comigo, o segredo de estar a viver num corpo que não era meu. — Também tenho, mas eu acho que se contar as pessoas vão me achar estranhas — uma luz acendeu-se na minha mente. — Uau, a avó tem razão.
— Eu sabia que você poderia me perceber, querida — avó Gretta levou uma colher até a boca e sorriu ao sentir o sabor da sobremesa. — Isto está mesmo bom.
— A avó Gretta também tem segredos? — Quis saber e ela riu.
— Claro. Todos têm segredos nesse mundo — disse ela.
— Mas a senhora é tão bondosa. Não imagino nada de feio vindo da sua parte — falei-lhe.
— Era disso que eu estava dizendo. Tem segredos que mudam totalmente o nosso caráter da visão das outras pessoas. E eu prefiro guardar o meu segredo para não ferir a felicidade de outrém — avó Gretta olhou-me nos olhos. — As coisas estão bem da maneira que estão.
— Qual seria esse segredo? Quão mau é? — Eu quis saber.
— Está bem, eu conto — suspirou. — Por mais que eu tenha amado o Thomas acima de tudo, eu nunca esqueci o Leonard. Ele foi o meu primeiro amor, eu fiz tudo primeiro com ele — ela sorriu por uns instantes. — Primeiro beijo, primeiro encontro e a minha primeira vez. Dois meses após isso, eu conheci o Thomas, um poeta, filho do melhor amigo do meu pai. Um homem que escreveu um poema com cinquenta estrofes demonstrando o seu amor por mim, alguém que eu sentia que era para mim. Então, eu terminei tudo com o Leonard. Um mês depois casei com Thomas. Que ingénua da minha parte; descobri que estava grávida e adivinha? Menti a paternidade — riu fraca e eu fiquei boquiaberta. — Nasceu uma menina loira, linda, parecida com o Leonard. Mas o Thomas era tão pateta que não percebeu nada, já o Leonard, ele sempre soube. E mesmo não estando na criação presente, ele sempre amou a sua filha.
— Isso quer dizer que o senhor Rupert é o pai da Lindsay? — Avó Gretta afirmou e eu fechei os olhos processando toda informação.
— Puta merda! Desculpa o palavrão, mas poxa — respirei fundo. — Isso sim é um segredo. Ela nunca perdoaria você.
— Viste o por que de não contarmos os segredos? Por essas e outras razões, Molly. Para evitar o sofrimento. Você acha mesmo que eu não me culpo todos os dias por isso? Você acha mesmo que a Stephanie não se culpava todos os dias?
Avó Gretta tinha razão. No final, na minha história não haviam culpados. Nem Stephanie, nem Parker, ninguém era culpado. Eu que estava criando justificativas para a minha morte. Eu que queria ter motivos plausíveis para justificar toda fúria, toda raiva e ódio que tinha dentro de mim.
— E ela não tinha culpa de nada — admiti. — Eu que a destruí.
Senti lágrimas nos cantos dos meus olhos e inspirei todo ar possível para puder me conter.
— A Stephanie apenas queria remendar um erro que ela causou. Assim como eu tentei e não consegui, ela quis conseguir corrigir. E você deve dar continuidade com isso tudo, Molly. Por favor, não desista do final feliz, não desista do amor de verdade — Avó Gretta pediu-me em meio a lágrimas. — O amor é algo tão lindo, tão precioso de se viver. Só quem amou de verdade sabe o quão bom é, e quando a gente perde a chance de viver isso novamente, só se apercebe que cometemos o maior erro das nossas vidas. Não faça o que eu fiz com Leonard, viva intensamente o seu amor com o Gregory, atravesse todas as barreiras possíveis, beije e abrace como quiser. Porque é bom, no final, o amor é muito bom.
Abracei avó Gretta e me permiti derramar lágrimas. Ela tinha razão, eu tinha que corrigir o que a Stephanie deixou. Eu tinha que terminar a missão, tinha que sentir o amor verdadeiro.
— Muita obrigada, avó Gretta — agradeci em meio a soluços.
— Eu que agradeço, por ouvir e compreender tudo que eu guardava — ela soltou-se do abraço. — Agora eu preciso disto — avó Gretta abriu um pote de mel que tinha na mesinha de centro e levou uma colher grande até lá. — Preciso ter um final doce, não?
Levou a colher até a boca e ingeriu tudo aquilo. Eu não percebi o que ela quis dizer com aquilo.
— Agora levanta-te e vá até ao seu quarto. Descansa, pois amanhã poderá ser um dia muito longo — eu assenti e levantei-me da cadeira.
— Boa noite, avó — eu despedi-me dela e ela acenou e sorriu para mim.
Voltei para o quarto e vesti um pijama antes de me lançar na cama e tentar adormecer após a conversa sentimentalista que tive com a avó Gretta.
O som de sirene de ambulância e gritos e choros dentro da casa me acordaram. Pulei de susto da cama e abri a porta com certa rapidez. No corredor eu vi a sra. Walker correr atrás dos enfermeiros enquanto chorava e Dylan vinha do seu quarto, vestindo calças de ganga e uma camisola azul.
— O que houve, Dylan? — Quis saber precoupada.
Dylan tinha lágrimas nos seus olhos e fungou antes de abrir a boca e fechar novamente.
— Fale logo, Dylan, você está me preocupando — sentia as minhas pernas tremerem e o meu coração acelerado.
Quando Dylan me contou o que aconteceu, só me lembro de cair de joelhos no chão e sentir como se o meu coração tivesse sido despedaçado.
Notas do Sérgio:
Olá pessoas, tudo bem? Espero que estejam bem! E quantas emoções para um capítulo só, não? Quero saber o que acharam do capítulo quinze! Meu deus, estamos na metade da história! E tenho uma notícia boa! Nos tornamos destaque do mês de março/2024 do @WattpadRomanceLp ! Que maravilha!
Vemo-nos no próximo capítulo 💗
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